Hoje o dia começou estranho. Um silêncio denso pairava no ar, como se o mundo segurasse a respiração. Eu sabia — a conversa de ontem ao entardecer foi um divisor de águas. E agora, não havia mais como ignorar o que viria depois.Mas como contar para ele? Como dizer a Alessandro que eu carrego um parasita dentro de mim? Que eu infecto pessoas. Que posso alterá-las a nível molecular, que posso transformar corpos, apagar memórias, moldar consciências...Como dizer que eu talvez seja mais velha do que toda a civilização atual? Que posso ter vivido mil anos ou mais... e não lembrar de absolutamente nada? Nem da minha vida anterior, nem da atual.O que sinto por Alessandro não é simples. É intenso. Quase irracional. É uma obediência cega, algo que beira submissão. Quando olho para as outras pessoas, é como olhar vitrines de manequins: sem expressão, sem luz, sem cor. São peças no tabuleiro, ferramentas, alvos.Mas ele...Ele é cor. É movimento. É vida.Enquanto o mundo gira em preto e branc
Eu ajustei o colar de pérolas com um gesto delicado. Cada detalhe contava — da forma como meus cabelos estavam presos em um coque impecável, ao tom carmesim suave nos lábios. Quando entrei na sala de conferência no centro tecnológico de Brasília, todos os olhares vieram até mim como eu havia planejado. Expectativas, dúvidas, cobiça. Homens e mulheres poderosos querendo entender como nós, da BioCom, iríamos transformar o mundo. Eles não sabiam que já havíamos começado. — Boa tarde a todos. — Minha voz soou doce, firme. — É com grande prazer que apresento, em nome da BioCom, o nascimento do primeiro Polo de Bioengenharia Genética do Distrito Federal. As câmeras se acenderam, jornalistas se agitaram. Os representantes do governo local sorriam ao fundo, satisfeitos por estarem atrelados a algo que soava como o início de uma nova era. E estavam certos. Mas não pelas razões que imaginavam. — Este polo será o centro nevrálgico para pesquisas de aprimoramento humano, com integração total e
Boate Lua NovaEra tarde da noite quando chegamos à Boate Lua Nova — Aurora, Xiaomei, Jair e eu. A cidade parecia respirar diferente ali, envolta em um brilho úmido, com o céu encoberto por nuvens prateadas e um vento suave que roçava a pele como um sussurro gelado. Havia algo belo naquela noite e inquietante.A fachada da boate pulsava com luzes roxas e azuis, refletindo no asfalto molhado como se a cidade estivesse viva, dançando conosco. Lá dentro, o som era alto, grave, o tipo de batida que mexe com a alma antes mesmo do corpo.Apesar de tudo, eu sentia um vazio estranho no peito. Um buraco silencioso que nem a música, nem as luzes, nem a proximidade de corpos preenchiam. Era como carregar o peso de lembranças que não sei se são minhas. Gente me olhava. Sempre olham. Mas não é curiosidade — é receio, medo... A minha presença não é apenas notada, é sentida.Aurora se aproximou com passos leves. Usava um vestido branco que refletia como água ao luar, mas seus olhos azuis estavam car
Eu a vi.Vi tudo.Tudo que ela carregou sozinha.Aurora… é minha irmã.E eu morri.Aquela menina — Amanda — morreu.E, por um instante, eu desejei que tivesse sido definitivo.Porque descobrir que fui ela me enoja.Doente, frágil, vulnerável. Um corpo quebrado. Uma existência lastimável.E saber que alguém como Alessandro a amava, não a mim, mas à ela.Aquela versão moribunda. Aquela sombra de gente.Ela era a escolhida. Não eu. Não Kira.Não essa força que rasgou a morte e voltou com os olhos abertos.E ainda assim, ele me considerou apenas uma propriedade da BioCom, uma arma, algo útil. Mas como se Amanda fosse a jóia que se perdeu.Como se o amor dele tivesse morrido com ela.Isso queima. Corrói.E então vejo Aurora — e tudo que ela escondeu.As visitas, as gentilezas, os sorrisos contidos, a insistência…a proximidade.Não era por Kira. Era por Amanda.Era pelo fantasma que eu deixei para trás.Ela tentou me alcançar, mas não por quem eu sou. Por quem eu fui.E Teresa…Até Teresa s
A água ao meu redor parecia mais quente do que antes, ou talvez fosse a presença deles — Jair e Xiaomei — que fazia tudo ferver sob minha pele.Xiaomei se aproximou primeiro, seus dedos finos deslizando pela lateral do meu rosto com uma delicadeza que contrastava com o fogo em seus olhos. Seus lábios roçaram os meus devagar, como se pedissem permissão, mas eu já não queria mais conter nada. A beijei com fome, com entrega. Ela gemeu baixo contra minha boca, e aquilo me arrepiou por inteiro.Enquanto nossas bocas se encontravam, senti as mãos de Jair deslizando pela minha cintura por trás, com a força contida de quem poderia me segurar inteira, mas escolhia venerar cada centímetro meu. Seus dedos exploravam minha pele de forma paciente, respeitosa, como se me conhecessem melhor do que eu mesma. E talvez conhecessem.Quando me afastei um pouco de Xiaomei, respirei fundo, os olhos dela fixos nos meus, desejando mais. Ela desceu os beijos pelo meu pescoço, mordiscando minha clavícula com u
O meu retorno à Manaus, foi devido à ter sido informado de que o Sr. Hugo Hëinz havia convocado a mesa diretora com caráter de urgência. Tive que retornar imediatamente. No entanto, ao chegar, descobri que ele havia viajado e estaria ausente pelos próximos dois dias.Meu coração hoje está pesado. Após a discussão com Kira, parti ainda de madrugada. Não me despedi. Não a avisei de que ela teria que permanecer para concluir a missão. Fiz de propósito. Eu a magoei — e agora estou me sentindo miseravelmente culpado por isso.Xiaomei e Jair seguiram para Brasília. No Congresso, será Xiaomei quem representará a BioCom. Mas o que realmente me inquieta é saber que Jair também foi.Um homem como ele... perto da minha Onna-bugeisha.Minha...Esse pensamento queima dentro de mim.Eu quero ela.Sinto algo crescendo aqui dentro — um vazio, uma ausência cada vez mais sufocante.Decido ir atrás de Analisa. Soube que ela está trabalhando com a K'Corp — junto de G.E.S.S., Ghost, Iara, Logan… e Jair. I
Minha vida virou uma piada. Uma merda sem sentido.Fui enviado numa missão simples — ou pelo menos era o que me disseram. "Use discrição", me disseram. E eu obedeci. Tentei me infiltrar, tentei agir com cautela, evitar alarde. Só que, no final, falhei. Falhei feio.A maldita deputada assinou o acordo com a BioCell. E, com isso, enfiei um espinho direto no rabo do nosso sócio, a LuminaCorp — braço direito da BioCom, empresa que tecnicamente ainda me paga o salário.A missão era clara: eliminar a deputada antes da assinatura. Simples, direto, limpo. Mas eu não consegui adentrar a merda do escritório que ela estava enfurnada, em um dos arranha-céus de Manaus, era para ser discreto, mas fiquei puto porque podia ter metido o pé na porta, só que soube depois que o importante era não ligar a BioCom ao ato, não era exatamente a ação ser discreta mas eu, como agente de campo.Mas aí veio a reviravolta. Quando achei que tudo estava perdido, descubro pelo maldito relatório que Jair o Leão, aquel
Na madrugada do terceiro dia, a sorte me deu um aceno.Uma van de suprimentos atrasada chegou por uma das entradas laterais — a mesma que usavam para descarregar caixas desde o primeiro dia. Estava com o vidro embaçado, o motorista irritado. Dois cientistas abriram os portões automatizados com um controle externo.E ali, entre a pressa e a distração, entrei.Agachei atrás de um dos contêineres de transporte e esperei. Cada passo que dei depois disso foi cronometrado com precisão. Os sensores estavam todos ativos, mas os espaços entre as entradas de carga e os deslocamentos humanos criavam janelas. Três segundos aqui. Sete ali. Nada mais.Me esgueirei por entre paletes de aço e cilindros de criogenia, me movendo como uma sombra ansiosa. O uniforme térmico que roubei de um dos cabides na lavanderia ajudava a mascarar minha assinatura no espectro.Do lado de dentro da estrutura, o corredor era longo e bem iluminado. Pisos brancos com linhas vermelhas sinalizando áreas de risco. Segui o s