03 - Renan Andreollo

Renan Andreollo

Todos na sala ficam em silêncio incrédulos com o que havia acabado se ouvir, todos naquela sala sabia sobre o meu desejo de ser pai e principalmente com a minha vida estava andando atribulada com o divórcio em meio de uma briga desnecessária.

Não posso sair da cirurgia assim, tenho que esperar pelo menos o Maurício terminar de fazer o reparo no figado. Olho para o Ravi que estava com os olhos cheios de lágrimas e esticando o bracinho na minha direção.

Meus olhos caem sobre a mãe inconsciente e lágrimas escorrem pela lateral de seu rosto, me deixando ciente que a sedação dela estava diminuindo rápido demais, pego a seringa com as medicações para aumentar o período de sedação e olho para o Mauricio que estava com o bisturi elétrico fora da cavidade abdominal.

— Pode ir lá, damos conta aqui e tenho certeza que a Thalita não se importará de ficar no seu lugar. — Ele termina de falar olhando para a colega de profissão que tentava acalentar o garotinho choroso.

Antes de levantar da banqueta onde estava sentado, me aproximo do ouvido da mãe do Ravi e sorrio olhando para a criança que me chamava com as mãozinhas gordinhas.

— Pelo visto seu filho me adotou como pai. — Uma faceta de sorriso surge em seus lábios.

Levanto e vou de encontro com a criança que gritava papai em plenos pulmões, Thalita o aperta mais um pouco e beija a cabecinha dele.

— Ele acordou assustado e não sabia mais o que fazer! — Ela diz assim que o pego no colo.

O seguro na altura dos meus olhos e vejo quando ele seca os olhos azuis que estavam avermelhados pelo choro, olho para a mãe que estava sendo ainda operado e saio da sala de cirurgia, acompanhado pela Thalita que precisava troca de roupa para entrar na C.O.

— Papai, fominha. — Olho para a criança que mais uma vez me chama pelo que mais desejo ouvir na vida.

— Menino lindo, o tio vai procurar a tia Manuela, ela deve estar chegando com algo para você comer. — Caminho com ele pelo corredor e o cheiro de comida chama a minha atenção.

O chorinho dele acaba chamando atenção de todos que estavam por perto, entro com ele na cozinha e todos sorriem quando me veem carregando o bebê choroso. Por obra do destino, uma das cozinheiras monta um pratinho com alguns legumes e um caldo da carne moída que estava preparando.

Ela me conduz até uma das mesas do refeitório, põe o pratinho na mesa e um compressa presa no pescocinho do Ravi, acredito que seja para que ele não suje a sua roupa. Observo com atenção como a cozinheira alimenta o pequeno.

— Obrigado por me ajudar, mas será que ele já pode comer isso? — Pergunto inseguro

— Claro que sim, crianças começam a comer papinhas com menos de um ano, ele deve ter o que uns dois? — Ela pergunta.

Mas, na verdade, não faço ideia de quanto anos o pequeno Ravi deva ter, apenas sei seu nome porque a sua mãe o chamou um pouco antes de desmaiar quando invadiu o saguão do hospital.

— Não faço ideia da idade dele, ficarei com ele até que a mãe acorde! — Digo olhando para a cozinheira que brinca com ele enquanto o alimenta.

— Que bom, é triste saber  que esse anjinho poderia estar em um lugar sem estar recebendo atenção necessária! — Ela me diz com um olhar carinhoso.

Ela me entrega a colher e fico meio inseguro em como alimentá-lo sem que ele se engasgue. A prestativa mulher me orienta o que devo fazer enquanto o alimento. Quando o Ravi estava satisfeito com a sua refeição, ele se aproxima do meu colo pedindo para se deitar.

O agarro com carinho e proteção, meus braços se fecham ao redor dele e cheiro o perfume de bebê em seus cabelinhos. Levanto com ele e agradeço para a mulher pela ajuda e principalmente pelas dicas que ela me deu.

Tenho a sensação que ficaremos juntos por mais dias do que estava esperando, a extensão do trauma da mãe de Ravi é enorme. Saio do refeitório com a intenção de ir até o quarto onde estava para dar um banho nele.

— Como te darei banho se não tenho as suas coisas pequeno. — Franzo a sobrancelha e sinto quando ele puxa a minha barba e sorri.

— Papai? — Ele pergunta novamente.

Meu peito se infla com um sentimento estranho, algo totalmente desconhecido por mim. Toco no rostinho tristonho do Ravi e fico sem saber o que realmente dizer a ele.

— Adoraria ser seu papai pequeno. — Digo baixinho e sua respiração se tranquiliza.

Um suspiro escapa do pequeno corpinho, sinto quando ele agarra no meu jaleco, continuo passando a mão por sua costa e o deixo ali tranquilo enquanto volto caminhando para onde é o nosso quarto.

— Doutor Andreollo? — Olho para trás e vejo que é um dos seguranças do hospital. — Me disseram que o senhor ficou responsável pelo pequeno.

O via carregando uma bolsa azul com o nome Ravi Pape bordado na frente e olho com esperança para o conteúdo que possa haver dentro.

— Quando tiramos o carro da entrada do hospital, vimos as coisas do bebê, peguei para entregar para a assistente social. — Ele diz me entregando. — Caso queira saber, o carro está estacionando próximo ao seu.

— Obrigado, talvez vá lá assim que sair para saber se os documentos deles dois estão fáceis. — Digo ao pegar a bolsa azul.

Agora estava segurando um bebê que não era meu no braço esquerdo e uma bolsa azul no ombro direito, para quem olhava ao passar por mim, tinha uma visão engraçada. Era como se fosse um pai solteiro que acaba de descobrir que tem um filho e não faz a mínima ideia do que estava fazendo.

— É garotão, acho que dar um banho em um pitoco de gente não deva ser tão difícil. — Digo assim que entro com ele pela porta do meu quarto.

Fecho a porta e deixo as coisas dele em cima da minha cama e o solto no chão, ele caminha até a cama da Thalita o vejo se esforçando para conseguir pegar alguma coisa que estava ali. Enquanto ele tentava fazer o que queria, abro a bolsa e vejo que estava tudo muito bem organizado, roupas separadas com fralda descartáveis, meias combinando.

— O que vocês passaram pequeno? — Pergunto ao olhar em como a mãe desse anjinho é cuidadosa.

Escolho um conjunto com um macacão jeans e uma camisa de meia com mangas longas. Até porque daqui a pouco vou para casa e do lado de fora deve estar nevando, mesmo com a calefação ainda sinto um pouco de frio.

O vejo sentado no chão brincando com as chaves da Thalita, havia um boneco do toy story ali, imagino que seja esse o motivo de ter se esforçado para subir na cama.

— Que tal um banho campeão? — Pergunto ao vê-lo largando tudo e olhando ao redor.

O sento na minha cama e retiro toda a roupinha dele, a pele macia e cheirosa preenche todo o quarto, se ele não estivesse com a roupinha toda suja de comida assim como o seu pescoço não o molharia agora.

Pego as suas coisas na bolsa e vou com ele para o banheiro, com uma toalha no ombro ligo o chuveiro e deixo a banheira encher um pouco para poder dar banho nesse pequeno.

Ravi é um menino cheio de energia, mesmo sendo um pouco mais de três da manhã ele consegue molhar a mim e o banheiro completamente, mas pelo menos o deixo limpo. Saio com ele de volta para o quarto, retiro a camisa cirúrgica que estava usando e pego uma seca que estava no armário que estava no canto.

— Vamos lá se arrumar, se a cirurgia da sua mamãe terminou, tentarei levá-lo até ela. — Ravi coloca o dedinho na boca enquanto visto o seu pé as meias para calçar o tênis.

Fico com ele ali no quarto vendo que o sono volta a se aproximar, faço carinho em seu cabelinho, conferindo as semelhanças dele com a mãe que ainda estava em cirurgia. Passo praticamente uma hora com ele ali nos meus braços até finalmente que ele consegue dormir novamente.

Olho para a respiração tranquila daquele pequeno serzinho que estava relaxado e confiava em mim cegamente. Não sei o que houve com eles dois para que ela tivesse a atitude de jogar o seu carro contra a recepção do hospital. Mas faria o possível para que a mãe desse garotinho tenha uma vida em paz para poder criá-lo, sem que ele corra nenhum perigo.

Ravi já estava dormindo fazia algum tempo, estava curioso para saber o que estava ocorrendo com a mãe desse pequeno que ressonava como se fosse um gatinho ao meu lado. Com cuidado me desvencilhei de seus bracinhos e sai do quarto, deixando o Ravi rodeado por cobertas e travesseiros.

Deixo a porta aberta do quarto, a sala de cirurgia não era tão longe do quarto que o deixei dormindo. Me aproximo da porta e olha pelo vidro e vejo que a cirurgia já estava terminando. Mauricio encontrou o meu olhar e sorrio, o que me deixou bem tranquilo, sinal que realmente estava tudo indo bem.

Não consigo controlar a ansiedade, pego uma touca e mascara cirúrgica e entro na sala para saber como a mulher desconhecida esta.

— Acho que vocês formarão uma linda família. — Thalita fala rindo, enquanto a vejo fazendo a retirada da sedação.

— Quem sabe! — Digo rindo olhando para Mauricio que dava as últimas suturas para poder fechar a cavidade.

— E aí, como foi cuidar do pequeno? — Thalita pergunta.

— Dei jantar para ele, um banho e o fiz dormir novamente. — Digo com uma pontada de orgulho, já que nunca havia feito nada disso na vida.

— Parabéns papai do ano! — Mauricio zomba enquanto mostro o dedo do meio. — Renan, estava conversando com a equipe, acho que podemos fazer a comemoração de fim de ano na sua casa, será ótimo para o pequeno.

Penso um pouco sobre o assunto e me aproximo da cabeça da paciente que tremula as pálpebras dando sinais que estava acordando.

— O que me diz moça, posso deixar seu filho próximo desses médicos sem juízo? — Digo rindo para ela.

— Sabe que ela não vai responder… — Os batimentos dela, que estavam acelerados quando me ouviu, começam a se tranquilizar.

— Acho que isso foi um sim Mauricio. — Meu amigo olha para os monitores e sorri.

— Ótimo, contrate alguém para te ajudar com a decoração, cada um leva algo para comemorar. — Mauricio é o mais empolgado com tudo.

Depois que o nosso amigo ficou viúvo, ele vem vivendo a vida como se não houvesse o amanhã, mas por algum motivo acho que ele esteja tentando nos convencer de que ele superou o seu luto. Às vezes quando estamos saindo do hospital o vejo chorando no volante do carro, por isso acho que ele ainda não superou a sua perda.

— Bom, acho que isso foi a sua permissão, não se preocupe, assim que você acordar o trago para poder vê-lo. — Digo me afastando da messa de cirurgia, olhando para o relógio em cima.

Era quase cinco da manhã, mais duas horas e poderia ir para casa. O que estava estranhando era Manuela, que ainda não mostrou o seu talento com a lista que ela mesma criou.

— Já encomendou tudo o que precisará para ele? — Thalita pergunta.

— Estou esperando pela Manuela. — Digo me afastando para sair da sala.

Olho para fora da sala e vejo um dos guardas carregando algumas sacolas em direção ao quarto onde estava, saio apressado para que ele não acorde o Ravi antes da hora de irmos para casa.

Me aproximo do guarda que sorri ao me entregar as enormes bolsa.

— Demorei, mas consegui comprar tudo o que um papai de primeira viagem e sem experiência precisa. — Manuela surge com um sorriso no rosto.

— Não me dê esse titulo… — Ela passa por mim revirando os olhos.

— Ele te escolheu, deixe de ser estraga prazer…

Respiro fundo e pego todas as sacolas e antes que entrasse no quarto decido levar tudo até o carro que não estava longe. Manuela fica no meu quarto vigiando o Ravi e levo tudo para o carro, me aproximo e vejo o carro da mãe do Ravi estacionado ao lado do meu.

Acho que será melhor levar para casa e deixar lá até que ela acorde e decida o que fazer. Puxo o celular, procuro o contato do meu cunhado, sei que ele tem pode me ajudar nesse momento.

Renan: Oi, bom dia, precisando de um favor agora cedo!

Escrevo enquanto fecho o porta malas do meu carro e me aproximo do carro da mãe do Ravi.

Lev: Não é muito cedo para estar pedindo algo?

Começo a rir do meu cunhado, provavelmente ainda está de plantão nos bombeiros.

Renan: Pegue a Giuliana e venha me ajudar aqui, conto o que aconteceu, mas aparentemente ganhei um filho.

Lev: Puta merda, estou indo agora.

Sei que assim que o meu turno acabar minha irmã e meu cunhado estarão aqui e com eles poderei contar durante os dias que Ravi ficará comigo, espero que quando a sua mãe acorde, não ache ruim está aumentando tando o círculo de amizade de seu filho.

Assim que retorno para o hospital, procuro o guarda e pego a chave do carro para poder levá-lo para casa. Volto para o bloco cirúrgico, já vejo o Mauricio do lado de fora, carimbando o prontuário da mãe do Ravi e sorri para mim.

— Ela ficará bem, sentirá muitas dores nos próximos dias, mas nada que um bom analgésico não resolva, sobre o pé ela precisará de fisioterapia, mas você sabe disso. — Confirmo com a cabeça concordando com o parecer dele.

Agora é apenas esperá-la acordar e entregar a ela o pequeno anjinho que ainda dormia no meu cobertor.

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