4. Mia Béla

~ Summer ~

O silêncio no celeiro é opressor, cortado apenas pelo som dos meus soluços abafados. Minhas mãos estão vermelhas de tanto esmurrar a porta, mas ela não cede. Minhas forças se esvaem, e eu desabo no chão de terra batida, sentindo a humilhação me consumir. O cheiro de feno úmido e madeira velha enche minhas narinas. Cada minuto é um lembrete cruel da prisão em que minha vida se tornou.

Quanto tempo passou? Minutos? Horas? Não sei. A noção de tempo se perdeu entre o medo e o desespero. Meu coração acelera ao ouvir passos se aproximando do lado de fora. A tranca gira com um estalo. A porta range.

Um dos capangas do "demônio" entra no celeiro — um homem alto, de olhar vazio, tão ameaçador quanto a escuridão que me engole.

— Não se aproxime! — grito, recuando instintivamente até minhas costas tocarem a parede.

— Anda logo, garota. O senhor Hades mandou te buscar.

— Aonde vamos? Me solte! — minha voz é desesperada, mas ele permanece inabalável.

Com frieza, ele me amarra as mãos e coloca uma venda sobre meus olhos. Tento lutar, mas meus esforços são inúteis. Sou arrastada até um carro. O motor ronca, abafando minha respiração entrecortada.

A viagem é longa. Ou talvez não seja — o medo distorce tudo. Quando a venda é finalmente retirada, dou de cara com uma mansão imponente, cercada por árvores altas como guardiãs silenciosas. A fachada é bela... mas há algo de mórbido no ar, como se a própria casa tivesse olhos.

E então o vejo. Hades.

Parado sob o arco da entrada, de braços cruzados, me observa como quem estuda sua próxima refeição. Alto, frio, impassível. Como se não tivesse tirado uma vida horas atrás. Como se tudo isso fosse... rotina.

— Hades — murmuro, tentando manter o tom firme, mas minha voz falha. — Eu quero ir embora.

Ele não responde. Apenas observa. Aqueles olhos são como gelo — não há calor, empatia, nem dúvida neles. Só a certeza de quem detém todo o controle.

— Ei! Alguém me tire daqui! — grito, sem pensar.

Ele se move rápido. Antes que eu possa correr, sua mão tapa minha boca e me puxa contra seu corpo. Sua presença é sufocante. O toque é firme, mas controlado. Ele não precisa levantar a voz para me fazer calar.

— Você me pertence agora. — Sua voz é baixa, firme, carregada de autoridade. — Até que eu diga o contrário, é assim que vai ser Summer.

— Como você sabe meu nome? — pergunto, trêmula, tentando manter o controle que já perdi há horas.

Ele não responde. Apenas me puxa pelo braço, me arrastando por um corredor amplo. Piso em tapetes macios, tropeço em móveis caros, mas nada disso importa. Meus protestos são ignorados. Sou empurrada para dentro de um quarto espaçoso, decorado com luxo e frieza. A porta se fecha atrás de nós com força, selando meu destino.

— Ajoelhe. — Ele ordena.

— O quê...? — murmuro, confusa, engolindo em seco.

— Você acha que pode me questionar? — Sua voz é calma, mas cada palavra corta mais que qualquer ameaça física. — Aqui, quem decide sou eu.

— Eu... eu só — minha voz falha, trêmula, mas ele não quer ouvir.

— Cala a boca, Mia Béla, ainda estou falando. — Sua mão segura meu queixo com brutalidade, me forçando a encará-lo. — Você se ajoelha com lágrimas falsas, reza para um Deus que não vai vir.

Sinto o coração acelerar, mas tento manter a postura. Cada ato dele, cada palavra, é como uma lição silenciosa: resistência é inútil, mas ainda assim impossível de apagar.

— Você gritou por Ele no celeiro, orou enquanto meus homens te vendavam e aonde está seu Deus agora? — Ele ri, seco, cruel. — Pois me escuta bem: eu sou o único deus que vai ouvir suas orações.

Minhas pernas tremem, mas me recuso a chorar. Não diante dele.

— Ainda se acha pura, não é? A intocável garota de fé, pois agora vai aprender o que é punição.

Com um gesto rápido, ele agarra meu braço e me arrasta até o centro do quarto. Tento resistir, me debater, mas é como lutar contra uma parede.

— Me solta! Você é um monstro! — grito, sem conseguir controlar o pânico.

— Sou, sim. Mostro, demônio, assassino. — Ele me j**a sobre uma cadeira de ferro fixada ao chão. — E você é minha prisioneira, minha maldita distração.

Ele prende meus pulsos com tiras de couro firmes, uma a uma, e então faz o mesmo com meus tornozelos. Me sinto vulnerável, imóvel, exposta.

— Sabe o que me irrita mais em você, Summer? — ele pergunta, andando em círculos ao meu redor. — Não é sua língua afiada, nem sua teimosia. É essa luz, essa fé e esse olhar de quem ainda acredita que vai escapar.

Parando atrás de mim, ele se inclina e sussurra no meu ouvido:

— Vou quebrar isso e quando eu terminar você vai implorar para que eu nunca vá embora.

A cadeira balança levemente com seu peso apoiado. Sinto o toque gelado de metal deslizar pela pele do meu braço — uma pequena lâmina? Gelo percorre minha espinha.

— Por que está fazendo isso comigo? — sussurro, a voz quase inaudível.

— Porque você ousou me desobedecer. — Ele faz um pequeno corte em meu braço, superficial, mas o suficiente para que eu arfe de dor. — Toda vez que olhar pra isso, vai lembrar: a sua dor, a sua vida, a sua alma pertencem a mim.

Minha respiração está descompassada. O sangue escorre devagar, quente, e ainda assim, não é o que mais me assusta. É o modo como ele me observa depois, como se não houvesse culpa e só posse.

Ele limpa a lâmina com um lenço branco, cuidadosamente, como quem preserva uma relíquia.

— Reze, Summer quantas vezes quiser. — Ele se aproxima mais uma vez, os dedos roçando o sangue fresco no meu braço. — Mas no fim, será o meu nome que você vai gritar.

Então ele me deixa ali amarrada e ferida, mas ainda estou com a alma inteira, por pouco.

A porta se fecha com o mesmo estalo seco. E sozinha, outra vez, olho para o teto e, com os olhos marejados, murmuro:

— Pai nosso que estais no céu... —

Minha voz falha, porque pela primeira vez na vida, sinto que Deus... talvez tenha me abandonado. Preciso acreditar que a luz pode vencer, mesmo aqui, diante do inferno.

Acordo e não estou mais na cadeira, estou deitada sob a cama, reparo que quarto onde estou é grande, mas frio, sem vida. As paredes brancas parecem me sufocar, e o silêncio é tão denso que quase ouço meus próprios pensamentos berrando.

Ouço a porta se abrir e meu corpo enrijece. Uma senhora entra com uma bandeja de comida. Ela tem o rosto marcado pelo tempo e uma expressão neutra, mas seus olhos evitam os meus.

— Trouxe seu almoço — diz, colocando a bandeja na mesa ao lado da cama.

— Não quero — murmuro, olhando para a janela, onde a luz do sol entra tímida pelas cortinas pesadas.

— É melhor comer, menina, o patrão não gosta de ser contrariado.

A menção a ele faz meu estômago revirar. Aperto as mãos no colo, tentando segurar as lágrimas. Não digo mais nada, e a senhora suspira antes de sair, deixando-me sozinha com meu vazio.

Me sinto perdida. E não faço ideia de como sair disso.

♡♡♡♡♡

~ Hades (Gael) ~

Ela não é como as outras. Deveria estar em completo desespero, mas há algo em seu olhar que chama minha atenção. Não é desafio, mas uma centelha de resistência.

Depois de um banho rápido, coloco um terno preto impecável e vou para um dos meus bordéis. Tiffany me espera no salão principal, como sempre. Ela está sentada em um sofá de couro vermelho, com um vestido que grita provocação e um sorriso cheio de intenções.

— Demorou, chefinho — diz ela, jogando o cabelo loiro por cima do ombro.

— Estava resolvendo assuntos importantes — respondo, sentando ao seu lado.

Tiffany se inclina para mim, passando os dedos pelo meu peito. — Sempre trabalhando. Você precisa relaxar, Gael.

— E é pra isso que você está aqui, não é? — sorrio de canto, puxando-a para um beijo.

Nossos lábios se encontram, e, por um momento, tudo deveria ser simples. Mas não é. Porque não vejo Tiffany; vejo Summer. Seu rosto me vem à mente, aqueles olhos assustados, a resistência inútil. Meu desejo cresce, mas não é por quem está nos meus braços agora.

Interrompo o beijo, afastando Tiffany.

— O que foi? — ela pergunta, com um tom entre ofendida e curiosa.

— Nada. Apenas preciso cuidar de algo no escritório.

Ela revira os olhos, mas não insiste.

No escritório do bordel, acendo um charuto e me sento na cadeira de couro enquanto reviso os relatórios. Meu humor piora quando um dos meus homens entra, nervoso.

— Chefe, temos um problema.

— Fale logo.

— Uma das encomendas... foi desviada.

Fecho a mão em punho, sentindo a raiva pulsar. Levanto-me lentamente, minha voz fria como gelo.

— Quem foi o responsável?

— Ainda estamos investigando, mas...

— Não me venha com desculpas! — grito, jogando o charuto contra a parede. — Alguém vai pagar por isso.

Meu olhar fulmina o homem. Ele engole em seco e sai do escritório apressado, deixando-me sozinho com minha fúria. Não tolero erro, quem quer que tenha mexido nos meus negócios vai desejar nunca ter nascido.

Chego em casa ainda fervendo de raiva. O incidente com a encomenda foi um erro que não vou perdoar, mas, no momento, outra coisa exige minha atenção. A velha que arruma minha casa e cuida de Summer me diz que a garota se recusa a comer.

— O quê? — pergunto, a voz grave, sentindo a irritação crescer ainda mais.

— Ela disse que não está com fome, senhor. Não tocou em nada — responde a senhora, nervosa, olhando para o chão.

Sem dizer mais nada, subo as escadas com passos firmes. A raiva transborda em mim, como se o controle que tanto prezo estivesse começando a escapar pelos meus dedos. Chego à porta do quarto e a abro com força, quase arrancando-a das dobradiças.

Summer está sentada no chão, encostada na cama, os olhos vermelhos de chorar. Ela levanta a cabeça ao ouvir o estrondo da porta e me encara, mas não diz nada.

— Que tipo de joguinho acha que está fazendo? — disparo, cruzando o quarto em direção a ela.

— Eu... não estou com fome — murmura, a voz trêmula.

— Não está com fome? — grito, o sarcasmo escorrendo pelas minhas palavras. — Não é uma questão de fome, Summer e sim de obediência e você está me desafiando.

Ela tenta se levantar, mas eu a empurro de volta para o chão com facilidade.

— Não me toque! — protesta, o medo misturado com a coragem de alguém que não sabe onde está pisando.

— Você ainda não entendeu — digo, fixando meus olhos nos dela. — Aqui, eu comando, e você cumpre. Vou te mostrar isso, de um jeito ou de outro.

— Talvez eu não queira seguir suas regras — murmura, a voz quase um sussurro, mas firme o suficiente para me fazer perceber que com ela não será nada fácil.

Um sorriso mínimo escapa dos meus lábios. — Ótimo. — Dou alguns passos para trás, sem desviar o olhar.

— Continue assim me afrontando, mas lembre-se que cada decisão carrega um peso e cada escolha uma consequência.

Saio do quarto, fechando a porta suavemente atrás de mim. O silêncio que sobra não é opressor; é carregado de tensão, cheio de possibilidades. Summer não está derrotada e essa resistência silenciosa, essa chama persistente, é mais desafiadora do que qualquer confronto físico que eu já enfrentei.

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