Capítulo 2

Como cozinhei os rapazes não me deixaram ajudar com a louça, subi para o meu quarto e fui fazer a lição de casa. Ao jogar meu material na cama encontrei a caixinha dada pela cigana, sentei na cama e a analisei mais uma vez, algo dentro de mim dizia para me livrar dela e um outro lado para abri-la. Por uns instantes me imaginei como Pandora. A mulher mitológica trouxe o caos para o mundo abrindo uma caixa o que será que eu traria abrindo essa?

Tolice, não é? Uma caixinha como aquela não poderia trazer o caos. Por um momento pareceu que os símbolos na madeira se moveu. Aquilo me chamou a atenção e em um impulso abrir o fecho de metal tirando a tampa. Ao olhar para dentro encontrei um papel amarelado e um colar.

O colar era simples, de couro, com um pingente que acho que é prata em forma de ankh o símbolo egípcio da morte. Sabia disso porque amo mitologia. O bilhete dizia:

"Eu Ellen, aceito a incumbência de encaminhar as almas pela porta entre mundos. Proteger os vivos dos não vivos e não permite que o mau leve as almas boas para o caminho incorreto".

Assim que terminei de ler o bilhete em voz alta, um vento frio agitou meu cabelo. Olhei para a janela e depois para a porta e abas estavam fechadas, não tinha explicação para aquele momentâneo vento, aquilo me arrepiou todos os cabelos, o colar na minha mão começou a esquentar, tanto que tive que o largá-lo. Pensa em uma coisa estranha. Olhei para o objeto prateado no chão se tornando vermelho e depois voltando a sua cor inicial.

Usando um lápis, coloquei o colar de volta a caixinha junto com o bilhete e devolvi de volta a bolsa. Prometo para mim mesma que iria depois do colégio achar aquela cigana doída e devolver aquele negócio estranho.

Sentei na mesinha do computador e fui fazer minha lição. A mesinha ficava de frente para a janela. No vidro uma borboleta preta estava pousada. Lembrei da teoria do caos quando ela bateu as asas e depois do mito que elas eram presságio de mau agouro. Me estiquei e bati no vidro para ela saísse. Pelo sim ou pelo não, não queria correr nenhum risco, já bastava o ano infernal que tive.

***

— Gab.  — Sorri ao abrir a porta do carro e ver um visitante inusitado no banco. — Você tem um novo passageiro.

Meu irmão veio vê o que eu estava falando. Cara de espanto quando viu o gato preto de olhos amarelados foi hilária, ele levantou a cabeça e olhou para todos os lados e depois voltou-se para dentro do automóvel. — Mas que inferno. Como esse bicho entrou aqui?

— Não sei, mas ele é tão fofinho. — Abaixei e fiz carinho atrás das orelhas do animalzinho que ronronou feliz. — Podemos ficar com ele? — Perguntei animada, os gatos eram ótimos animais de estimação e ao contrário que o mito popular dizia, eles traziam proteção.

— Você nem sabe se ele tem dono. — Gab me olhou consternado para mim brincando com o gatinho. — Nem se tem doenças...

— Para. — Peguei o gatinho no colo e vi meu pai saindo apressado cheio de pastas. — Papai deixa eu ficar com o gatinho se ele não tiver dono? — Fiz a melhor carinha de pidona.

— Gatinho? — Ele olhou para a gente sem entender nada, depois de analisar a mim e o gato balançou a cabeça afirmativamente. — Claro. Só que você é responsável por ele.

— Pai... — Gab começou e dei uma cotovelada em sua barriga.

— Se fecha mala velha. — Mostrei a língua para ele. Queria pular de felicidade, sempre quis ter um gatinho de estimação.

Corri para dentro de casa e levei o gato para o meu quarto, antes passei na cozinha e peguei um pouco de leite e coloquei em uma vasilha. — Hoje eu não tenho aula à tarde então na hora do almoço eu venho para te vê e podemos ir em uma pet shop aqui perto de casa para comprar umas coisinhas. — Lá fora o chato do Gabi estava buzinando, meu Deus, porque ele implicava tanto, não estávamos atrasados. — Tchau. — Dei um beijinho nele e sai.

***

A parte da manhã transcorreu tranquilamente. Liam não estava nas primeiras, fiquei imaginando o porquê, sei que isso não tem nada a ver comigo, mas fiquei curiosa. Na hora do intervalo que as coisas ficaram estranhas. Fui até o banheiro para dar uma lavada no rosto, estava fazendo um calor anormal naquele dia. Tinha uma menina parada olhando para o espelho fixamente, nunca iria entender essa fixação por beleza que algumas tinha.

Peguei uma mecha do meu cabelo castanho escuro e olhei me lembrando que tinha que dar pelo menos um corte nele, estava quase chegando na minha cintura, nunca ficou tão grande. Puxei o mesmo tipo de cabelo da minha mãe, nem liso, nem cacheado, com pouco volume e adorava deixar ele preso em um rabo de cavalo. Me dava mais liberdade.

— Bom dia. — Cumprimentei a menina e fui usar um dos sanitários já aproveitando a viagem. Quando abrir a porta ela estava parada silenciosa em minha frente não me deixando passar. — Você me dar licença?

— Você pode me ver? — Ela perguntou.

— Claro. — Evitei ao máximo revirar os olhos, que tipo de pergunta estúpida era aquela?

— Tem certeza? — Será que a menina estava tomando algum tipo de droga psicodélica que a fazia achar que era invisível?

— Eu tenho certeza, agora pode sair da minha frente, já, já a aula vai começar. — Estava começando a ficar irritada. A menina deu um passo para o lado, caminhei até a torneira e uma borboleta preta estava pousada nela. — Dá onde será que vem essas borboletas?

— Não acredito que você pode me ver. — Menina insistente. Olhei para o espelho e só me vi nele. Olhei para traz e a menina estava lá, bem colada a mim. Sentir um calafrio na minha espinha. Fiquei olhando entre espelho e a menina, várias vezes.

— El! — Lia entrou no banhei e me chamou. — Já terminou?

— Você precisa me ajudar. — A menina disse.

— O que eu posso fazer por você. — Mesmo com medo perguntei.

— Parar de enrolar e vamos logo. — Lia respondeu.

— Ela não me ver também. — A menina apontou para lia e foi até ela passando a mão várias vezes em frente ao rosto da minha amiga.

O sinal para aula tocou e Lia entrou no banheiro e me puxou para fora. Estava em choque, se aquilo que ela estava falando fosse verdade, eu acabo de ver um fantasma. — Lia, você viu a menina no banheiro?

— Não. — Lia me olhou confusa. — Do que você está falando? — Ela parou e me olhou animada. — Vai me dizer que você viu a loira do banheiro? — Lia adorava o sobrenatural e tudo que envolve essas paradas doidas. Quantas vezes não tive que jogar a brincadeira do copo mesmo morrendo de medo.

— O que? Não. Ela era ruiva...

— Ai meu Deus! — Ela deu pulinhos de alegria paramos no meio do corredor. — Você viu um fantasma? — Puxando o meu braço começou a andar em direção ao banheiro novamente. Nossa professora de matemática que estava vindo na direção ao contrario deu uma bronca por não termos entrado na sala de aula e não tivermos a opção a não ser voltar para lá.

Passei o restante das aulas pensando sobre o ocorrido no banheiro, fantasma não existe, aquilo deveria ser alguma loucura da minha cabeça, provavelmente os remédios que eu tomava estava afetando meu cérebro. Terminando as aulas foi até a biblioteca pegar um livro de literatura para um trabalho de escola. Quando sai para o corredor dei de cara com um gato preto de olhos amarelo que levava na boca o colar que supostamente estava dentro da minha bolsa.

— Eu estou ficando doida. — Gato deixou o colar nos meus pés e sentou olhando para mim. — Isso deve ser algum sonho, eu vou acordar na minha cama e ri de tudo isso.

“Você tem um trabalho para fazer” — Disse uma voz masculina.

— Quem disse isso? — Perguntei olhando para os dois lados do corredor vazio.

“Eu, quem mais?”

Olhei mais uma vez para os lados e depois para o gato. — Muito bem, engraçadinho. Apareça. — Meia dose de coragem e um litro inteiro de medo, era o que eu estava sentindo no momento. “Por favor, por favorzinho, Deus que eu tenha ficado louca e isso não é um fantasma”, a loucura era melhor que um ser sobrenatural.

“Céus! É sempre a mesma coisa toda a vez”. — A voz reclamou. “Olha para baixo garota tola, sou eu quem estou falando. O gato”.

— Não pode ser. Gatos não falam. — “Obrigada Deus, eu estou ficando louca”.

“Não mesmo. Estou conversando telepaticamente com você”.

Escutamos um barulho de portas batendo. — O que está acontecendo? — Perguntei assustada.

O gato em minha frente começou a se transformar, sabe aquela cena em que o Rony e o Harry chega atrasado nas aulas e a professora que está em forma de gato se transforma na frente de todo mundo? Não foi nada que aconteceu ali. Olhei para a calda do bicho que batia no chão em uma sequência hipnótica, até que ela parou e uma fumaça cinza envolveu o gato e foi subindo até ficar mais ou menos na minha altura se dissipando logo em seguida.  O que era um lindo animalzinho se transformou em uma mulher negra esbelta. A mulher piscou para mim, antes de me dar um soco no peito.

— Temos trabalho a fazer. — Disse ela, bati contra a porta atrás de mim ainda em estado de choque pela transformação que acabei de ver, ou pelo soco, ou por tudo, acho que aquele era o momento de surtar e sair correndo gritando pelos corredores.

Toquei o meu peito e não sentir dor. — Você é doida? — Foi tudo que consegui pronunciar. A doida ali era eu não ela, quem estava vendo coisas aqui?

Ela não respondeu, o som ensurdecedor que vez tampar os meus ouvidos foi ouvido. — Não temos tempo para eu te explicar, precisamos da chave.

— Que chave? — Perguntei sem entender. Ela apontou o colocar no chão. Parece que o mundo tinha entrado em câmera lenta, abaixei e tirei o colar em minha mão, não sem antes tocar de leve para ver se ele não estava quente como a última noite.

— Repita comigo:

“Chave que abre a porta entre os mundos,

Eu Ellen, aceito ser o porteiro que irá guiar as almas,

Me conceda o poder para ajudá-las”.

Parece loucura, mas repetir tudo que ela falou. O pingente em minhas mãos começou a esquentar, mas desta vez não ardeu a minha mão, cresceu até virar um cedro, tipo aquele da princesa Atenas de cavaleiros dos zodíacos. — Ai meu Deus, o que é isso? — Perguntei assustada.

— Isso é a chave para abrir a porta entre os mundos. — A mulher gato falou. — Você deve guiar as almas para lá, antes que os demônios a pegue.

— O quê? — Vamos parar e respirar algumas vezes e tentar acordar do sonho doido. Minha mente estava criativa de mais para o meu gosto. Chegar de ler livros de fantasia antes de dormir. Eu ia abrir a boca para fazer um monte de perguntas, mas a mulher gato não deixou.

— Vamos garota, antes que aquela menina do banheiro seja devorada.

A mulher gato começou a correr, e eu fui atrás dela. Quando viramos o corredor onde ficava os banheiros, tive um susto. O garoto da minha sala, aquele mau encarado, estava lá, e não estava sozinho, tinha uma coisa estranha lutando com ele. Eu gritei quando vi algo parecido com uma aranha e expelia uma gosma verde pela boca enorme. A mulher gato apareceu com uma espada e foi para o lado de Liam, lutar contra a coisa. Eu fiquei parada tentando entender tudo, olhei para o corpo esbelto pensando de onde saiu a espada.

— Quem é você? — Liam perguntou para ela.

— Sou a protetora da guardiã da chave. — Ela respondeu dando um golpe com maestria na coisa, que partiu no meio virando uma nuvem de pó preto.

— Não temos uma guardiã da porta. — Liam retrucou ao guarda a espada dele na bainha que estava em suas costas. Ele vestia uma roupa parecendo um ninja todo em preto. Aquela roupa só acentua mais seu cabelo cor de ferrugem.

— Agora temos. — A mulher gato, balançou a mão e a espada sumiu. Depois ela apontou para mim. A tá, a espada aparece e some, isso fazia todo sentido agora. Ou não. Parei de tentar entender o sonho louco, aposto que quando acorda não ia lembrar de nada mesmo, dizem que só lembramos de trinta por cento dos nossos sonhos.

Se os olhos de Liam fosse duas espadas eu teria morrido naquele instante. Ele estava com raiva. — Mais que porra você fez? — Ele gritou para mim.

Outra coisa que eu tinha certeza, além de parar de ler antes de dormir, era que até em meus sonhos o garoto novo era um bobão de marca maior e eu estava de saco cheio dele. Isso porque trocamos meia dúzia de palavras.

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