3- O poder obscuro

Marry

O fogo me consumia, sentia minha carne se rasgar e encolher. Meus ossos ficaram expostos, minha garganta se secando e a pele rachando. Meus cabelos pegam fogo e uma dor lancinante atravessa meu corpo quando o osso de minha perna se racha. A dor me paralisa, há somente o grito atravessando a minha garganta e nem sei como, pois já estou quase completamente consumida pela chama.

Minha carne está enegrecida, torrada, há somente restos ainda agarrados aos ossos. Continuo gritando por uma eternidade e então sinto um alívio.

— Será que morri? — penso.

Meu corpo relaxa e então eu desperto. Assim que abro os olhos me arrependo, pois vejo o motivo de meus pesadelos na minha frente. O homem que em outro momento poderia simplesmente me pedir para dormir com ele que eu aceitaria. Não precisaria de ameaças ou de tortura. Mas ele só tinha a beleza externa, seu interior era podre e era isso que eu via agora na minha frente. Um rei mesquinho, rude e cruel.

Ele me salvou do meu pesadelo, mas isso nada tem a ver com bondade. Yan quer um filho na lua cheia, um filho Alfa abençoado pela mãe Lua e um descendente de uma bruxa poderosa. Ele pensa que sou boba, mas não sou. O clã de lobos inimigo está louco para tomar o império de Yan, e com sua morte o império será entregue a eles, a menos que tenha um filho alfa e para isso ele precisa gerar esse filho na lua cheia. Mas meu útero é seco, sua deusa tem que ser boa demais, forte demais para que meu útero possa gerar um filho.

Ele ordena que eu vá me deitar com ele e meu corpo se retesa, mas luto pra não demonstrar o terror dentro de mim. Minha carne ainda está dolorida, minha mente ainda não se livrou de todo esforço que precisei fazer para não gritar. Mas tenho esperança de que ele esteja falando a verdade quando diz que só deseja dormir.

Ele sai do quarto e eu fico ali sozinha, ainda não sei o que fazer. As servas do rei me entregam uma roupa seca e me troco na frente delas, não me importo pois andei seminua por um corredor algumas horas atrás. O que é ficar nua na frente de duas mulheres?

Depois que me visto, peço para ficar sozinha. As duas se entreolham e deixam o cômodo.

Me aproximo da janela e encaro a Lua cheia. Um mundo não deveria ser cheio de opressão; ninguém deveria ser escravo de algum rei sádico ou de qualquer pessoa; não deveria ser o poder a ditar as regras e sim o amor... mas não é esse o mundo que vejo.

Por algum motivo vejo a lua brilhar mais forte. Continuo encarando-a, devo estar ficando louca.

Não tenho nada a perder, nossos deuses há muito nos esqueceu e eu não seria condenada se rezar para a deusa dos lobos, seria? Ela os ouve, será que ela me ouviria?

Ajoelho-me frente a janela, não sei como se reza para a deusa da Lua. Fecho os meus olhos e faço minha oração.

“Sei que não sou digna de lhe pedir nada, pois não sou parte de seu povo. Meus deuses desapareceram, não nos ouvem mais há séculos, por isso estou pedindo socorro a senhora.

Não sei o que será pior para mim: engravidar desse rei sádico ou não gerar o seu filho. O que será de mim se um mês passar e nenhum sinal de gravidez surgir? Serei substituída, ele tentará com outra, mas o que será de mim?

Oh, deusa mãe da Lua, a deusa dos lobos, tem misericórdia de mim. Me ajude.”

Abaixo minha cabeça e lágrimas rolam por minha face e pingam no chão. Sinto um toque suave, um calor agradável em meu ombro. Levanto a cabeça com medo de que alguém tenha me visto fazendo uma oração para uma deusa estranha ao meu povo. Mas não há ninguém aqui, só uma luz que atravessa a janela. A luz da lua é quente? Continuo observando a luz clara que me envolve e percebo que aquela iluminação não é normal.

“Fique com o rei”

Escuto uma voz sussurrar.

— Quem disse isso? Quem está aqui?

Olho a minha volta, mas não há ninguém.

“Fique com o rei” — a voz repete.

— Quem é você?

“Uma guerra se aproxima e um destino cruel está a caminho, e este está além da imaginação de todos vocês.”

Encaro a lua cheia luminosa a minha frente. Aquela voz seria da deusa da Lua? Seria possível que eu esteja ouvindo uma deusa de outro povo falar comigo? Ou eu estaria louca de vez?

“Fique com o rei” — Ela repete — “Seu filho trará o melhor dos dois, ele será a salvação deste mundo e sua descendência será a salvação do seu povo.”

— Do meu povo? — Fico confusa. A descendência do meu filho salvará o meu povo, então a escravidão durará por muitas décadas ainda. Ou será a salvação do povo dele?

“Será uma Luna, bruxa, a companheira do Alfa, mas não precisará fazer nada para que a benção chegue em sua mão, você já fez o que precisava e agora o destino está traçado”

— Dona deusa, estou com mais medo agora do que antes.

“Fique com o rei”

A luz enfraqueceu e aquela voz sumiu. Queria perguntar como tudo aquilo aconteceria; como eu seria uma Luna; como teria um filho... mas eu sabia que não adiantaria perguntar. Ela já foi embora.

***

1 ano depois

— Mostre-me seu poder — exige ele.

— Não posso... não sei se posso.

— Posso saber o motivo?

Os olhos verdes dele me analisavam aguardando a resposta. Estávamos em seus aposentos.

Quando uma serva me chamou em meu quarto, achei que ele quisesse usar meu corpo, pois desde que meu filho nasceu há três meses, ele ainda não havia me chamado.

Quando fui trazida para o castelo do rei, depois da nossa primeira relação, minhas feridas foram tratadas e eu fui bem alimentada. Depois da semana do ritual passar e da confirmação da gravidez, ele me solicitava pelo menos duas vezes na semana.

Surpreendentemente eu não estava sendo maltratada, pelo menos não até agora.

— Se eu destruir seu aposento irá me castigar. Sem contar que não sei se influenciará na amamentação de alguma forma.

Como não sabia o efeito do meu poder em meu corpo durante a gestação, sempre que ele pedia que demonstrasse o meu poder, eu negava. Ele compreendeu que era pela segurança do seu filho e não mais exigiu isso de mim, mas sengundo ele, o resguardo acabou e eu já posso demonstrá-lo. Porém ainda tenho medo.

A coleira que continha meu poder fora removida do meu pescoço depois das núpcias. Um voto de confiança, foi isso que as servas disseram que significava a atitude do rei.

— Então vamos para o jardim.

— As flores irão morrer — alerto.

— O que está escondendo de mim? — Seus olhos injetados de ódio, um ódio que parece nunca abandoná-lo, me escrutinam. Sinto seu hálito quando ele se aproxima com dois passos e cola seu nariz no meu.

— Não escondo nada. Meu fogo suga a vida, não haverá nada vivo ao nosso redor além de nós dois.

— Controle seu fogo — exige.

— Quando vê-lo irá perceber que eu não tenho controle sobre seus efeitos.

Ele se afasta um passo e me analisa.

— Vamos para o pátio de treinamento.

Acho uma boa opção.

Sigo-o em silêncio.

Quando entramos no pátio não há ninguém além de nós dois. Não há animais nem plantas e o lugar é todo cercado com concreto e barras de ferro. Menos mal, pelo menos o lugar parece ser seguro.

— Quanto a amamentação, escrava, estou certo que nada de mal ocorrerá?

— Assim espero.

Balanço a cabeça em confirmação e o sorriso cruel dele se espalha por seu rosto bonito.

Ele se aproxima como um tigre e anda calmamente ao meu redor. Seus dedos percorrem meu rosto, meu pescoço, meus ombros e desce mais. Yan para atrás de mim e cola seu corpo no meu, seus dedos percorrem as minhas coxas, levantando de leve meu vestido. Suas mãos espalmam sobre meu ventre e ouço sua voz aos pés do meu ouvido.

— Em breve colocarei outro filho em seu ventre.

Frio percorreu a minha espinha. Não respondi.

— Eu precisava de um filho concebido no auge da lua cheia para ter a benção da mãe Lua, e ter um filho alfa, mas isso você já me deu. Mas agora eu quero aumentar minha descendência.

O frio se transforma em calor. A proximidade dele me deixa nervosa e temerosa na mesma intensidade que me deixa desejosa. Tinha medo da intimidade, mas a proximidade dele, seu calor e seu cheiro me deixavam em um estado que eu não conseguia definir. Depois das primeiras vezes, passei a ter prazer em nossa relação, mas ainda sou apenas uma escrava.

Me afasto dele.

— Você não queria ver meu poder? — Mudo de assunto.

Ele sorri, um sorriso tanto lindo quanto maldoso.

— Não pode negar que se sente atraída por mim, escrava.

Ele volta e se aproximar e passa a língua úmida em minha orelha. Num segundo está ao meu lado, no outro ele se afasta.

— Me mostre seu poder.

— Sabe que não sei de seus efeitos sobre a amamentação.

— Esperei demais, e eu consultei a curandeira antes. Acha que faria qualquer coisa que prejudicasse meu pequeno alfa?

— Mas meu poder é diferente, majestade.

— Diferente? Diferente, como?

Ele se aproxima, curioso.

— Meu fogo não é comum. Ele não queima, ele só... suga a vida... distrói o que eu desejar.

— Um fogo que não queima? Mentiu pra mim.

— Pare de dizer que menti, majestade. Eu não mentiria, pois tenho amor a minha vida. Quando contemplá-lo, verá que é uma chama, mas não como está acostumado a ver.

— Então vamos parar de conversa, mostre-me o poder agora?

Caminhei para o centro do pátio, estendi as mãos e deixei fluir. Tinha tanto tempo que o poder não fluía por mim, por meu corpo... tanto tempo que nem me lembrava mais da sensação. Era como voar, alcançar as nuvens com toda aquela onda gelada ao meu redor. Abri os olhos e virei para a direção onde estava o meu rei, o homem que me tinha em suas mãos.

A única coisa que vi foi sua face distorcida. Não por sentir os efeitos do meu poder, pois eu havia nos colocado em um escudo de proteção, o que eu não conseguia fazer com muitas pessoas ou coisas ao mesmo tempo... o que vi no rosto do rei Yan, o poderoso e destemido rei Yan, o poderoso rei Alfa, foi temor. Espanto, ele estava espantado e temeroso com meu poder. Mas agora que ele sabe do que sou capaz, do que posso fazer, não sei o que será de mim.

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