— Marcel… — meu sussurro escapou sem que eu percebesse, como um feitiço antigo quebrando sua cela de silêncio.O nome dele queimava em minha garganta como fel. O corpo do vampiro agonizante jazia à minha frente, mas eu não enxergava mais o sangue em sua pele nem a fumaça negra que ainda saía das queimaduras místicas das marcas de garras profundas em seu tórax. Tudo o que sentia era o cheiro. Aquele cheiro que eu pensava ter deixado para trás, enterrado junto com meus gritos em celas de pedra e noites sem lua. Dias em que eu passava me arrastando sobre meus pés descalços, com a dor das lacerações em minhas intimidades bloqueado o meu raciocínio, de tão intensas.Noites na sala de jogos, o cheiro pungente de semem imundo sobre meu corpo. A dor de cada estupro, de cada tapa, e cada soco. Meu corpo coçava inteiro, como se aquela sujeira voltasse instantaneamente. Eu estava imersa naquele cheiro. O cheiro de Marcel Lockhart.Minhas mãos, antes firmes, tremeram violentamente. Recuei um pa
MarcelO cheiro de sangue impregnava o ar, espesso como a névoa que rastejava pelas raízes da floresta escura ao sul de Northshore. Eu estava agachado sobre uma pedra enegrecida pela fuligem, meus olhos negros queimando de raiva e frustração. O vento frio sibilava entre os galhos retorcidos, como vozes zombeteiras sussurrando em meus ouvidos, de que ela não viria. Dois dias. Dois malditos dias esperando nas bordas daquela floresta maldita, e Ravena não havia aparecido. Não era possível que ela não sentiu a minha presença.Ela devia sentir.Ela tinha que sentir.Nosso vinculo era muito forte. Eu tenho o domínio sobre ela há muitos anos, eu a moldei para mim.Meu corpo ainda doía como o inferno, pelo esforço de conter a transformação. Meu lobo rugia, inquieto, faminto, não por carne, mas por ela. Ele não queria me entregar o controle, ele queria ve-la, devora-la. Pelo corpo magro e pálido dela. Pela alma obediente e inocente dela. Era uma dor que queimava sob a pele, um vício que ele n
As portas da biblioteca se fecharam atrás de nós com um ruído grave, abafando o caos que ainda pulsava nos corredores de Northshore. O perfume de couro antigo, madeira envernizada e papel amarelado impregnava o ar e, pela primeira vez em séculos, o santuário do saber que eu tanto prezava parecia pequeno demais para conter minha ira.Nathaniel se postou à direita, os braços cruzados, mas os olhos atentos. Ravena parou junto à janela de vidro espesso, onde a noite lambia o céu com nuvens escuras. A luz das lamparinas fazia dançar as sombras dos livros sobre os estofados e colunas. Mas tudo aquilo, os volumes sagrados da história vampírica, os mapas táticos, os grimórios mágicos, não me traziam conforto.Porque tudo dentro de mim gritava por sangue.O dele.Marcel Lockhart. A criatura desprezível que ousou colocar as mãos em Ravena. Não uma vez, mas por anos. E pior, se autodenominava seu companheiro.— “Companheiro”… — rosnei, e minha voz reverberou como um trovão abafado pelas paredes
Celeste Descobri o rastro de Marcel quando o vento mudou, trazendo o odor enjoativo de feno queimado e sangue lupino até a minha janela. Era madrugada, e a lua vazia espiava por entre as nuvens cinzentas, lançando um brilho espectral sobre o pátio da casa da alcateia. O ar carregava a notícia com a sutileza de um trovão distante, o lobo que eu amo profundamente em segredo, cruzou as fronteiras e partiu atrás daquela puta vadia.Um sorriso frio e amargo se formou em meus lábios. Como ele pode partir assim, sem nem mesmo pensar em mim, sem considerar sua Luna, sua amante. A fêmea que vinha esquentando sua cama e satisfazendo seus desejos todas as noites?!Eu me arrisquei por ele, eu menti e enganei Alexander, o nosso alfa, por ele. E agora ele não me pensou em mim nem por um segundo, antes de correr para tentar achar aquela piranha caquética que não tinha nenhum atrativo e nem sabia dar prazer.Mas não importa, porque agora, ele cumpria seu papel, e eu cumpriria o meu.Enfiei o capuz n
Ergui as mãos, sentindo a energia se acender na ponta dos dedos. Desenhei no ar runas flamejantes. O selo da luxúria invertida, o sigilo da inveja, o glifo da dor eterna.As runas arderam em chamas púrpuras antes de se projetarem como ganchos cortantes em direção ao caldeirão. Uma onde de expansão de poder ecoou nas paredes forradas de pergaminhos proibidos. O caldeirão latejou, e uma névoa negra subiu, envolvendo-nos. Senti o feitiço enraizar-se na minha própria carne. Um frio atroz, como as lâminas do submundo. Um sorriso faminto se abriu nos meus lábios.— Está feito — murmurei. — Marcel deixará de ver Ravena como fêmea. Ele a verá como rival. Como cadáver ambulante. E nada o deterá.Quando o feitiço findou, Cadmus ergueu-se com dificuldade. As mãos trêmulas repousaram no banco de pedra.— Há algo mais — disse ele, a voz ecoando como trovão contido. — Preciso te mostrar as visões da profecia.Ele puxou um amuleto de cristal negro, pendurado numa corrente de osso. Apoiado sobre a me
FrançoisO cheiro de sangue seco impregnava as paredes de pedra do calabouço. Havia umidade descendo pelas juntas das pedras, formando trilhas tortuosas como lágrimas antigas. A cela diante de mim permanecia escura, exceto pelo facho estreito de luz que atravessava a grade da pequena janela no alto, tocando o rosto desfigurado de Mercedes. Ela estava jogada no chão frio, os cabelos emaranhados, empapados de sangue, a respiração fraca, mas viva. Viva... por enquanto.Meus punhos se cerraram.Quantas luas se passaram desde que a encontrei naquele esconderijo lacrado por magia ancestral? Dezoito anos, era o que ela tinha. Uma criança aos olhos do mundo, mas uma bruxa selada pela própria anciã do seu clã, para protege-la. A última bruxa de um clã exterminado por traição das outras quatro casas. Ela um tinha o cheiro das folhas de outono. Eu só a encontrei porque meu lycan despertou ao sentir o cheiro dela. Não entendi o que estava acontecendo dentro de mim. Eu sabia que era híbrido, ma
O ar era denso na cela de pedra, saturado de magia estagnada, sangue seco e saudade crua. Eu me mantinha parado diante de Mercedes, as mãos cerradas ao lado do corpo, lutando contra o instinto que urrava dentro de mim.Felix, meu lycan, estava inquieto, desesperado, chamando pela companheira com gemidos ruidoso que ecoavam em minha mente. Mas sabia. Não podia tocá-la com a mesma urgência selvagem de antes. Desta vez, ela precisava ver quem somos nós, não o monstro que a tomou, mas o macho que agora ardia em arrependimento.Mercedes, pálida e exaurida, mal conseguia manter os olhos abertos. Suas mãos tremiam ao tentar se apoiar contra a parede fria, o corpo nu envolto apenas pela minha capa vermelha, que fiz questão de cobrir sua forma exposta, tão crua.Seus olhos, fundos e cheios de sombras, se encontraram com os meus, e o que havia neles era puro rancor... mas também confusão.— Você só quer me foder como um animal. — sua voz falhou, mas o veneno era nítido. — Porque é isso o que vo
CyrusO cheiro de ferro pairava no ar.A manhã era de um cinza lívido, e as ameias do castelo de Northshore se afogavam em brumas pesadas, como se a própria natureza pressentisse o que estava por vir. Eu estava parado diante do vitral da torre leste, observando a neblina se desdobrar sobre a floresta abaixo, quando senti. A marca.Não era qualquer vínculo. Não era um acasalamento por escolha, ou um selo mágico entre aliados. Era um elo de companheiros destinados.François.Fechei os olhos, sentindo o peso daquela revelação bater contra minha consciência como uma rajada de vento glacial. A mente dele tocou a minha, como se soubesse que eu havia percebido. Abri o canal mental entre nós com firmeza, sem sequer disfarçar a tensão na minha voz:— Você marcou alguém. — Minha mente bradou no silêncio absoluto da ligação. – Espero que eu esteja errado, e não seja Mercedes.Do outro lado, o general não hesitou. Sua resposta foi crua, firme e honesta.— Ela é minha companheira, Cyrus. Mercedes