4. Frio e Impiedoso

~ Summer ~

Acordo sentindo o peso do dia anterior como uma pedra no peito. O quarto onde estou é grande, mas frio, sem vida. As paredes brancas parecem me sufocar, e o silêncio é tão denso que quase ouço meus próprios pensamentos berrando.

Caminho até o banheiro com as pernas trêmulas. Abro a torneira e deixo a água correr, tentando encontrar alguma normalidade em escovar os dentes. Uma, duas, três vezes. Escovo até minhas gengivas começarem a doer. Tento ignorar o gosto metálico do sangue e lavo o rosto com água gelada, como se isso pudesse apagar tudo o que aconteceu.

Tomo banho em silêncio, deixando a água quente cair sobre mim. Não me sinto limpa, não importa quanto tempo fico ali. Ao sair, visto a primeira roupa que encontro no armário e volto para a cama. Não sei o que esperar, nem o que fazer. Estou presa.

Quando ouço a porta se abrir, meu corpo enrijece. Uma senhora entra com uma bandeja de comida. Ela tem o rosto marcado pelo tempo e uma expressão neutra, mas seus olhos evitam os meus.

— Trouxe seu almoço — diz, colocando a bandeja na mesa ao lado da cama.

— Não quero — murmuro, olhando para a janela, onde a luz do sol entra tímida pelas cortinas pesadas.

— É melhor comer, menina. O patrão não gosta de ser contrariado.

A menção a ele faz meu estômago revirar. Aperto as mãos no colo, tentando segurar as lágrimas. Não digo mais nada, e a senhora suspira antes de sair, deixando-me sozinha com meu vazio.

Me sinto perdida. E não faço ideia de como sair disso.

♡♡♡♡♡

~ Hades (Gael) ~

Estou revigorado. A adrenalina da noite anterior ainda corre nas minhas veias. A garota, Summer, mexeu comigo mais do que deveria, mas não vou deixar que isso me distraia. Sou um homem prático. Sempre consigo o que quero.

Depois de um banho rápido, visto um terno preto impecável e sigo para um dos meus bordéis. Tiffany me espera no salão principal, como sempre. Está sentada em um sofá de couro vermelho, com um vestido que grita provocação e um sorriso cheio de intenções.

— Demorou, chefinho — diz ela, jogando o cabelo loiro por cima do ombro.

— Estava resolvendo assuntos importantes — respondo, sentando ao seu lado.

Tiffany se inclina, os dedos deslizando pelo meu peito. — Sempre trabalhando. Você precisa relaxar, Gael.

— E é pra isso que você está aqui, não é? — sorrio de canto, puxando-a para um beijo.

Nossos lábios se encontram, e tudo deveria ser simples. Mas não é. Porque não vejo Tiffany — vejo Summer. Seu rosto me vem à mente. Os olhos assustados. A resistência. A fragilidade.

Meu desejo cresce, mas não é por quem está nos meus braços agora.

Interrompo o beijo bruscamente, afastando Tiffany.

— O que foi? — ela pergunta, entre ofendida e curiosa.

— Nada. Preciso cuidar de algo no escritório.

Ela revira os olhos, mas não insiste.

No escritório, acendo um charuto e me jogo na cadeira de couro. Estou impaciente. Tudo me irrita. Meus olhos percorrem os relatórios, mas não consigo me concentrar. Então, um dos meus homens entra, visivelmente nervoso.

— Chefe... temos um problema.

— Fale logo.

— Uma das encomendas... foi desviada.

Fecho a mão com força, o charuto quase se partindo entre meus dedos. Me levanto devagar. A raiva lateja sob minha pele.

— Quem foi o responsável?

— Ainda estamos investigando, mas...

— Não me venha com desculpas! — urro, atirando o charuto aceso contra a parede. Ele estoura em brasas no chão. — Alguém vai pagar por isso!

Meu olhar é lâmina. O homem recua, pálido, e sai do escritório antes que eu o mate ali mesmo.

Não tolero erros. Quem mexe com os meus negócios cava a própria cova.

Chego em casa ainda fervendo. A tensão me consome por dentro, como fogo ácido. A velha que cuida da casa me espera no corredor, os olhos baixos.

— A garota... Summer... ela se recusou a comer, senhor.

— O quê? — minha voz sai grave, mais gutural do que humana.

— Disse que não queria. Não tocou em nada — ela responde, quase sussurrando.

Sinto algo estalar dentro de mim. A última gota. Subo as escadas como uma tempestade. Cada passo parece ecoar a fúria contida. Abro a porta do quarto com violência. A madeira range, quase cede.

Summer está sentada no chão, encostada na cama. Os olhos vermelhos. Me encara, mas não diz nada.

— Que tipo de joguinho acha que está fazendo? — rosno, cruzando o quarto em direção a ela.

— Não estou com fome — murmura, a voz quase inaudível.

— Não está com fome?! — grito, as palavras impregnadas de sarcasmo e fúria. — Isso aqui não é um hotel, Summer. É uma ordem. Você me obedece. Sempre!

Ela tenta se levantar. Eu a empurro de volta com facilidade. O olhar dela é um misto de medo e desafio. Ainda tenta resistir. Ainda não entendeu.

— Não me toque! — diz, a voz trêmula, mas firme.

— Você ainda não entendeu, não é? Eu sou o dono da sua realidade agora. Vai fazer o que eu mando. Nem que seja à força.

Ela abaixa a cabeça, em silêncio.

— Quando eu mandar comer, você come. Está claro?

Ela faz que sim, devagar, sem me encarar.

— Ótimo — digo, virando para sair. Mas antes de fechar a porta, olho para trás. — E quando eu falar com você, me responde.

— Tudo bem, senhor — responde, com a voz trêmula, quase um sussurro.

Fecho a porta com força. O som ecoa no corredor vazio.

A raiva não passa. Ela queima, me consome. Algo nela me tira do controle — e isso me enfurece ainda mais. Caminho até a parede do corredor e, sem pensar, acerto um soco com toda a força. O estalo dos ossos contra o concreto reverbera no meu crânio.

A dor não alivia. Só alimenta.

Fico ali, ofegante, encarando o sangue escorrendo dos meus nós dos dedos.

Esse jogo está indo longe demais. E, no fim, alguém vai sair destruído. Mesmo que seja eu.

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