POV: LUANA
— Acorda, Luanna. Você vai se atrasar para o trabalho. — ouvi a voz da minha mãe enquanto ela me balançava levemente.
— Pelo amor de Deus… me deixa dormir mais um pouco. — resmunguei, puxando o cobertor e fechando os olhos novamente.
— Anda, Luanna. Suas férias acabaram, e seu pai não admite atrasos. — ela disse, puxando meu cobertor com força.
— Que saco. — me sentei na cama, coçando os olhos. — Hoje deveria ser feriado. — reclamei, levantando e andando até o meu closet.
— Essa sua vida dupla vai acabar com você. — disse ela, séria, me observando.
Franzi a testa, confusa.
— Vida dupla, mãe? Que vida dupla? — perguntei, tentando entender onde ela queria chegar.
— Essa sua rotina de balada no fim de semana e trabalho durante a semana. Você precisa largar essa vida, filha. Tem dias que você nem dorme direito. — disse ela, cruzando os braços com aquele olhar reprovador que eu conhecia tão bem.
— Tá ótimo assim. Não preciso de mais nada. — respondi, entrando no banheiro. — Eu só estava aproveitando os últimos dias das minhas férias.
Mas, no fundo, eu sabia que ela tinha razão. Viro as noites nas baladas todo fim de semana, e durante a semana fico até tarde da noite estudando ou pesquisando. Eu nunca deixei minha vida pessoal interferir no meu lado profissional, mas não posso negar que me sinto cansada.
Muita coisa mudou nos últimos oito anos. Passei meses chorando por João, até que meu pai decidiu me mandar para Nova York para morar com meu irmão. Fui embora carregando apenas dor, tristeza e um coração partido.
Desisti do meu sonho de ser médica. Não me sentia digna de salvar vidas depois de tudo o que vivi. Não tive forças nem para fazer o tão sonhado juramento de formatura. Então escolhi biomedicina, assim continuaria na área da saúde, mas sem a mesma responsabilidade sobre a vida de alguém.
Eu até tentei seguir os meus sonhos, mas era impossivel, depois de tudo o que me aconteceu, não foi o término com o João que me fez desistir dos meus sonhos, foi o que aconteceu depois. Depois de tudo eu não me sentia digna de ser médica, e então tranquei a faculdade no terceiro ano.
Morei quatro anos e meio com meu irmão em Nova York. Lá, tentei esquecer toda aquela dor. Mas, mesmo tentando matar aquele sentimento, algo dentro de mim sempre manteve vivo o “João”. Eu não podia e nem queria esquecê-lo. O amor que sentia por ele e a esperança de um dia reencontrá-lo foram o que me mantiveram de pé.
Quando voltei ao Brasil, a primeira coisa que fiz foi ir até a ONG, mas ele já não estava mais lá. Fiquei sabendo que alguém o procurou depois que eu fui embora. E ali, pela primeira vez, perdi totalmente as esperanças de reencontrar o único homem que eu amei.
Desde então, nunca mais quis me envolver sério com ninguém. Aquela menina doce e sonhadora ficou no passado. Hoje, sou uma mulher que não acredita mais no amor e não se apega a homem nenhum.
Atualmente, sou a responsável pelo laboratório do hospital da minha família. Em outras palavras sou a Biomédica chefe do láboratório.
(...)
Depois do banho, me arrumei às pressas. Desci correndo e tomei um café preto bem forte, tentando afastar o cansaço que insistia em me dominar. Estava atrasada, então apenas terminei o café e fui direto para o hospital.
Quando cheguei à recepção, vi uma senhora chorando muito enquanto discutia com a recepcionista. Então me aproximei, preocupada.
— O que está acontecendo aqui? — perguntei séria.
— Doutora, essa senhora está bastante alterada. — disse a recepcionista, tentando manter a postura.
— Mas por quê? — olhei para a senhora, pegando em sua mão com delicadeza. — O que aconteceu?
— O plano de saúde dela está atrasado e não cobre a cirurgia de emergência do filho. — explicou a recepcionista, olhando rapidamente para mim.
Fiquei indignada.
— É uma cirurgia de emergência e vocês estão discutindo se vão autorizar ou não? — perguntei, sentindo meu sangue ferver.
— Senhora, essas são as normas do hospital. Eu não posso fazer nada, apenas sigo ordens. — respondeu a recepcionista, sem demonstrar emoção.
— Autorize agora a cirurgia. — falei firme, sem tirar os olhos dela.
— Senhora, eu não posso… — ela começou, mas foi interrompida por uma voz grave e imponente atrás de mim.
— Eu pago. — disse a voz, firme e confiante.
Me virei e quase perdi o ar. Que homem era aquele? Alto, com cabelos castanhos levemente bagunçados, um terno azul marinho impecável e olhos azuis tão intensos que pareciam enxergar minha alma. Ele se aproximou, colocando as mãos no bolso da calça social.
— Eu pago a cirurgia e todos os gastos do hospital. — disse, sem hesitar, olhando para a recepcionista com autoridade.
— O senhor conhece essa senhora? É parente dela? — perguntei, tentando recuperar minha postura profissional, mesmo completamente hipnotizada por aquele olhar.
— Não… Para ajudar alguém, não precisa ser parente ou conhecer. Basta querer fazer. — respondeu, sério, com um tom quase rude, mas que demonstrava sua indignação com aquela situação.
Ele me olhava ternamente, e meu coração batia acerelado, e seu olhar me traziam recordações dolorosas.
— Parabéns pelo gesto, senhor. — disse, desviando o olhar para a senhora. — Vai ficar tudo bem com seu filho, senhora. Com licença. — falei, antes de me virar e sair.
Fui direto para a sala do meu pai, entrando sem bater na porta.
— Que normas são essas que podem deixar uma criança morrer porque o plano de saúde não cobre a cirurgia? — perguntei, indignada, apoiando minhas mãos na mesa dele.
— Em primeiro lugar, bata antes de entrar. Em segundo, essas são as normas de todos os hospitais. Se não pode pagar, vá para um hospital público. — disse ele, frio, cruzando os braços.