Capítulo VIII.

Clara Herrera. 

Agora sim eu tenho absoluta certeza que estou completamente ferrada. Não, não estava em meus planos ficar com Milena Bianco bem na festa de aniversário do Heitor. De verdade, a única coisa que eu tinha em mente, era conversar e me aproximar um pouco dela, mas as coisas acabaram fugindo do meu controle. Não deu outra, quando eu vi aquela criatura loira, sozinha naquele jardim, dentro daquele vestido lindo, parecendo uma miragem. Ah, eu não me aguentei. Beijei e apesar de saber que pode ser errado, por ela ser minha aluna, não me arrependo. Não me arrependo, mas agora estou ainda mais confusa que nunca.

Suspirando profundamente, olho para o lado e vejo Heitor em sono profundo, abraçado à um de meus travesseiros. Passo a mão levemente pelo seu rosto, num carinho, retirando algumas mechas de cabelo que cai sobre seus olhos. É inegável que o pequeno amou a festa, aproveitou cada segundo dela e, para mim, como mãe, não houve nada que pudesse me deixar mais feliz, que ver seus olhinhos brilhando durante todos os momentos ali. Brincou, se divertiu, curtiu até se cansar e acima de tudo, sei que sentiu o carinho de cada um presente ali. Mas quando chegamos em casa, meu coração se partiu em mil pedacinhos ao ouvir Heitor me perguntar porque Juan Carlos não foi em sua festa e eu, simplesmente, não soube o que responder. Foi notável a tristeza e a decepção em seu olhar. Passei boa parte da madrugada chorando, me sentindo uma verdadeira inútil.

No relógio, está marcando pouco mais de dez da manhã. Hoje é domingo, dia de almoço em família na casa de meus pais e pelo menos isso me traz um pouco de conforto, aconchego. Me sento na beira da cama e estico corpo, me permitindo sentir, pelo menos, um pouco da leveza dessa preguiçosa manhã. Faço minhas higienes, troco minha pequena por uma regata e shorts e, ao me olhar no espelho, posso notar que as olheiras, mesmo que de forma leve, já estão se fazendo presentes em meu rosto, denunciando a noite mal dormida.

Me certifico de que Heitor continua dormindo e saio do quarto, seguindo rumo à cozinha. 

   — Bom dia, bom dia! — cumprimento Jéssica e Kelly, me juntando à elas na mesa.

   — Bom dia nada, que cara é essa? — a loira se levanta e me entrega uma xícara de café.

   — Mal preguei o olho essa noite. — suspiro. — Heitor perguntou porque Juan não apareceu na festa e eu não soube o que responder. Fiquei péssima. 

   — Uma puta falta de consideração daquele babaca. — Kelly fala, acenando de maneira negativa. 

   — Sério, eu estou me sentindo um lixo. Por mais que Juan seja um idiota, eu acho que por mais que me esforce, nunca vou conseguir suprir a ausência do pai pro Heitor.  — respiro fundo, já sentindo meus olhos marejados. 

   — Não Clarinha, não fala isso! — minha irmã se levanta. — O Juan é um idiota e agora, mais que nunca, tem sido um escroto. E nem você nem o Heitor tem culpa disso. Ele se tornou uma pessoa odiosa. Do que iria adiantar a presença dele? Se lembra da maneira que ele estava tratando você e Heitor? — permaneço sentada, e ela me abraça, fazendo com que eu apoie minha cabeça em seu abdômen. — Não se culpe, irmã. Eu tenho certeza que Heitor sabe o tamanho do seu amor por ele, é muito feliz por isso e te ama muito também. Deixa, que se o Juan Carlos não aparecer, a gente tem amor de sobra par a dar pro nosso pacotinho. — se afasta um pouco, segurando minhas mãos. 

   — É, amiga. Você não tem culpa e o Heitorzinho menos ainda, o único culpado é aquele palhaço do Carlos. — Jéssica fala, se aproximando. — A única certeza que a gente tem é que Heitor ama você e tudo o que você faz por ele, a gente vê isso pelo brilho daqueles dois olhinhos verdes. — me abraça também.

   — Ai gente, juro que eu não sei o que faria sem vocês! — tento não dar atenção a uma lágrima que teima em rolar pelo meu rosto. 

— E nunca vai precisar saber, tenha certeza disso, minha pirralha. — Kelly deixa um beijo em minha testa. — Mas agora, conta aqui para a gente... e a garota? A gente viu ela na festa, e pelo visto só as trocas de olhares entre vocês já andam saindo até faísca. 

— Por Deus, não tem nem como negar, Clara, aquela loirinha está mesmo mexendo contigo. Se bobear, só nos olhares que eu flagrei, estava rolando mais química que na tabela periódica inteira. — minha amiga fala, me fazendo rir. 

— Ai meninas, eu sei que ela é maior de idade, já é responsável pelos próprios atos, mas estou com tanto, tanto medo. Se alguém ao menos sonhar em descobrir, eu estou ferrada...

— Espera, Clara... — a ruiva me lança um olhar desconfiado. — descobrir o quê? O que foi que você aprontou e não contou para a gente, senhorita Clara Herrera?

Ainda não cheguei à contar, nem para Kelly, nem para Jéssica sobre o beijo em Milena. Sorrio só de me lembrar dos momentos com ela. Foi tudo tão novo para mim, mas ao mesmo tempo, me fez sentir algo tão bom. Porém, até agora não sei de onde tirei toda aquela coragem para me aproximar tão de repente e tomar tal iniciativa. Tudo aconteceu de forma tão automática, natural, direta. Quando dei por mim, já estava a meio passo dela e nossa respiração já havia virado apenas uma. Sem contar que, aquelas duas esmeraldas têm me tirado as estruturas de um tempo pra cá, estando bem pertinho de mim, então, fez meu juízo cair por terra. 

É, Clara Herrera, você está ferrada! 

   — Hum, que sorrisinho é esse em, Clara?!? — Jéssica me lança um olhar desconfiado. — Tá, desembucha logo! Desde ontem você está estranha... 

   — Verdade. — Kelly concorda. — Vamos, conta logo pra gente, o que a Mulher Maravilha aprontou? — brinca.

   — Bom... — respiro fundo, e novamente um sorriso toma conta de meus lábios. — eu estava procurando por você. — aponto para Jéssica. — Então, eu fui andando e vi que a Milena estava no jardim, resolvi me aproximar, porque queria apenas conversar com ela... — as duas me encaram, com a curiosidade exalando em seus olhares atentos. — só que, quando eu me aproximei, não soube muito o que falar, eu à elogiei, ela me elogiou, quando eu vi, já estava bem pertinho dela e em resumo, nós acabamos nos beijando. — me encosto na cadeira, esperando uma reação da dupla à minha frente. 

   — Uau! — Kelly fala após alguns segundos em silêncio. — Então foi por isso que você sumiu e eu fiquei que nem uma doida te procurando para cantar parabéns. — me encara boquiaberta. — Eu estou chocada! 

   — Mas conta, o que achou da experiência? A garota, tem pegada, ou aqueles braços que parecem bem firmes estão lá só de enfeite? — Jéssica pergunta, me fazendo gargalhar. 

— Bom, ela ainda está no prejuízo, com um braço quebrado, né? — brinco. — Mas brincadeiras à parte, foram só dois beijos. E nossa, que beijos! Eu gostei, foi muito, muito bom. — me levanto. — Porém, eu não sei explicar exatamente, o que senti... talvez precise passar pela experiência de novo?!? — agora são as duas que gargalham. 

   — Quem diria, Clara Herrera! Você está me deixando cada vez mais impactada. — Kelly diz, se afastando rumo a sala. — E eu não dou um mês pra vocês duas estarem casadas!

   — Menos, deixa de ser exagerada. — grito.

   — Errada ela não está. — Jéssica pega nossas xícaras na mesa. — Vou terminar aqui e me arrumar, pois hoje, tenho um almoço em família pra ir de penetra. — brinca. 

   — Ah para, Jéss, você sabe que já é da família! — deixo um leve tapa em seu braço. — Vou ver se meu filho acordou e tomar um banho.

(. . .)

Após um fim de semana bem movimentado, a segunda-feira logo bate à porta, e agora, eu assumo que, até então, não parei para pensar o que fazer à partir de agora. Lidar com uma possível atração por uma de minhas alunas, nove anos mais nova que eu, já não estava sendo algo muito fácil para minha cabeça, agora lidar com essa atração após ficar com Milena Bianco, está sendo duas vezes mais trabalhoso. Como eu devo agir quando à ver no colégio? Eu realmente quero continuar com isso? E ela? O que será que ela quer?

Saio de casa com um atraso de quase dez minutos e quem me conhece, sabe bem do quanto prezo pela pontualidade. Bom, na verdade, eu já fui bem mais chata com isso, mas depois que se tem filhos, algumas coisas, por obrigatoriedade, acabam mudando. Então, tentando não me estressar muito com o atraso, enquanto tenho uma animada conversa com Heitor, que ainda fala sobre sua festa de aniversário, seguimos para sua escolinha. Quando chegamos, nos despedimos, como de costume, com um abraço bem apertado e o menino logo adentra sua sala. Fico alguns minutos sorrindo boba, admirando meu pequeno descontraído, já em seu lugar na turma. Ele me olha sorrindo, eu mando um beijo no ar e saio.

Com certeza, chegar no colégio com meia hora de atraso não estava em meus planos dessa bela segunda-feira. Suspiro ao entrar na sala dos professores e dar de cara com a diretora, converso com a mulher que, mesmo meio carrancuda, entende os meus motivos. Pego alguns materiais no meu armário e sigo para a primeira aula do dia. Ou melhor, para os vinte minutos restantes da primeira aula do dia.

Diante dos olhos atentos dos alunos de uma turma de segundo ano, dou início à um novo conteúdo e mesmo com o pouco tempo nessa classe, a aula até que rende bem. Empolgada na explicação, sou interrompida pelo sinal do segundo horário e em seguida, pela imagem da professora aguardando na porta. Junto minha coisas, me despeço da turma, sorrio cumprimentando a mulher e logo sigo para a sala da minha segunda aula. Ou melhor, sigo até a metade do caminho, e paro no meio do corredor, quando um arrepio percorre pelo meu corpo, ao cair a ficha que meu próximo destino é a sala de Milena Bianco. 

   — Posso te ajudar com isso? — parece que foi só eu pensar nela, que a mesma apareceu atrás de mim, num passe de mágica. — Desculpa, não queria te assustar e não estou te perseguindo. Estava no banheiro. — fala, como se estivesse lendo meus pensamentos.

   — Ah, claro. Obrigada!. — sorrio, entregando algumas das coisas que estou carregando. — Tudo bem?

   — Sim, e com a sen... — dá uma pequena risada com meu falso olhar de reprovação. — E com você?

   — Estou ótima. — respondo, mas logo meu olhar se perde em seu sorriso.

Por alguns segundos fico sem entender porque estamos paradas no meio do corredor. Estamos à poucos passos da turma de Milena, desvio meu olhar do seu e passo à encarar meus pés. Por que nesses últimos tempos tenho me parecido tanto com uma adolescente boba e apaixonada? Ódio! Não, não é que eu esteja apaixonada. Aliás, longe disso. Foi apenas uma comparação. Uma infeliz e errada comparação. Eu nem conheço tanto Milena, a ponto de me apaixonar. Eu sei que isso não passa de uma atração. Droga! Eu tenho que aprender a definir isso que estou sentindo, para não correr o risco de me colocar em maus lençóis.

Ela suspira e segue alguns passos à frente. Eu sei que deveria ter dito algo. Quer dizer, deveria? Como não o fiz, logo vejo Milena entrar pela porta, onde eu mesma adentro alguns segundos depois, vendo meus materiais já sobre a mesa e a loira mostrando algo no caderno para Alexia. Balanço a cabeça, como se com o gesto possa afastar qualquer outro pensamento que não seja o conteúdo da aula. E assim, entre conteúdos, explicações e atividades, se passam cinquenta minutos. Arrastados. E quando o sinal toca indicando a troca de horário, saio praticamente correndo. Estou me sentindo estranha, nervosa, agora só me bastaria entender o porquê.

Mais um horário e chega o intervalo. Fico por alguns minutos na sala dos professores, mas meus pensamentos estão me deixando ansiosa, inquieta. Antes mesmo de sair, pego o celular e mando uma mensagem para Kelly. Não sei se ela está ocupada agora, mas torço para que não, mas preciso de ajuda e sei que ela poderá me aconselhar. 

“Ei, irmã. Está por aí?” - CH

Para minha sorte, ela logo responde. 

“Por enquanto, sim. Mas logo vou precisar desligar o celular. Aconteceu alguma coisa?” - KH

“Eu não estou sabendo o que fazer! Me ajuda, por favorzinho! Não estou sabendo me portar perto da Milena, acho que depois do beijo, acabei ficando com um certo receio de me aproximar. Eu não quero parecer uma idiota, mas também não sei como abordá-la para conversar” - CH

“Clarinha, eu tenho certeza absoluta que você sabe muito bem o que fazer. E se você está mesmo afim, deixa ela saber. Você já deu o primeiro passo, se lembra o quanto parecia difícil antes? Mas depois, quando vocês ficaram, não valeu à pena? Só esquece o medo e vai.” - KH

“Certo, eu vou tentar falar com ela. Não pode ser tão difícil assim, não é? E nem tem porquê eu estar tão nervosa assim. Obrigada, irmã.” - CH

“Me conta tudo depois, ok? Agora eu tenho uma audiência. Vai com calma, mas vai com tudo. Beijos, até mais.” - KH

“Boa sorte, beijos. Se cuida.” - CH

Ainda fico por alguns segundos, olhando para a tela do celular. Kelly está certa, eu sei bem o que devo fazer. Eu sei, mas estou com medo do novo, com receio do que pode vir. Escorada na pia do banheiro feminino, fecho os olhos me praguejando por, algumas vezes, ser essa pessoa que pensa demais, que se cobra demais, que sempre quer que tudo saia perfeito. Suspiro e faço um combinado comigo mesma: vou deixar as coisas seguirem e acontecerem naturalmente. Eu posso tentar mentir para qualquer um, mas se tem uma pessoa que eu não posso enganar, esse alguém sou eu mesmo. E nesse momento, a maior certeza que eu tenho, é do meu desejo de sentir novamente a maciez dos lábios de Milena Bianco.

Conforme vai se aproximando o horário de voltarem para a sala, o banheiro começa a ficar movimentado, então eu logo trato de sair. Enquanto caminho rumo à sala dos professores, o sinal toca, apenas entro no local, pego minhas coisas e saio, no meio da multidão de alunos, seguindo para minha próxima aula. A classe para a qual eu vou agora, fica bem ao lado da turma de Milena que, nesse mesmo instante passa ao meu lado, conversando com os amigos. Sinto que é a hora. Eu preciso deixar de ser medrosa e falar com ela logo. Então, quando a garota está chegando em sua classe, me despeço de uma colega de trabalho que estou conversando e dou alguns passos rápidos, afim de alcançar a loirinha.

   — Ei! — seguro de levemente seu braço. — Tem um minuto?

   — Claro, professora Herrera. — pensei que estivesse ficado com chateada por causa de mais cedo, mas o sorriso que a garota me lança, manda ao chão qualquer receio meu. — Do que precisa?

   — Você. — merda, Clara! Droga! — Quer dizer, queria saber se você... quer dizer, se nós podemos nos encontrar naquele café lá perto da livraria hoje mais tarde? — me enrolo um pouco nas palavras e vejo a mesma segurar uma pequena risada. — Queria conversar com você. 

   — Hoje saio da livraria às cinco, te encontro lá. — responde, ainda sorrindo. — Vai ser uma honra tomar um café ao seu lado. — pisca o olho direito, e dessa vez quem ri sou eu. — Serei pontual.

   — Ótimo! — afirmo, num falso tom sério. — Não admito atrasos.

Um sorriso divertido se forma nos lábios de Milena, antes da mesma se virar e entrar na sala. E eu sigo para minha quarta aula do dia.

(. . .)

   — Então quer dizer que hoje nós vamos ter a casa só pra gente? — Jéssica pergunta para Heitor, enquanto se joga no sofá, e chama o garotinho para fazer o mesmo.

   — Vê se não colocam fogo na casa, ok? — digo, os olhando, mas especificamente para Jéssica. — Juízo. Muito juízo! 

   — Eu quem digo isso, Clara. — ri. — Agora vai, vai lá tomar seu café com a sua loira, dar uns beijos bem dados, que é isso que você tá precisando. — diz um pouco mais baixo, se levantando após colocar Heitor no chão. — Aqui vai ficar tudo bem né, Heitorzinho?

   — Aham, a gente vai jogar, e brincar, e desenhar, e assistir filme... — o menino pula, eufórico.

   — Já vi que fui trocada mesmo... — suspiro, dramática. — estou indo, então. Te amo, filhote. — me abaixo e beijo os cabelos de Heitor. — Tchau, Jéss.

   — Tchau, amiga.— manda um beijo no ar. — Aproveita!

   — Tchau, mamãe. — o pequeno acena com a mãozinha.

Sigo para o local combinado com Milena. Como saí bem adiantada, chego ainda faltando alguns minutos para às cinco. Escolho uma mesa mais ao fundo e enquanto espero, fico olhando algumas coisas aleatórias no celular. Mas alguns minutos depois, um leve pigarrear chama minha atenção, levanto meu olhar e a loirinha sorri, parada em frente à mesa. Como consegue ficar tão bonita até com o uniforme da livraria? Me levanto, e sinto minhas pernas falharem quando Milena me cumprimenta com um abraço, até bem apertado para quem está com um braço engessado e deixa um beijo em minha bochecha. 

   — Te fiz esperar muito? — pergunta, ao se sentar.

   — Não. — sorrio. — Um ponto pela pontualidade. — dou uma piscadela e ela ri.

   — E então, descafeinado e sem açúcar, acertei? — a olho em dúvida, até em alguns segundos entender que a pergunta é sobre o café e me espanto por ela ter acertado.

    — Como sabe? — pergunto a loira também se espanta.

   — Eu não sabia, era brincadeira. Foi apenas um chute bem dado. — dá de ombros e rimos juntas. — Mas que bom que acertei, mais um pontinho pra mim? — pergunta e eu acabo, concordando. 

Fazemos nossos pedidos e engatamos uma conversa leve e animada, sobre os mais variados assuntos. E então, rapidamente, no passar de poucos minutos, acabo constatando que Milena Bianco além de linda, gentil, simpática, é uma ótima companhia que eu passaria horas conversando. Bom, no dia que fomos ao parque com Heitor, tivemos sim algumas conversas, mas nada por muito tempo, já que além de tudo, ainda não havíamos nos aproximado. Mas agora, quem nos vê de longe, com toda essa descontração entre nós duas, cheias de sorrisos e risadas, pode julgar que somos conhecidas há tempos. Incrível.

Em nossa conversa, acabo descobrindo várias coisas sobre a loirinha, ela me conta que, em sua infância ela era uma menina muito sapeca, vivia se metendo em enrascadas e morria de medo de palhaços. Também acabo conhecendo um pouco sobre a sua família, vendo seus olhos brilharem de uma forma linda, ao falar de seu irmão, seus planos para o futuro e também sobre seu grupo de melhores amigos. Aos poucos também vou me abrindo, contando histórias e alguns acontecimentos, dos passados até alguns mais recentes.

Quando percebemos, as horas parecem ter voado e já se passa das sete da noite. Pagamos o que consumimos e seguimos para fora do estabelecimento, agora conversando sobre filmes e séries.

    — Sério, você precisa assistir friends! Eu tenho certeza que você vai adorar. — Milena diz, empolgada. — Comecei à assistir pela quarta vez. 

    — Uau! Deve ser muito bom mesmo. — falo e ela concorda várias vezes com a cabeça. — Assim que tiver um tempinho, juro que vou assistir.

   — Para ser justo, me indica alguma coisa também. — eu penso por alguns segundos, e vejo a garota me encarando. — Você faz esse cara extremamente fofa toda vez que vai pensar em algo? — ótimo Clara Herrera, agora uma garota de dezoito anos te faz ficar corada e com vergonha. 

   — Certo, então eu vou te indicar um filme. — ela sorri, concordando. — Mas com certeza você já assistiu, então vai assistir de novo. — me encara com os olhos semicerrados, esperando que eu fale. — Como se fosse a primeira vez. Eu simplesmente amo, é um tipo de filme de conforto pra mim, sabe?

   — Sei... eu acho que nunca vou me acostumar com esse seu lado que gosta de filmes românticos, emotivos e clichês. — fala em tom divertido, me fazendo rir. — Não cheguei a ver ainda, mas vou assistir.

Chegamos próximas ao meu carro, que eu havia estacionado um pouco longe, pois pelo grande movimento, não havia encontrado vaga. Ofereço uma carona à Milena, ela aceita e já dentro do veículo, continuamos com nossa conversa. A medida que nossa despedida vai se aproximando, sinto meu coração acelerar. Ok, talvez essas duas horas de conversa, tenha feito meu interesse em Milena aumentar um pouco. Mas será que vale a pena ceder aos encantos desse anjo loiro? Suspiro pesadamente ao me perguntar desde quando me tornei essa pessoa desconfiada assim.

   — Tudo bem, Regina? — ela pergunta, me tirando de meus devaneios.

    — Sim, tudo sim. Desculpa, só viajei nos meus pensamentos. — sorrio sem graça, a olhando assim que paramos em um sinal vermelho.

Ela apenas acena e logo depois, começa a cantar em voz baixa 7 rings - Ariana Grande, que toca no rádio, aumento um pouco o volume e começo a cantar também. Milena me olha, trocamos sorrisos e ouço sua voz um pouco mais alta. É impossível não rir quando a garota começa uma coreografia, jogando os cabelos e fazendo caras e bocas. Ao fim da música, nos olhamos por alguns segundos e depois caímos ambas em uma gostosa gargalhada, com direito à um longo suspiro no fim.

    — Ainda bem que eu sou professora e você uma futura advogada. — digo, estacionando o carro na porta da casa da garota. — Se vivêssemos para cantar, estaríamos ferradas.

— Verdade, ainda bem. — balança a cabeça de forma negativa, ainda rindo. — Clara, eu... — volta à me olhar de maneira séria. — eu queria falar com você sobre sábado. — suspira. — Quer dizer, se você não quiser falar sobre, tudo bem, mas eu... droga, eu não sei como dizer. — apoia sua cabeça no banco, tapando seu rosto com as mãos. 

— Você quer falar sobre o nosso beijo, é isso? — pergunto, após alguns segundos de silêncio.

— Sim... — suspira. — sim, é isso. Eu acho que fiquei confusa, tenho medo de estar confundido as coisas, sabe? — desvia seu olhar do meu, encarando um ponto qualquer à sua frente. — Bom, eu não sei se você já chegou a desconfiar, mas eu... ai meu Deus, que vergonha de te falar isso. — suspira, dando um sorriso fraco. 

— Vai, pode falar. — à encorajo, colocando minha mão sobre a sua e fazendo um leve carinho. — Quer dizer, se você se sentir à vontade. Eu só quero que você saiba que, eu te beijei porque eu quis, ok? É tudo novo pra mim e bem confuso também, mas eu quis sim e mesmo que esteja bem perdida e estranhando um pouco o que estou sentindo, eu não me arrependo. 

Mais silêncio. Eu acho que nunca vi Milena tão vermelha quanto ela está agora. A garota volta à me encarar e eu me perco em seus olhos e na profundidade e calma que eles transmitem. São tão lindos. 

— Não sei nem se deveria estar te contando isso... Clara, eu tenho uma queda por você desde o primeiro ano, você já deve ter visto a forma que eu te olho, mas eu nunca pensei que um dia, chegaria a acontecer algo. Não quero que isso que estou dizendo te faça se sentir pressionada, ou algo do tipo, mas eu sinto um certo receio de me machucar. 

— Olha, eu ainda não sei bem o que está acontecendo comigo, como eu disse, é novo, eu nunca me senti atraída por outra mulher, por uma garota. Não sei explicar, porém o que eu sei, é que você está sim mexendo comigo. — deixo minha mão subir, tocando delicadamente seu rosto. — Você é uma pessoa especial e mesmo quando ainda não estávamos próximas assim, era fácil perceber isso. Eu sou um ser humano, erro muito, mas vou procurar ser sempre sincera e tentar ao máximo não te machucar, ok? 

— Nunca pensei um dia estar ouvindo isso de você. — sorri, encarando seus próprios pés. — Eu sei o quanto esse processo de descoberta de sentimentos, ainda mais em condições como essa, é complicado e nós não precisamos falar sobre isso agora, tá? 

— Muito obrigada por me entender... — sorrio. 

— Quanto à isso, não há o que agradecer, Clara. — escuto o pequeno click de seu cinto de segurança. — Eu preciso ir agora. Gostei muito de estar com você, de verdade. 

— Eu também, você não imagina o quanto. Você é uma ótima companhia e espero que possamos repetir programas como esse mais vezes. 

Milena acena, concordando e no instante seguinte, se aproxima, para se despedir, creio eu que, inicialmente, com um beijo no rosto. Mas a proximidade faz nossos sorrisos irem morrendo aos pouquinho. E ah, ver o verde de seus olhos, assim tão de perto me faz suspirar, seu perfume me faz fechar os olhos por alguns segundos. Sinto os lábios de Milena roçarem levemente sobre os meus, e então me deixo levar, uma das mãos da loira sobe até minha nuca, me puxando para o mais próximo possível, o que não é muito, já que dentro do carro o espaço não é muito favorável. Minhas mãos automaticamente procuram os cabelos macios de Milena, segurando firme seus fios dourados, enquanto nossas línguas parecem se perderem numa batalha por domínio. Por fim, quando nossas respirações chegam ao ápice, beijo é selado com uma pequena mordida em meu lábio inferior, me fazendo sorrir, ainda de olhos fechados ao me recostar no banco do carro.

Depois de alguns segundos, olho para o lado e vejo Milena me encarando com um sorriso genuinamente lindo no rosto. Fico um tempo encarando o rosto de feições tão angelicais, e dessa vez, eu quem me aproximo, puxando delicadamente a cintura de Milena com uma das mãos e com a outra, acariciando de leve seu rosto.

   — Você é tão linda... — as palavras saem da minha boca, em voz baixa e junto de um suspiro.

Novamente os nossos lábios se encontram, nossas línguas exploram cada canto da boca uma da outra, enquanto a mais nova aprofunda o beijo, levando sua mão a minha nuca. Quando o ar, realmente, se faz necessário, o contato é findado e ainda ficamos nos encarando, ambas com as respirações irregulares.

   — Até amanhã,  Clara.— sorri docemente, antes de se virar e sair do carro. 

   — Até amanhã, Milena. — retribuo o sorriso.

Fico olhando a garota se distanciar e pela milésima vez no dia, me pergunto o que estou fazendo da minha vida. Agora, após essas nossas poucas horas de conversa, posso sentir que as coisas só pioraram para o meu lado.

   — E agora, Clara. — suspiro e logo dou partida no carro, seguindo para minha casa.

(. . .)

Se passou exatamente uma semana desde que Milena e eu saímos juntas e, desde então, não ficamos mais, talvez pela correria que se instalou com a primeira semana de provas do ano. Correria do lado dela e do meu, tanto que nem apareci na livraria nos últimos dias, como tanto gosto de fazer. Mas sempre que nos vemos pelos corredores do colégio, a troca de olhares me faz suspirar e sorrir feito uma adolescente de treze anos, apaixonada pela primeira vez. Quer dizer, não, eu não estou apaixonada, longe disso. É só atração. Lógico.

O sinal para o intervalo toca e eu espero que todos entreguem suas avaliações. Depois pego minhas coisas e sigo para a sala dos professores, ou melhor, era essa a minha intenção até ser puxada por uma certa loira, que estava próxima à porta de uma sala vazia. Sorte a nossa que, pela minha demora na outra classe, os corredores estão bem vazios.

   — Que ousadia é essa, Milena? — a olho verdadeiramente espantada pelo gesto, mas meu sorriso logo se abre quando ela me encara com uma expressão sapeca no rosto.

   — Eu precisava correr o risco. — sorri, se escorando na porta. — Se eu te disser que ficar com você duas vezes foi o suficiente para despertar saudade e essa tal ousadia em mim, você acredita? — tranca a porta e me puxa para a mesa, no outro canto da sala.

   — Acredito. — me aproximo, quando ela se senta na mesa. — Pois senti o mesmo. — acaricio seu rosto. —  Que bom que tirou o gesso. — aponto para seu braço.

   — É, eu não aguentava mais. — rola os olhos, me fazendo rir.

Num gesto inesperado, Milena me puxa para mais perto, segurando firme minha cintura e no instante seguinte, estamos nós beijando, agora, de forma não tão delicada como das outras vezes. Ok, eu sei que é completamente errado o que estamos fazendo, ainda mais dentro da escola, mais propriamente dito em uma sala, mas eu não sou de ferro também, né? Um anjo loiro desse, de frente pra mim, com esse sorriso nos lábios, e com essa pegada? Desculpa, não ando conseguindo me segurar.

Conforme o beijo vai se aprofundando, deixo minhas mãos escorregarem pelos braços de Milena, até chegar em sua cintura, a trazendo para ainda mais perto. A loira inicia uma delicada trilha de beijos em minha clavícula e vai descendo pelo pescoço, me fazendo sorrir ao sentir alguns arrepios. Esse, sem dúvidas, é o meu ponto fraco e mais sensível. Quebro o contato dando alguns selinhos na garota, que sorri e carinhosamente coloca uma mecha de meu cabelo atrás da minha orelha, deixando um último beijo em minha bochecha.

   — Como você está? — ela pergunta.

   — Cansada. — suspiro, dando sorriso fraco. — Semana de provas cansa vocês e a gente. — a loira concorda. — E você?

   — Assumo que ainda estou com um pouquinho de dificuldades de conciliar tudo. — se ajeita na mesa e, automaticamente, me encaixo mais em seu abraço. — Mas é só o primeiro bimestre, ainda posso me esforçar mais.

   — Você sempre foi uma ótima aluna. — me sento ao seu lado, já que meus pés começaram a doer por causa dos saltos. — E quanto ao tempo, tenho certeza que logo você se acostuma.

Pelos dez minutos restantes, ficamos falando conversando assuntos aleatórios, sobre nossa semana. E bom, de início, eu acabo até estranhando um pouco, não estou muito acostumada com alguém além da minha família e Jéssica me perguntando sobre minha semana, mas Milena facilmente me faz embarcar numa bolha que mesmo por poucos minutos, parece só nossa.

   — Bom, o sinal vai tocar daqui a três minutos e meio — olho no relógio em meu pulso. — Tempo pra mais um beijo? — pergunto e ela concorda, mordendo o lábio inferior ao dar um pequeno sorriso.

Milena desce da mesa e com um braço me envolve pela cintura enquanto sua outra mão vai até meu rosto, num leve carinho, em seguida, descendo até minha nuca. Nossos lábios se encontram novamente. É tudo tão novo para mim, mas com toda certeza do mundo, eu poderia me acostumar a beijar esses lábios todos os dias, por horas. Quebrando o contato do beijo, seus olhos verdes me encaram por alguns segundos. Ainda ficamos abraçadas, apenas numa gostosa troca de carinhos, até realmente termos de voltar às nossas responsabilidades e a nossa realidade.

   — Agora a gente tem que ir mesmo. — me afasto um pouco, já de pé no chão.

   — Até mais, professora Herrera. — até isso se torna diferente sendo dito por Milena. — Se cuida. — dá um beijo em minha bochecha.

   — Você também. — sorrio com o gesto. — Até mais.

Uma última troca de sorrisos e Milena, após espreitar se não há ninguém por perto, sai da sala. Eu ainda fico alguns segundos meio aérea, absorta em meus devaneios, e sou desperta pelo barulho do sinal tocando. Passo rapidamente no banheiro e depois sigo para minhas três últimas aulas do dia e são diversas as vezes em que me pego perdida, me lembrando dos beijos e abraços de Milena. Esse sentimento chegou tão de repente, se fez presente de forma tão natural em mim e ainda não há uma explicação que eu possa dar sobre tudo o que anda acontecendo, mas tem sido uma mistura de sensações tão fortes, que anda, realmente, mexendo comigo, de uma maneira boa, muito boa  

Emanuelle Oliveira

Mais um capítulo quentinho para vocês! Espero que gostem! ❤

| 2
Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo