Ethan Blake.
Mais uma noite em claro.
Carlos acordou três vezes. A primeira vez com fome, a segunda chorando no escuro e, na terceira, acho que apenas sentia a falta… de alguma coisa… Possivelmente da mãe. Ou talvez do calor de um colo que não fosse o meu, cansado, quebrado, sem jeito.
A verdade é que eu já estava no meu limite.
Após dar a mamadeira para ele, que mamou rapidamente, em pouco tempo ele dormiu, coloquei ele no berço dele e fui para meu quarto me arrumar. Tinha que ir à empresa agora.
Estava exausto, com sono, mas essa era a minha rotina agora.
*****
Sentado à mesa de reuniões da Blake Holdings, com uma xícara de café intocada à minha frente, minha mente vagava entre contratos, prazos e um bilhete escrito “fraldas” que Marta deixou colado na porta da geladeira. Meu corpo estava presente, mas o resto de mim… nem tanto.
Folheei alguns relatórios pela terceira vez sem entender o que lia. As letras embaralhavam. Os gráficos pareciam piadas de mau gosto. Pisquei forte. Estava à beira de dormir ali mesmo.
Então, o telefone tocou.
Peguei imediatamente, sem sequer olhar o número. Atendi.
Minha voz saiu rouca.
— Blake.
— Ethan? — a voz do outro lado era leve, animada. — Estou ligando para dizer que consegui.
Era Gustavo. Um dos poucos amigos que resistiram ao furacão que virou minha vida. Um sócio próximo, quase família. Sentei-me mais ereto na cadeira, confuso.
— Gustavo? Sobre o que mesmo você está falando? — perguntei, levando minha mão até a xícara, bebendo um gole do café, para ver se despertava.
— Achei alguém. Para cuidar do Carlos — falou animado.
Meu coração quase pulou do peito. Larguei a xícara sobre a mesa.
— O quê? Sério? — Me apoiei na mesa com força, acordando um pouco do sono que me consumia. — Quem?
— A pessoa mais confiável que existe para mim… Minha filha. Ellen.
Pausa.
Franzi a sobrancelha, pensativo.
— Ellen? — repeti, surpreso.
— Sim, a Ellen. Já te falei com você sobre ela. Você vai adorar. É uma garota com coração de ouro, adora crianças, é centrada, doce… ela veio passar um tempo em casa e está em busca de um trabalho. Falei que um grande amigo precisava de ajuda com o filho, e ela topou sem pensar duas vezes em ajudar.
A notícia me pegou em cheio. A filha de Gustavo? Aquilo era inesperado. Mas, de repente, parecia a resposta de que eu precisava. Um alívio tomou conta de mim tão rápido que tive que fechar os olhos por um segundo.
— Gustavo, eu… não sei nem como agradecer.
— Não precisa… Ela quer te ajudar, Ethan. Disse ser o mínimo que pode fazer por você estar me ajudando tanto com o trabalho da empresa. Ela não quer cobrar nada, pelo menos até você conseguir respirar e achar uma babá definitiva. Para pelo menos te dar um tempo.
— Isso é... isso é perfeito. — E eu dizia isso de coração. — Obrigado mesmo, meu amigo. De verdade.
— Ela vai à sua casa hoje à tarde, chegou recentemente a São Paulo. Assim, vocês se conhecem, e ela conhece o Carlos. Fica tranquilo. Ela vai cuidar dele como se fosse da família. Eu prometo.
— Combinado, obrigado mesmo. — Nos despedimos em segunda.
Desliguei ainda meio atordoado.
A filha de Gustavo… Ellen.
O nome não me era estranho, claro. Lembrava de algumas fotos que ele mostrava dela quando pequena com orgulho: formaturas, aniversários, aquela viagem à praia de quando ela era adolescente, em que ela aparecia sorrindo debaixo de um chapéu enorme. Mas nunca pensei que, um dia, depois que ela crescesse, acabasse cruzando minha vida dessa forma.
E, mesmo com o alívio que sentia, algo em mim me inquietava. Uma dúvida natural, talvez. Um impulso protetor.
Será que ela daria conta? Cuidar de um bebê de oito meses não era tarefa simples. Ainda mais de Carlos, que andava tão sensível, tão… carente.
Mas Gustavo confiava nela cegamente. E, no fundo, eu também precisava confiar. Pela minha sanidade. Pela saúde do meu filho. Pela necessidade que gritava em casa todos os dias.
Trabalhei o resto do dia com mais leveza. Pela primeira vez em semanas, consegui terminar uma reunião sem esquecer meu próprio nome. Quando o relógio bateu cinco da tarde, saí mais cedo. Queria estar em casa antes dela.
Dirigi quase correndo, o peito apertado por uma expectativa que eu não sabia nomear.
Ansiedade? Esperança? Cansaço? Talvez um pouco de tudo.
Estacionei e entrei pela porta da frente, pronto para ver mais do mesmo: choro, silêncio, exaustão.
Mas não.
A primeira coisa que ouvi foi… risos.
Risos de bebê.
Do meu bebê?
Parei no meio do corredor. O som vinha do andar de cima. O riso do meu filho era limpo, leve, alegre.
Um som que eu mal lembrava como era. Subi devagar, quase sem querer interromper aquilo. Caminhei até o quarto dele com o coração acelerado.
E ali, na porta entreaberta, eu vi.
Uma garota sentada no tapete felpudo, o cabelo castanho preso de qualquer jeito, usando jeans e uma camiseta larga. Ela ria de algo que o próprio Carlos fazia, talvez um gesto, uma careta. Segurava um dos bichinhos de pelúcia enquanto o balançava no ar, e meu filho gargalhava como se o mundo fosse perfeito, como se não existisse mais dor.
Ele estava no colo dela. Tranquilo. Sem medo. Sem lágrimas.
E ela… bem. Ela tinha um brilho nos olhos que eu não via há muito tempo em ninguém dentro daquela casa.
Foi só então que ela me viu.
Seus olhos encontraram os meus por um segundo. Ela sorriu, um sorriso tímido, mas caloroso. E naquele momento, sem nem saber por quê, meu corpo relaxou.
Aquele era o riso que esqueci que outra pessoa, além de Carla, poderia ter.
— Você deve ser o Ethan Blake — ela disse, com a voz suave, como se já nos conhecêssemos há muito tempo.
Eu só consegui assentir, tentando entender como um rosto desconhecido conseguia, de repente, preencher tanto silêncio.
— E você… — comecei, dando um passo para dentro do quarto — deve ser Ellen Vasconcellos.