Revirei os olhos — ou ao menos, fiz o equivalente canino disso — e me levantei. Eu sabia que ele estava certo. A paz tinha prazo. E já havia acabado.
Corríamos lado a lado quando Jace parou abruptamente, o corpo tenso, orelhas erguidas.
“Você ouviu isso?” ele perguntou por pensamento.
“Ouvi... caiu na água. Perto da cachoeira.”
A tensão tomou conta de mim imediatamente. A cachoeira era a fronteira natural entre os nossos territórios — o último limite da matilha Black. Cruzá-la era mais do que imprudente: era violação. A paz frágil entre as alcateias dependia de cada centímetro respeitado.
"Alerta, Amber." A voz de Nyx soou dentro de mim, firme, mas serena. "Isso pode ser só uma distração... ou o começo de algo maior."
“Vamos ver o que é”, disse ele. “Mas com cuidado.”
Nos aproximamos silenciosamente, as patas afundando suavemente na vegetação molhada, até os primeiros respingos da queda d’água atingirem nossos pelos. Ali, protegidos entre as árvores, nos olhamos.
“Vamos mudar”, sussurrei pelo elo mental.
Jace assentiu.
A transformação foi rápida, mas poderosa. Meus músculos se contorceram, os ossos se ajustando com estalos abafados enquanto o pelo se retraía, dando lugar à pele. Em segundos, minha forma humana estava de volta. As roupas, que se fundiam magicamente à nossa pele durante a mudança, retornaram ao seu lugar como sempre — um dom antigo, passado pelas linhagens puras.
Nos esgueiramos pelas pedras até a borda da mata. A cachoeira jorrava à nossa frente, iluminada pela lua. Do outro lado do lago, no território RedBloom, dois corpos humanos estavam em pé, em plena discussão.
— Aquela ali — disse Jace, os olhos estreitados — é Cassandra RedBloom.
Ela era imponente. Alta, postura altiva, cabelos vermelho-escuros que caíam pelas costas como labaredas. Mas, naquele momento, estava com os braços cruzados e a expressão contida por pura força de vontade. À sua frente, um homem ria.
Era um riso debochado. Provocador.
Ele gesticulava, falando algo que não conseguíamos ouvir daqui, mas era óbvio que zombava dela. Cassandra parecia pronta para explodir — e ele parecia adorar cada segundo.
O homem era forte. De ombros largos, pele dourada e expressão desafiadora. E quando ele riu novamente, jogando a cabeça levemente para trás... eu travei.
Tudo em mim se contraiu, como se um raio silencioso tivesse atravessado meu peito. Um arrepio percorreu minha espinha e se espalhou por cada célula do meu corpo.
"Sente isso?" Nyx sussurrou, quase sem fôlego. "Amber... ele é diferente. Algo nele nos chama.”
Os olhos dele deslizaram pelo lago até se encontrarem com os meus. E naquele instante... o mundo inteiro parou.
Era diferente de tudo que eu já havia sentido. O tempo pareceu desacelerar. Meu coração, por um segundo, esqueceu de bater. E então disparou como se quisesse sair do meu peito.
— Amber? — a voz de Jace soou ao meu lado, tensa. — O que foi?
Eu mal consegui responder.
— Eu... eu não sei. Mas... ele...
Jace seguiu meu olhar e franziu ainda mais o cenho.
— Nunca vi esse cara. Mas ele claramente é RedBloom. E tá zombando dela. Isso não é comum.
“Não é”, pensei, mas minha mente estava longe. Estava nele.
"É como se o universo tivesse prendido a respiração," murmurou Nyx, "e nós estivéssemos no centro desse silêncio.”
Por algum motivo, mesmo sem conhecê-lo, mesmo com tudo que representava... algo dentro de mim reagia a ele como se o reconhecesse.
Meus olhos estavam colados naquele homem como se o resto do mundo tivesse desaparecido. A forma como seu corpo se movia — firme, confiante, tão absurdamente à vontade mesmo diante da tensão — fazia meu coração bater mais forte. Os músculos marcados, a pele molhada que refletia o luar como um convite proibido... tudo nele era feito para ser notado.
Mas foi o cheiro... aquele maldito cheiro... que destruiu qualquer réstia de controle que eu ainda tinha.
— É o cheiro dele... — Sussurrei para mim mesma, ofegante. — É... envolvente. Picante. Sensual. Quente... irresistível. Dominante.
Eu me afoguei naquele aroma como se fosse o próprio ar que eu precisava para viver. E minha loba sentiu. Ela sentiu antes de mim. Despertou com um rugido silencioso, faminto.
"Ele."
"Cheiro dele."
"Corre. Vai."
"Amber, não resiste," rosnou Nyx, "ele é importante. Eu sinto isso no meu instinto.”
Não consegui impedir. A transformação foi rápida, impulsiva. Um segundo e já não era mais a mulher controlada. Era a loba negra, pulsando com desejo, instinto e algo mais primitivo do que qualquer ensinamento da minha matilha. Minhas patas cravaram no solo, o corpo em alerta, os olhos brilhando com uma intensidade selvagem.
Tudo dentro de mim gritava para me aproximar. Para cruzar a maldita divisa se fosse preciso. Porque ele estava ali. E ele era meu.
A loba dentro de mim clamava por ele com uma certeza que eu não compreendia.
"Ele é nosso, Amber." Nyx sussurrou. "Mesmo que o mundo diga o contrário.”
Mas então… algo mudou.
Ele olhou para mim de novo. Os olhos azuis, intensos, fixos nos meus. E por um instante, pensei que ele também sentia. Que havia algo ali. Um reconhecimento.
Mas ele apenas sorriu de canto, como se soubesse de algo que eu não sabia.E então… virou-se e desapareceu entre as árvores, sumindo pela floresta como se nunca tivesse estado ali.Foi como se alguém tivesse arrancado o chão debaixo das minhas patas. O elo que me puxava com tanta força se rompeu subitamente, e o vazio que ficou foi quase doloroso. Minhas pernas fraquejaram. Dei um passo para trás, arfando alto.Voltei a mim como quem desperta de um sonho intenso demais. O mundo voltou com violência. O cheiro da floresta, o som da água da cachoeira, a presença de Jace logo atrás de mim.Fiquei ali, parada, olhando para o ponto onde ele sumiu, sentindo o eco de algo que não fazia sentido..., mas que me marcaria para sempre.“Quem... quem era ele?” perguntei, mais para mim do que para Jace.Fiquei parada ali por longos segundos, observando o ponto exato onde ele desapareceu entre as árvores. O coração ainda batia como tambores antigos, e meu lobo rosnava baixinho dentro de mim, frustrado
Alfa: É o desígnio do filho primogênito do atual alfa, podendo ser menino ou menina.Conselho Alpha: Grupo dos lobos líderes, que participa de reuniões importantes para melhorar o futuro da matilha.Beta: Braço direito da futura Alfa Ômegas: Membros da família real da matilha, como irmãos do alfa, primos e demais participantes. Gamas: Membros da matilha, podendo ser machos ou fêmeas. Guardiões: Guardas da Matilha e das fronteiras.Vareth: O elo que uni as almas destinadas a ficarem juntas. Lua de Sangue: Acontece apenas quando um novo alfa está pronto para se tornar líder.Monte Lunar: Zona neutra onde é realizada coroações e casamentos de todas matilhas de Lunaris. Acasalamento: Quando dois parceiros finalmente se aceitam de corpo e alma, marcando um ao outro para sempre. Ciclo de Calor: Período intenso que acomete as fêmeas que só passa quando se relacionam com seus parceiros. Caso não ocorra, torna-se insuportável, causando muito sofrimento para ambos. Podem durar até 7 dias.
A reunião do conselho terminou como todas as outras e nem me surpreendia mais. Cassandra mais uma vez se levantou enfurecida e deu as costas deixando todo mundo boquiaberto com sua atitude. Minha prima era valente, destemida, uma alfa perfeita, nasceu destinada a liderar e eu nasci destinado a ser o seu braço direito, para apoiá-la em quaisquer circunstâncias. Observo-a sair do grande salão a passos largos, fúria emanando dos seus poros e no meu íntimo, sinto graça.Cassandra está cansada de saber que o conselho não vai mudar, se enfurecer e sair pisando dura só os faz perceber o quão afetada ela está, por isso pressionam mais para encontrar a leve fissura e fazê-la ceder. O que o conselho não percebeu ainda, é que minha prima nunca está sozinha.Levanto-me gentilmente e antes que eu possa dar as costas, a voz do alfa me faz parar.— Aaron, vá procurar aquela mimada da sua prima e traga-a de volta. — Meu tio, Benjamin, o poderoso alfa da matilha Redbloom ordena. — Precisamos ajustar e
Reviro os olhos para o que diz, ela sempre reage de forma exagerada e eu sempre vou jogá-la no lago quando tiver oportunidade. Ninguém manda ela ser tão desatenta. Para não ficarmos em uma conversa unilateral, ergo-me mudando de forma, mas no segundo em que meus olhos se encontram com o seu, não me contenho mais e explodo em uma risada capaz de derrubar as árvores dos arredores de tão alta. Começo a soluçar de tanto rir e preciso me dobrar, apoiando-me nos joelhos para recuperar o fôlego e conseguir falar.— Tinha que ver, seus olhos se arregalaram quando percebeu que estava no entorno da cachoeira e não ia conseguir fugir. — Digo e minha voz sai estrangulada devido a risada alta que soltei segundos atrás. — Você é tão fácil de distrair Cassie, só precisei passar na sua frente e tomar outro rumo.Seu semblante muda e nos próximos minutos, entramos em uma conversa séria da qual queria evitar por mais alguns instantes, não queria que clima ameno e tranquilo no qual estávamos mudasse, m
Cassandra está desesperada atrás de respostas, o dia já está prestes a amanhecer e nós dois estamos perdidos por entre os livros. Minha prima está decidida a descobrir qual a ligação com aqueles dois antes mesmo do dia amanhecer, ela está convicta que houve bruxaria naquele momento. Já eu, acho que foi algo muito diferente disso, embora não consiga associar exatamente o que é.Ouço um engasgo e preocupo-me, me aproximando rapidamente da minha prima que empalideceu e encara as páginas de um livro antigo em suas mãos como se fosse seu pior inimigo.— O que? — Pergunto baixinho, ela ergue a cabeça e me encara, em seus olhos é visível o pânico que ela sente e aos poucos, vou me sentindo cada vez mais envolvido naquela nevoa sombria. — O que você descobriu?— Aqui diz detalhadamente tudo, Aaron, não deixa rastro para dúvidas, muito menos pontas soltas..., mas eu não aceito!— Não aceita o que?— Leia, atentamente o que está escrito aqui. — Diz com a voz falhando e me entrega o livro pesado
— Isso só pode ser um engano Cassie. — Seu rosnado atravessa a biblioteca e chega a mim, encolho-me brevemente, respiro fundo e encaro a loba, Lyra está totalmente no controle agora e lidar com ela é como lidar com fogo, sua postura está toda altiva e tomba a cabeça para o lado, me lançando um olhar mortal. Que grande merda. — Você se enganou, Lyra, assim como Osiris... Não é possível que vocês acreditem mesmo que encontrou seus parceiros, logo na matilha Black, é inaceitável.Seu peito ruge em pura fúria, fazendo-me estremecer.— Vocês, humanos, complicam tudo. Devia ser fácil, ser lindo, ser único. Meu parceiro estava lá, do outro lado do rio, lindo como os flocos de neve e não me deixaram chegar perto dele!! — A voz que surge sai uma mistura estranha de rosnado e delicadeza. — Eu o quero!— Lyra isso é impossível.— Não ouse dizer que estou errada, Aaron Redbloom... Se Osiris deixou que mantivesse sua controle, é porque ele tem um plano maior para tudo isso. Mas eu não aceito isso
Com esse pensamento claro na minha mente, levanto-me e vou até o computador central da biblioteca onde tem o sistema que separa os exemplares catalogados por ano, temas e subtemas. Localizo o primeiro de muitos.O tempo passa voando, o dia amanhece e eu sigo procurando uma solução para o meu problema, até que a porta da biblioteca se abre e o cheiro de minha mãe me atinge em cheio. Ela tem cheiro de grama molhada, pinho fresco e flores do campo. Sua presença me acalma instantaneamente e sinto-me um filhote novamente.— Meu filho, quando vai sair dessa biblioteca? O dia amanheceu, você não vai se juntar a expedição de caça hoje? — Sua voz suave e melodiosa vem ao meu encontro. Minha mãe, Calantha, é uma ômega originária da matilha Fire White. Ela e meu pai se conheceram em uma festa de comemoração da aliança entre os Redbloom e os Fire White, e devo admitir que foi corajoso da parte dela abandonar sua vida em meio a geadas, invernos lindos e rigorosos, para vir ficar junto a meu pai, l
Cassandra RedbloomO conselho da matilha Redbloom se juntou novamente para me pressionar a casar, já que serei a nova líder dentre poucos dias e não posso governar sem um parceiro. Essa regra é tão arcaica. A pessoa que foi escolhida de forma unânime, já havia sido selecionada a alguns dias sem o meu consentimento, todos no conselho, incluindo meus pais, sabiam do meu desejo de me juntar apenas aquele que carrega em si o outro pedaço da minha alma. Minha voz não tem força alguma, quando aqueles que me geraram dizem que esperar o destinado é perda de tempo, que eles não são um do outro e a vida é belíssima dessa forma. Sinto-me completamente muda e o desespero começa a tomar conta do meu corpo, me fazendo ver tudo embaçado pela frente e o único que percebe isso é Aaron — meu primo e melhor amigo. Ele é o único que se atenta a todos os detalhes, que me protege com a vida e o que realmente se preocupa comigo.Levantei-me abruptamente da mesa, chamando a atenção de todos presentes para