Jace não esperou outra palavra. Tocou levemente meu ombro e me guiou para fora da sala de reuniões. O ar frio da floresta nos envolveu assim que cruzamos a porta de vidro. A noite estava silenciosa, mas o peso da conversa ainda pulsava entre nós.
Caminhamos lado a lado até o deque de madeira que se estendia sobre o penhasco. Lá de cima, dava para ver a floresta escura se estendendo até onde a vista alcançava, e o som distante de um rio cortava o silêncio como um sussurro antigo.
"Não importa o que eles digam lá dentro," Nyx murmurou, "só se lembre: Você é feita para liderar, sim... mas nos seus próprios termos.”
Jace se recostou na grade e me olhou.
— Você está bem?
— Não — respondi, finalmente deixando o controle escorregar da minha voz. — Eu tô cansada de sentir que sou uma peça num tabuleiro, Jace. Como se tudo já estivesse escrito, como se eu fosse só... uma ferramenta.
Ele me olhou com calma, sem pressa de responder. Como só ele sabia fazer.
— Você é mais do que isso, Amber. Sempre foi. Mas... essa decisão? Vai mudar tudo.
Eu encarei a escuridão à frente, sentindo o vento frio no rosto. Lá embaixo, em algum ponto da floresta, a matilha RedBloom se preparava para a mesma guerra silenciosa. Cassandra RedBloom estava pronta para assumir o trono... com um parceiro escolhido a dedo. E agora, eu teria que fazer o mesmo?
"Isso não é justo com você," a voz de Nyx veio suave, mas carregada de força. "Eles te veem como peça, mas eu vejo a guerreira. A fêmea que carrega poder suficiente para mudar tudo inclusive as regras.”
Fechei os olhos por um instante, deixando as palavras dela se assentarem em mim como um manto protetor.
O vento frio soprava do Norte, fazendo as folhas dos pinheiros sussurrarem ao longe. Lá de baixo, a floresta parecia respirar com a noite. A lua, quase cheia, pendia no céu como uma promessa antiga — e um lembrete do que éramos.
Jace se afastou um pouco da grade, os olhos azuis fixos em mim.
— Quer correr um pouco? — perguntou com um meio sorriso. — Só nós dois. Como nos velhos tempos.
Assenti em silêncio. Era tudo o que eu precisava. Liberdade. Ar. Instinto. Longe da pressão dos olhares, dos títulos, das decisões.
"Vai, Amber." Nyx sussurrou, ansiosa sob minha pele. "Vamos sentir o vento, lembrar quem somos. Somos matilha..., mas também somos selvagens.”
A grama sob meus pés parecia vibrar com a energia da transformação que se aproximava. Respirei fundo, fechei os olhos... e deixei acontecer.
O calor começou no centro do peito, se espalhando pelos membros como um fogo líquido. Meus ossos estalaram em silêncio, se reorganizando, se alongando. A pele se retraiu, dando lugar ao pelo escuro como a noite. Senti meu corpo baixar até as quatro patas, os músculos se moldando, os sentidos se ampliando. Cada som, cada cheiro, cada detalhe da floresta era agora parte de mim.
Quando abri os olhos novamente, não era mais Amber, a filha do alfa.
Era Nyx, a loba negra. Ágil, silenciosa, feroz.
Ao meu lado, Jace também se transformava. Seu corpo cresceu, se alongou com elegância e precisão. O pelo branco cobriu suas costas como neve recém caída, com alguns fios creme em volta do pescoço e patas, como se o sol tivesse tocado sua pelagem só um pouco. Seus olhos, ainda os mesmos, brilhavam com familiaridade e proteção.
Ele se aproximou de mim, a cauda baixa num gesto de calma e confiança. Toquei meu focinho no dele. Era nosso gesto antigo. Aquele que só nós dois usávamos.
“Você precisava disso”, a voz dele surgiu na minha mente, suave, acolhedora. “A floresta. O silêncio. O instinto. Longe de tudo.”
“Eu me sinto viva quando estou assim”, respondi. “Como se pudesse ser qualquer coisa... menos uma peça naquele maldito jogo.”
Corremos.
Descemos o deque e atravessamos o terreno aberto até a borda da floresta. As patas afundavam suavemente na terra úmida, e cada galho que se partia, cada cheiro no ar, era uma nota na sinfonia da natureza ao nosso redor.
Jace corria ao meu lado, os músculos se movendo com precisão sob a pelagem clara. Eu era uma sombra ao seu lado — rápida, silenciosa, com os olhos brilhando no escuro.
Saltamos sobre troncos, contornamos pedras, e nos deixamos guiar pelo instinto. Não havia caminhos certos. Não havia paredes. Apenas nós.
“Você acha que meu pai está certo?” perguntei, diminuindo o ritmo.
“Acho que ele acredita que está”, respondeu Jace. “Mas acreditar que está certo não significa que ele está vendo você.”
Parei perto de uma clareira onde a lua batia forte. A luz prateada refletia no meu pelo escuro, como se eu mesma fosse feita de sombras. Jace parou ao meu lado.
“Eu não quero Martin”, confessei. “Não por ele. Não assim.”
“Eu sei.”
Ele se deitou ao meu lado, e eu o imitei. Por um momento, apenas respiramos juntos, sentindo o cheiro da terra, ouvindo os sons da floresta e das batidas dos nossos próprios corações.
“Seja o que for que você escolher, Amber... eu vou estar com você”, disse Jace. “Mesmo que o mundo inteiro vire contra você.”
“Infelizmente, temos que voltar”, disse Jace, erguendo o focinho em direção à mansão.
“Agora?” resmunguei, girando as orelhas para trás, contrariada. “A gente mal respirou…”
Ele soltou um sopro leve, algo entre um suspiro e uma risada abafada.
“Se você quiser, a gente corre mais dez minutos…, mas depois seu pai vai colocar o mundo abaixo.”
Revirei os olhos — ou ao menos, fiz o equivalente canino disso — e me levantei. Eu sabia que ele estava certo. A paz tinha prazo. E já havia acabado.Corríamos lado a lado quando Jace parou abruptamente, o corpo tenso, orelhas erguidas.“Você ouviu isso?” ele perguntou por pensamento.“Ouvi... caiu na água. Perto da cachoeira.”A tensão tomou conta de mim imediatamente. A cachoeira era a fronteira natural entre os nossos territórios — o último limite da matilha Black. Cruzá-la era mais do que imprudente: era violação. A paz frágil entre as alcateias dependia de cada centímetro respeitado."Alerta, Amber." A voz de Nyx soou dentro de mim, firme, mas serena. "Isso pode ser só uma distração... ou o começo de algo maior."“Vamos ver o que é”, disse ele. “Mas com cuidado.”Nos aproximamos silenciosamente, as patas afundando suavemente na vegetação molhada, até os primeiros respingos da queda d’água atingirem nossos pelos. Ali, protegidos entre as árvores, nos olhamos.“Vamos mudar”, sussur
Mas ele apenas sorriu de canto, como se soubesse de algo que eu não sabia.E então… virou-se e desapareceu entre as árvores, sumindo pela floresta como se nunca tivesse estado ali.Foi como se alguém tivesse arrancado o chão debaixo das minhas patas. O elo que me puxava com tanta força se rompeu subitamente, e o vazio que ficou foi quase doloroso. Minhas pernas fraquejaram. Dei um passo para trás, arfando alto.Voltei a mim como quem desperta de um sonho intenso demais. O mundo voltou com violência. O cheiro da floresta, o som da água da cachoeira, a presença de Jace logo atrás de mim.Fiquei ali, parada, olhando para o ponto onde ele sumiu, sentindo o eco de algo que não fazia sentido..., mas que me marcaria para sempre.“Quem... quem era ele?” perguntei, mais para mim do que para Jace.Fiquei parada ali por longos segundos, observando o ponto exato onde ele desapareceu entre as árvores. O coração ainda batia como tambores antigos, e meu lobo rosnava baixinho dentro de mim, frustrado
Alfa: É o desígnio do filho primogênito do atual alfa, podendo ser menino ou menina.Conselho Alpha: Grupo dos lobos líderes, que participa de reuniões importantes para melhorar o futuro da matilha.Beta: Braço direito da futura Alfa Ômegas: Membros da família real da matilha, como irmãos do alfa, primos e demais participantes. Gamas: Membros da matilha, podendo ser machos ou fêmeas. Guardiões: Guardas da Matilha e das fronteiras.Vareth: O elo que uni as almas destinadas a ficarem juntas. Lua de Sangue: Acontece apenas quando um novo alfa está pronto para se tornar líder.Monte Lunar: Zona neutra onde é realizada coroações e casamentos de todas matilhas de Lunaris. Acasalamento: Quando dois parceiros finalmente se aceitam de corpo e alma, marcando um ao outro para sempre. Ciclo de Calor: Período intenso que acomete as fêmeas que só passa quando se relacionam com seus parceiros. Caso não ocorra, torna-se insuportável, causando muito sofrimento para ambos. Podem durar até 7 dias.
A reunião do conselho terminou como todas as outras e nem me surpreendia mais. Cassandra mais uma vez se levantou enfurecida e deu as costas deixando todo mundo boquiaberto com sua atitude. Minha prima era valente, destemida, uma alfa perfeita, nasceu destinada a liderar e eu nasci destinado a ser o seu braço direito, para apoiá-la em quaisquer circunstâncias. Observo-a sair do grande salão a passos largos, fúria emanando dos seus poros e no meu íntimo, sinto graça.Cassandra está cansada de saber que o conselho não vai mudar, se enfurecer e sair pisando dura só os faz perceber o quão afetada ela está, por isso pressionam mais para encontrar a leve fissura e fazê-la ceder. O que o conselho não percebeu ainda, é que minha prima nunca está sozinha.Levanto-me gentilmente e antes que eu possa dar as costas, a voz do alfa me faz parar.— Aaron, vá procurar aquela mimada da sua prima e traga-a de volta. — Meu tio, Benjamin, o poderoso alfa da matilha Redbloom ordena. — Precisamos ajustar e
Reviro os olhos para o que diz, ela sempre reage de forma exagerada e eu sempre vou jogá-la no lago quando tiver oportunidade. Ninguém manda ela ser tão desatenta. Para não ficarmos em uma conversa unilateral, ergo-me mudando de forma, mas no segundo em que meus olhos se encontram com o seu, não me contenho mais e explodo em uma risada capaz de derrubar as árvores dos arredores de tão alta. Começo a soluçar de tanto rir e preciso me dobrar, apoiando-me nos joelhos para recuperar o fôlego e conseguir falar.— Tinha que ver, seus olhos se arregalaram quando percebeu que estava no entorno da cachoeira e não ia conseguir fugir. — Digo e minha voz sai estrangulada devido a risada alta que soltei segundos atrás. — Você é tão fácil de distrair Cassie, só precisei passar na sua frente e tomar outro rumo.Seu semblante muda e nos próximos minutos, entramos em uma conversa séria da qual queria evitar por mais alguns instantes, não queria que clima ameno e tranquilo no qual estávamos mudasse, m
Cassandra está desesperada atrás de respostas, o dia já está prestes a amanhecer e nós dois estamos perdidos por entre os livros. Minha prima está decidida a descobrir qual a ligação com aqueles dois antes mesmo do dia amanhecer, ela está convicta que houve bruxaria naquele momento. Já eu, acho que foi algo muito diferente disso, embora não consiga associar exatamente o que é.Ouço um engasgo e preocupo-me, me aproximando rapidamente da minha prima que empalideceu e encara as páginas de um livro antigo em suas mãos como se fosse seu pior inimigo.— O que? — Pergunto baixinho, ela ergue a cabeça e me encara, em seus olhos é visível o pânico que ela sente e aos poucos, vou me sentindo cada vez mais envolvido naquela nevoa sombria. — O que você descobriu?— Aqui diz detalhadamente tudo, Aaron, não deixa rastro para dúvidas, muito menos pontas soltas..., mas eu não aceito!— Não aceita o que?— Leia, atentamente o que está escrito aqui. — Diz com a voz falhando e me entrega o livro pesado
— Isso só pode ser um engano Cassie. — Seu rosnado atravessa a biblioteca e chega a mim, encolho-me brevemente, respiro fundo e encaro a loba, Lyra está totalmente no controle agora e lidar com ela é como lidar com fogo, sua postura está toda altiva e tomba a cabeça para o lado, me lançando um olhar mortal. Que grande merda. — Você se enganou, Lyra, assim como Osiris... Não é possível que vocês acreditem mesmo que encontrou seus parceiros, logo na matilha Black, é inaceitável.Seu peito ruge em pura fúria, fazendo-me estremecer.— Vocês, humanos, complicam tudo. Devia ser fácil, ser lindo, ser único. Meu parceiro estava lá, do outro lado do rio, lindo como os flocos de neve e não me deixaram chegar perto dele!! — A voz que surge sai uma mistura estranha de rosnado e delicadeza. — Eu o quero!— Lyra isso é impossível.— Não ouse dizer que estou errada, Aaron Redbloom... Se Osiris deixou que mantivesse sua controle, é porque ele tem um plano maior para tudo isso. Mas eu não aceito isso
Com esse pensamento claro na minha mente, levanto-me e vou até o computador central da biblioteca onde tem o sistema que separa os exemplares catalogados por ano, temas e subtemas. Localizo o primeiro de muitos.O tempo passa voando, o dia amanhece e eu sigo procurando uma solução para o meu problema, até que a porta da biblioteca se abre e o cheiro de minha mãe me atinge em cheio. Ela tem cheiro de grama molhada, pinho fresco e flores do campo. Sua presença me acalma instantaneamente e sinto-me um filhote novamente.— Meu filho, quando vai sair dessa biblioteca? O dia amanheceu, você não vai se juntar a expedição de caça hoje? — Sua voz suave e melodiosa vem ao meu encontro. Minha mãe, Calantha, é uma ômega originária da matilha Fire White. Ela e meu pai se conheceram em uma festa de comemoração da aliança entre os Redbloom e os Fire White, e devo admitir que foi corajoso da parte dela abandonar sua vida em meio a geadas, invernos lindos e rigorosos, para vir ficar junto a meu pai, l