Renan Andreollo
Antes que pudesse sair da sala onde estavam examinando o Ravi, pego a lista que a pediatra preparou e vejo que havia coisas demais, não que fosse sair caro, mas comecei a pensar em por que teria que ter tudo aquilo.
Não acredito que a mãe desse pequeno demorará a acordar, olhando para tudo o que havia na lista, como poderei explicar o motivo de ter comprado um berço e brinquedos para o bebê que nem é meu.
Mas concordo com a pediatra, deixar o pequeno Ravi nas mãos do conselho tutelar no dia de natal não parece certo, mesmo que não seja parente desse pequeno anjinho, ele merece estar sendo bem cuidado com exclusividade e prioridade, farei isso até que a mãe dele nos dê algumas explicações.
Saio da sala de exame com a lista em mãos, enquanto segurava o corpinho sonolento do pequeno de cabelinhos escuros e olhos azuis contra o meu corpo, via que ele estava quase dormindo. Balancei um pouco até que ele realmente dormiu, estava curioso para saber o que estava acontecendo com a motorista.
— Peçam um toxicológico e exames padrões, liguem para a tomografia, acredito que algumas costelas estejam fraturadas. — Ouvia Mauricio instruindo os R1.
Pelo visto, eles entrarão para a cirurgia e pelo cronograma essa pertence à Thalita, então só saberei de algo mais tarde. Com o pequeno dormindo no meu colo, me aproximo da cabeça da paciente, observo os seus parâmetros e noto que ela estava mais sedada que o necessário, olho para o Mauricio que entende o meu olhar.
— Ela ainda estava com faces de dor, precisei aumentar. — Ele me explica.
Sempre soube que mãe tem um grande vínculo com suas crias, seguro no pescocinho do Ravi e deixo o rostinho dele tocar o nariz da mãe, pelos batimentos cardíacos dela, percebemos que ela estava ciente do que estava acontecendo.
— Não se preocupe, cuidarei dele até que esteja bem, apenas aguente firme! — Sussurro ao seu lado.
— Quer entrar? — Mauricio me pergunta.
— É da Thalita, sem contar que se ele acordar e não me ver vai chorar. — O vejo rir enquanto olha para o tablet que estava em suas mãos.
— O deixe no quarto com a Thalita, tenho certeza que ela adorará dormir um pouco mais. — Quem não iria gostar!
Olho para a pediatra que ainda estava na sala da frente, então será ela que vai me socorrer essa hora, já que não poderei sair do hospital tão cedo.
Caminho em direção à médica infantil que me olha por cima da armação do seu óculos, já negando com a cabeça, tento dar o meu melhor sorriso, quero realmente participar dessa cirurgia.
— Por favor, me ajude, pode comprar tudo, deixo o meu cartão com você! — Digo balançando o corpinho do Ravi contra o meu corpo.
— Sabe que se sair demorarei, não é? — Confirmo com a cabeça. — E se aparecer alguma emergência? — Tem o Oliver aqui, até parece que ele não vai assumir.
— Deixe de ser cética, vá lá o deixarei no quarto com a Thalita lá no dormitório. — Digo para ela que se aproxima do pequeno e o pega no colo.
— Acompanhe a mãe dele que cuidarei do pequeno! — Manuela se aproxima e o pega dos meus braços.
Olho para a cena e sinto uma inquietação ao sentir meus braços vazios e por um instante seguro a necessidade de tomar o bebê que nem me pertence da médica que aceitou me ajudar.
— Tão rápido não é? — Ela pergunta e fico sem entender. — Esse espirito protetor.
Olho novamente para o pequeno anjinho que dormia despreocupado no colo da pediatra, puxo a carteira do meu jaleco e entrego com a senha anotada em um pedaço de papel.
— Anotarei aqui o endereço da minha casa, peça para entregar as coisas maiores na minha casa. — Digo enquanto escrevo o endereço de casa.
A vejo se afastar enquanto penso que realmente no início dessa manhã estarei com ele em minha casa, sozinho, sem saber o que realmente fazer com uma criança. Acho que sou louco, como um cara de quase 50 anos vai se virar sozinho com uma criança que demanda tempo e cuidados.
Olho para a sala da frente e vejo que eles estavam levando a paciente para a tomografia, com o resultado saberemos se realmente precisará de cirurgia ou apenas com cuidados ela conseguirá se curar.
Ando em passos lentos pelo corredor e entro na sala de laudo do tomografo, fico em pé enquanto eles arrumam a paciente para entrar no equipamento. Respiro fundo e olho para os monitores ao lado do médico responsável para laudar.
Quando as imagens começam a chegar começamos a ver o estrago que ela estava, o que nos faz perguntar tudo o que essa mulher já passou. Ela tinha fraturas em quase todos os ossos da face, as imagens do resto do corpo iam chegando e víamos a extensão das lesões.
Além de fraturas na face, ela estava com três costelas fraturadas, apenas uma estava fora do lugar perfurando o figado, isso já era o suficiente para cirurgia.
— Como essa mulher conseguiu dirigir até aqui? — Olho para o médico ao meu lado.
— Instinto de sobrevivência! — Digo assim que a imagem da perna esquerda chega com a fratura no tornozelo. — Ela deve ter fugido de casa.
Falo o obvio, até porque no carro podíamos ver que estavam algumas malas e pertences, mas só descobriremos algo assim que ela acordar e explicar o que realmente está acontecendo.
— Bom, até ela acordar, cuidarei do Ravi. — Digo em tom protetor.
Não deixarei que o responsável por fazer tanto mal a mãe dele se aproxime desse pequeno anjinho que me foi confiado.
Saio da sala e vejo que a Thalita estava pelo corredor com um olhar assustado, me aproximo dela preocupado com o Ravi que deveria estar com ela.
— Por que acordei abraçada com um bebê? Renan, até onde me lembro não tenho filhos! — Seguro a risada e me aproximo do quarto onde estávamos alocados para nossos plantões.
— Ele está dormindo ainda? — Pergunto abrindo a porta e vejo que ele estava enrolado no cobertor da Thalita.
Ela me olha com um sorriso carinhoso e toca em meu antebraço.
— Me acordei com o chorinho dele pela mãe, abracei mais forte e voltou a dormir. — Ouço a sua resposta, o que me deixa ainda mais preocupado.
— Vou entrar na cirurgia da mãe dele, pode cuidar dele enquanto cuido dela? — O olhar incrédulo dela me faz revirar os olhos.
— Vai lá salvar a mamãe, quem sabe não ganhe uma família, afinal é natal! — Nego com a cabeça.
Até porque, esse tipo de complicação é a última coisa que quero na minha vida, ainda mais que ela provavelmente deve estar fugindo de um casamento agressivo. Caminho para o bloco cirúrgico, pego um avental estéril e me sento afastado de todas as caixas de instrumentais cirúrgicos.
Abro a caixa de medicamentos e deixo preparado na mesa de mayo que estava ao meu lado, deixo o midazolam, propofol e fentanila separados para iniciar a sedação e entubar a paciente para a cirurgia.
Logo que estou com tudo pronto, eles chegam com a desconhecida na sala e a colocam na mesa, com cuidado ela é ligada a todos os monitores, aplico o primeiro passo da medicação e espero fazer efeito. Quando os batimentos dela se tranquilizam, realizo a entubação, e a conecto ao respirador, administro as outras medicações, seus parâmetros seguem estáveis e me sento ao lado de sua cabeça e acompanho a sua cirurgia olhando o Mauricio fazendo a sua mágica.
— Vamos lá pessoal, é hora de salvar mais uma vida! — A equipe trabalha de forma sincronizada e eficiente.
No meio da cirurgia o som de um choro chama atenção de todos e por incrível que pareça a nossa paciente se agita e seus batimentos se aceleram com o som que começa a ficar cada vez mais alto. Olho para o Mauricio que começa a rir para mim caçoando da minha sina.
Assim que a Thalita surge na porta da sala de cirurgia com o Ravi no colo, a coisa mais sublime e que sempre quis na minha vida acontece.
— Papai…