Seus olhos absorvem a imagem à sua frente e um sorriso deslumbrante nasce em seus lábios, fazendo com que Lyra, minha loba teimosa que tomou conta de tudo, se erice completamente. Meus olhos não o abandonam um segundo sequer e como se estivesse respondendo ao chamado invisível do meu animal, seu lobo toma a frente. Fico congelada no tempo, observando seus longos pelos brancos aparecerem, seu focinho se arrebitar e seu olhar cravar em mim com mais intensidade. Sentando-se sobre as patas, o grande lobo branco ergue a cabeça e uiva alto, forte e sou tomada pela necessidade de respondê-lo. Nossos uivos ressoam pela margem, o rio está como testemunha de algo que não consigo compreender e preenchida com uma força diferente, consigo recuperar o controle do meu corpo, enlouquecendo Lyra no processo e decidida, começo me movimentar levemente para trás.
O lobo rosna enfurecido quando percebe que estou me afastando cada vez mais do nosso ponto de conexão, dá alguns passos para frente sendo impedido de se aproximar mais pela água e com um último ronronar que me deixa tímida, disparo para longe me embrenhando por entre as árvores e ficando cada vez mais longe daquela cachoeira, daquele cheiro, daquele lobo. Seu uivo irritado e sofrido chega até mim, que corro cada vez mais rápido em direção à minha aldeia.
Estou a poucos metros da entrada da matilha, quando paro de correr e sento-me sobre as patas, minha respiração está ofegante, meu coração parece que vai fugir a qualquer momento e um fio fino tenta me puxar de volta para onde abandonei o lobo.
“Pode me explicar o que acabou de acontecer?”
“Fomos abençoadas pela Deusa, Cassie, aquele era o nosso lobo.”
“Impossível”
“Não, não é... está claro como a luz da lua, nossa ligação foi instantânea, só precisamos fortalecê-la.”
“Não, isso é loucura...”
“Cassandra, você sentiu, você o viu... ele é magnífico... Nosso guerreiro de pelagem branca como a neve, ele tem um brilho único em seus olhos... Ele é nosso”
“Lyra, não aceito isso... isso é algum tipo de magia, deve ser bruxaria dos Black... preciso entender tudo o que está acontecendo.”
Minha loba segue encantada com o que viu na margem do lago e reafirma que é uma ligação única, a qual tanto esperamos.
Olho para o céu e encaro a lua, linda e poderosa, que ilumina tudo ao meu redor e a única coisa que consigo pensar, conforme absorvo seu poder, é que ela brilha na mesma tonalidade que os olhos lupino que não saem da minha mente. Com um último uivo que sai do fundo da minha alma, retomo minha corrida até a matilha.
Preciso repensar essa noite e compreender o que está acontecendo comigo.
Somente quando atravesso os grandes portões de ferro que protegem nosso povo, é que me recordo que abandonei Aaron para trás, travo meus passos e concentro-me nele, mas logo seu cheiro me atinge e ouço suas patas atingirem o solo em algum ponto atrás de mim. Espero que me alcance e quando nos olhares se cruzam, fica nítido que nós dois passamos por uma experiência fora do comum. Fomos praticamente tragados por aqueles dois, que pareciam possuir um poder sobrenatural sobre nossas vidas.
Quem eram? O que queriam?
E o mais importante, por que tinham esse poder sobre nós?
“O que foi aquilo?”, a voz de Aaron surge em minha mente, “Em um minuto estávamos rindo, conversando e no outro, fui puxado pelo olhar daquela loba.”
“Eu não sei”, respondo com sinceridade, “Fiquei tão petrificada no momento quanto você..., mas, Aaron.”
Meu primo arrebita o focinho e me encara, sentando-se sobre as patas aguardando que eu conclua.
“Ele me fez perder o controle... a loba tomou a frente”
Vejo seu peito subir e descer, sua respiração voltando ao normal gradativamente.
“Aconteceu comigo também, era como se... ela me pertencesse”
Arregalo os olhos.
“Mas que porra é essa? Nunca senti nada assim.”, meu primo rosna indignado e eu compartilho do sentimento.
“Também não sei o que significa, mas vamos descobrir... Eles são da matilha Black, isso não pode ser normal.”
“Cassie...”
“Aaron, precisamos mudar e correr até a biblioteca, preciso procurar essas sensações nos livros e procurar entender de alguma forma o que está acontecendo. Nunca houve histórico de lobos com poderes de bruxas, mas, e se nos deparamos com uma nova espécie? Se os Black tiverem com essa nova espécie, isso pode ser prejudicial para todos nós.”
“Cassie, isso é loucura”
“Você consegue me explicar o que acabou de acontecer?”, seu rosnado é a sua resposta e solto um rugido, “vamos, vamos descobrir o que está acontecendo.”
Levanto-me e corro até a porta lateral da casa, onde tem a passagem para nossa forma lupina e sem ser vista, sigo para o meu quarto. Preciso de um banho e de uma noite de estudos.
Olhos azuis reluzentes se transformando em olhos azuis quase brancos, brilhantes e cheios de posse me acompanham por toda a noite.
Ser filha do alfa da Matilha Black é carregar um nome que nunca me pertenceu de verdade. Desde pequena, fui moldada para liderar, representar e proteger. Mas ninguém nunca me perguntou se eu queria isso. Ninguém nunca me perguntou se eu queria... ser ela.Amber Black. Futura alfa. Loba de cento e cinquenta anos presa em um mundo onde cada escolha já foi feita por mim.A sala de reuniões da Casa Black era fria e silenciosa. Paredes de vidro escuro revelavam a floresta densa do lado de fora, enquanto dentro tudo era moderno e impecável: a longa mesa retangular, as cadeiras de couro alinhadas, a tecnologia de última geração. Nenhum símbolo antigo. Nenhum resquício de mitos. Apenas estratégias, ordens e decisões.Estavam todos ali.Meu pai, sentado à cabeceira, com sua postura firme de comandante e o olhar calculista de quem carrega o peso de gerações. Minha mãe, sentada ao lado dele, elegante e silenciosa como sempre. Meu tio Dorian, o braço direito do meu pai e conselheiro da matilha. E
Jace não esperou outra palavra. Tocou levemente meu ombro e me guiou para fora da sala de reuniões. O ar frio da floresta nos envolveu assim que cruzamos a porta de vidro. A noite estava silenciosa, mas o peso da conversa ainda pulsava entre nós.Caminhamos lado a lado até o deque de madeira que se estendia sobre o penhasco. Lá de cima, dava para ver a floresta escura se estendendo até onde a vista alcançava, e o som distante de um rio cortava o silêncio como um sussurro antigo."Não importa o que eles digam lá dentro," Nyx murmurou, "só se lembre: Você é feita para liderar, sim... mas nos seus próprios termos.”Jace se recostou na grade e me olhou.— Você está bem?— Não — respondi, finalmente deixando o controle escorregar da minha voz. — Eu tô cansada de sentir que sou uma peça num tabuleiro, Jace. Como se tudo já estivesse escrito, como se eu fosse só... uma ferramenta.Ele me olhou com calma, sem pressa de responder. Como só ele sabia fazer.— Você é mais do que isso, Amber. Semp
Revirei os olhos — ou ao menos, fiz o equivalente canino disso — e me levantei. Eu sabia que ele estava certo. A paz tinha prazo. E já havia acabado.Corríamos lado a lado quando Jace parou abruptamente, o corpo tenso, orelhas erguidas.“Você ouviu isso?” ele perguntou por pensamento.“Ouvi... caiu na água. Perto da cachoeira.”A tensão tomou conta de mim imediatamente. A cachoeira era a fronteira natural entre os nossos territórios — o último limite da matilha Black. Cruzá-la era mais do que imprudente: era violação. A paz frágil entre as alcateias dependia de cada centímetro respeitado."Alerta, Amber." A voz de Nyx soou dentro de mim, firme, mas serena. "Isso pode ser só uma distração... ou o começo de algo maior."“Vamos ver o que é”, disse ele. “Mas com cuidado.”Nos aproximamos silenciosamente, as patas afundando suavemente na vegetação molhada, até os primeiros respingos da queda d’água atingirem nossos pelos. Ali, protegidos entre as árvores, nos olhamos.“Vamos mudar”, sussur
Mas ele apenas sorriu de canto, como se soubesse de algo que eu não sabia.E então… virou-se e desapareceu entre as árvores, sumindo pela floresta como se nunca tivesse estado ali.Foi como se alguém tivesse arrancado o chão debaixo das minhas patas. O elo que me puxava com tanta força se rompeu subitamente, e o vazio que ficou foi quase doloroso. Minhas pernas fraquejaram. Dei um passo para trás, arfando alto.Voltei a mim como quem desperta de um sonho intenso demais. O mundo voltou com violência. O cheiro da floresta, o som da água da cachoeira, a presença de Jace logo atrás de mim.Fiquei ali, parada, olhando para o ponto onde ele sumiu, sentindo o eco de algo que não fazia sentido..., mas que me marcaria para sempre.“Quem... quem era ele?” perguntei, mais para mim do que para Jace.Fiquei parada ali por longos segundos, observando o ponto exato onde ele desapareceu entre as árvores. O coração ainda batia como tambores antigos, e meu lobo rosnava baixinho dentro de mim, frustrado
Alfa: É o desígnio do filho primogênito do atual alfa, podendo ser menino ou menina.Conselho Alpha: Grupo dos lobos líderes, que participa de reuniões importantes para melhorar o futuro da matilha.Beta: Braço direito da futura Alfa Ômegas: Membros da família real da matilha, como irmãos do alfa, primos e demais participantes. Gamas: Membros da matilha, podendo ser machos ou fêmeas. Guardiões: Guardas da Matilha e das fronteiras.Vareth: O elo que uni as almas destinadas a ficarem juntas. Lua de Sangue: Acontece apenas quando um novo alfa está pronto para se tornar líder.Monte Lunar: Zona neutra onde é realizada coroações e casamentos de todas matilhas de Lunaris. Acasalamento: Quando dois parceiros finalmente se aceitam de corpo e alma, marcando um ao outro para sempre. Ciclo de Calor: Período intenso que acomete as fêmeas que só passa quando se relacionam com seus parceiros. Caso não ocorra, torna-se insuportável, causando muito sofrimento para ambos. Podem durar até 7 dias.
A reunião do conselho terminou como todas as outras e nem me surpreendia mais. Cassandra mais uma vez se levantou enfurecida e deu as costas deixando todo mundo boquiaberto com sua atitude. Minha prima era valente, destemida, uma alfa perfeita, nasceu destinada a liderar e eu nasci destinado a ser o seu braço direito, para apoiá-la em quaisquer circunstâncias. Observo-a sair do grande salão a passos largos, fúria emanando dos seus poros e no meu íntimo, sinto graça.Cassandra está cansada de saber que o conselho não vai mudar, se enfurecer e sair pisando dura só os faz perceber o quão afetada ela está, por isso pressionam mais para encontrar a leve fissura e fazê-la ceder. O que o conselho não percebeu ainda, é que minha prima nunca está sozinha.Levanto-me gentilmente e antes que eu possa dar as costas, a voz do alfa me faz parar.— Aaron, vá procurar aquela mimada da sua prima e traga-a de volta. — Meu tio, Benjamin, o poderoso alfa da matilha Redbloom ordena. — Precisamos ajustar e
Reviro os olhos para o que diz, ela sempre reage de forma exagerada e eu sempre vou jogá-la no lago quando tiver oportunidade. Ninguém manda ela ser tão desatenta. Para não ficarmos em uma conversa unilateral, ergo-me mudando de forma, mas no segundo em que meus olhos se encontram com o seu, não me contenho mais e explodo em uma risada capaz de derrubar as árvores dos arredores de tão alta. Começo a soluçar de tanto rir e preciso me dobrar, apoiando-me nos joelhos para recuperar o fôlego e conseguir falar.— Tinha que ver, seus olhos se arregalaram quando percebeu que estava no entorno da cachoeira e não ia conseguir fugir. — Digo e minha voz sai estrangulada devido a risada alta que soltei segundos atrás. — Você é tão fácil de distrair Cassie, só precisei passar na sua frente e tomar outro rumo.Seu semblante muda e nos próximos minutos, entramos em uma conversa séria da qual queria evitar por mais alguns instantes, não queria que clima ameno e tranquilo no qual estávamos mudasse, m
Cassandra está desesperada atrás de respostas, o dia já está prestes a amanhecer e nós dois estamos perdidos por entre os livros. Minha prima está decidida a descobrir qual a ligação com aqueles dois antes mesmo do dia amanhecer, ela está convicta que houve bruxaria naquele momento. Já eu, acho que foi algo muito diferente disso, embora não consiga associar exatamente o que é.Ouço um engasgo e preocupo-me, me aproximando rapidamente da minha prima que empalideceu e encara as páginas de um livro antigo em suas mãos como se fosse seu pior inimigo.— O que? — Pergunto baixinho, ela ergue a cabeça e me encara, em seus olhos é visível o pânico que ela sente e aos poucos, vou me sentindo cada vez mais envolvido naquela nevoa sombria. — O que você descobriu?— Aqui diz detalhadamente tudo, Aaron, não deixa rastro para dúvidas, muito menos pontas soltas..., mas eu não aceito!— Não aceita o que?— Leia, atentamente o que está escrito aqui. — Diz com a voz falhando e me entrega o livro pesado