Ellen Vasconcellos
À noite, deitada na minha antiga cama, o teto do quarto parecia me encarar de volta.
Eu havia crescido ali. Nas paredes ainda estavam os adesivos que colei na adolescência, a escrivaninha com marcas de café e rabiscos de provas estressantes. Mas agora… tudo parecia menor. Menor do que a culpa que me consumia por não perceber nada antes. Menor que a urgência que eu sentia de fazer algo.
O que eu poderia fazer agora?
Passei a mão sobre o rosto e respirei fundo, lembrando de tudo que aconteceu mais cedo.
Virei de lado pela milésima vez. As cobertas estavam quentes demais. O coração, inquieto demais. Eu precisava agir, fazer alguma coisa para cuidar dos meus pais, de toda aquela situação.
Não podia simplesmente cruzar os braços e esperar que as coisas se resolvessem como num passe de mágica. Eles haviam feito tudo por mim. Agora era minha vez.
Me sentei na cama e então decidi que iria cuidar da minha mãe.
No dia seguinte, iria conversar com eles, seria isso.
Respirei fundo, como se esse simples ato aliviasse o peso nos meus ombros.
Me deitei novamente e tentei relaxar, pelo menos um pouco.
No fundo, eu sabia que minha vida iria mudar com tudo aquilo, com todas aquelas escolhas. E eu rezava para estar fazendo as coisas certas.
******
Eu dormi por pouco tempo naquele quarto, confesso que estava pensativa.
Levantei cedo da cama, lavei meu rosto, troquei de roupa, passei perfume e amarrei meus cabelos longos em um rabo de cavalo.
Fui rapidamente para a cozinha.
Estava usando uma camiseta larga velha, que achei no guarda-roupa, era de quando usava nos tempos da escola.
Meus pais já estavam à mesa. O cheiro de pão fresco e café preenchia o ar, como nos velhos tempos. Aquilo quase me enganou. Quase me fez acreditar que tudo estava normal.
Eu amava chegar na escola e a mesa estar arrumada e comer com eles, isso me enchia de nostalgia.
— Bom dia, filha — disse minha mãe, sorrindo com os olhos mais brilhantes do que ontem. Ela parecia melhor, mais corada… ou talvez estivesse apenas fingindo bem.
— Bom dia, meu amor — completou meu pai, levantando o jornal para me ver melhor.
Sentei entre os dois, passando manteiga no pão sem fome nenhuma.
Mesmo com aquele clima estranho, havia uma leveza ali. Como se, só pela minha presença, eles estivessem se permitindo respirar de novo.
Mas eu não podia fingir mais. Era hora de falar.
— Eu decidi sobre algo ontem à noite — comecei, olhando para eles.
Os dois pararam. Minha mãe pousou a xícara sobre a mesa. Meu pai abaixou o jornal devagar.
— Decidi que irei pausar a faculdade por um tempo, irei falar com eles quando voltar a São Paulo. Quero ficar com vocês. — disse olhando para seus rostos, que estavam chocados com o que disse.
— Ellen... — minha mãe começou, mas eu levantei a mão, interrompendo com gentileza.
— Eu não estou abandonando meus estudos, mãe. E, além disso, eu quero procurar um emprego. Vou ajudar no que for preciso. É o mínimo. — Falei firme.
— Filha, não precisa disso — disse meu pai, já balançando a cabeça. — A gente vai dar um jeito.
— Vocês sempre deram. Mas agora é a minha vez. Eu tenho 23 anos. Já sou adulta. Sei me virar. Posso trabalhar e estudar ao mesmo tempo, como muita gente faz.
Eles trocaram um olhar. O tipo de olhar que pais trocam quando sabem que perderam a discussão, mas ainda tentam resistir.
Meu pai soltou um suspiro longo, passando a mão pelos cabelos grisalhos. E então, como se tivesse se lembrado de algo, franziu a testa.
— Ontem à noite, eu falei com um amigo. Ele está passando por uns perrengues. A esposa dele faleceu recentemente, e desde então ele não consegue encontrar alguém que cuide do filho. Um bebê de oito meses. Depois que a primeira babá foi embora, já passou por quatro outras, e nenhuma ficou.
— Que horror… — murmurei, sentindo um aperto no peito só de imaginar como devia estar sendo difícil para ele.
— Pois é... Ele está desesperado. Quer alguém de confiança, e... bem, pensei em você agora. Você sempre gostou de crianças, tem paciência, tem um jeito natural com os bebês. O que acha? É uma vaga temporária, só até ele encontrar alguém definitivo. — Meu pai continuou, respirando profundamente. — Ele tem me ajudado muito na empresa, tem sido um ótimo amigo, não queria abandoná-lo assim, não numa situação difícil como essa.
— Você acha que eu daria conta? — perguntei, meio surpresa. Nunca havia pensado em trabalhar como babá, mas a ideia não me parecia ruim. Pelo contrário… havia algo reconfortante em cuidar de uma vida tão frágil.
Realmente amo bebês, meu humor muda completamente quando estou com uma criança.
— Acho que daria certo sim — ele disse com convicção. — E, sinceramente, filha, ele vai pagar muito bem. É um cara bem-sucedido, dono de uma empresa enorme. Não mede esforços quando se trata do filho.
Balancei a cabeça, negando quando meu pai falou do dinheiro.
Se esse tal amigo estava ajudando meu pai, bastante como ele havia dito com sua empresa, o mínimo que eu podia fazer era retribuir.
— Se ele é um amigo seu, está te ajudando com o trabalho, não irei cobrar nada… você disse ser temporário de qualquer forma, enquanto isso, irei procurar um emprego por fora. — Meu pai olhou meio confuso e agradecido ao mesmo tempo, e eu continuei. — Qual o nome dele? — perguntei, meio curiosa.
Meu pai hesitou por um segundo, depois respondeu:
— Ethan. Ethan Blake.
O nome ecoou na minha cabeça como se já tivesse escutado em algum lugar. Talvez na mídia, ou em alguma palestra da faculdade. Mas antes que eu pudesse me lembrar de onde, a voz da minha mãe me trouxe de volta:
— Tenho certeza de que você irá conseguir, minha querida.
Assenti com a cabeça e comecei a comer o pão, depois me servi de café. Ali na mesa, continuamos a conversar, meu pai disse para voltar quanto antes para São Paulo, ele e minha mãe não queriam que eu parasse a faculdade. Então disse a eles que não iria largar os estudos se minha mãe ficasse comigo em São Paulo, iria cuidar dela, enquanto meu pai se dedicaria à empresa.
Eu queria cuidar da minha mãe, retribuir a eles tudo que fizeram por mim, por tantos anos. Disse a eles que a minha condição de não largar os estudos seria se minha mãe morasse comigo, e então eles concordaram.
Eu iria fazer o meu melhor, para que minha mãe melhorasse, e meu pai pudesse ficar tranquilo sem se preocupar com minha mãe e voltasse a trabalhar normalmente na empresa.