Capítulo 1

— Izrail essa é a monstrinho. Monstrinho, Izrail. — Virei para trás e me deparei com o mais belo par de olhos azuis que já vi na vida, sério, aquela cor deveria ser lente de contato, ninguém poderia ter uma íris daquele tom. — Por favor, me desculpe pelos modos dela, estamos tentando domesticá-la.

— Gabriel! — Rosnei para ele, me virei para ele e dei um olhar mortífero, respirei fundo e me voltei para o menino. — Meu irmão é muito engraçadinho. — Oferecia a mão para o garoto. Quando nossos dedos se tocaram foi como se uma descarga elétrica corresse por meu corpo. Mais uma vez, ou o tempo desacelerou e eu estava ficando doida. Izrail disse algo que eu não entendi. — O quê?

— Perguntei seu nome. — Ele repetiu.

— El, quer dizer Ellen. — Sentir meu rosto esquentar, aposto que estava corando. Ter a pele clara tinha suas desvantagens.

— Pode me chamar Iz. — Ele tinha covinhas, não era justo. Só acho. O deixava ainda mais lindo, como um daqueles atores gatos do Teen Wolf.

— Muito prazer. — Algo nele me atraia. Acho que estou apaixonada, pensei que amor à primeira vista não existia, mas talvez estava enganada.

O carro parou em frente à escola e ele desceu para abrir a porta para mim, todo cavaleiro, além de gato era gentil, assim não há coração que aguente. A borboleta preta passou por trás dele e pouso no muro do colégio. Era a segunda vez que a via, quer dizer não sabia se era a mesma, mas era estranho, pois quase nunca se via borboletas por aqui, era mais fácil abelhas.

— Tenha um bom dia El. — Iz me disse e acenou antes de entrar no carro.

— Obrigada. — Respondi distraída, ainda olhando para tal da Borboleta. Escutei o carro do meu irmão arrancando, mas aquelas asas pretas estava me hipnotizando.

— Uau! Que gatinho lindo. — Quase morri de susto com a aparição de Lia, minha melhor amiga.

— Quer me matar de susto, peste? — Coloquei a mão no coração admirando a loira em minha frente. Como sempre,  

— Não seja dramática. — Ela riu e enganchou o braço no meu. — Quero saber tudo sobre ele. Gente vocês fazem um par fofo.

— Lia, não veja coisas que não existe. — Imagina eu e o gatinho do Iz? Meu coração acelerou só em pensar na possibilidade. Mas não só isso, meu corpo estava formigando como se precisasse de algo. Olhei novamente para a minha amiga, a única que me restou antes do acidente e dei graças por ela está aqui comigo hoje.

No ano passado, os pais de Lia se separaram, a briga foi feia e ela ficou como uma bolinha de ping-pong até o aniversário de dezoito anos quando ela deu um basta em tudo e voltou para o Brasil para morar com o pai, devido a isso ela também perdeu um ano. Sei que é extremamente egoísta, mas eu agradeci. Assim não fiquei sozinha.

Como chegamos cedo, conseguimos escolher lugares na sala de aula. Peguei a última cadeira da fileira do lado da janela, que me dava vista para o pátio, onde eu vi a pista de atletismo zombando de mim, agora que estou “curada” eu tentei voltar para ela, como esperado meu tempo excelente diminuiu bruscamente e depois ficava com dores horríveis meu fisioterapeuta me disse que as dores iriam passar com o tempo, o que era um alívio, porém, correr estava fora da minha lista de prioridade para sempre. Agora eu teria que escolher algo para fazer com o meu futuro. A sala foi se enchendo aos poucos, em um determinado momento um garoto parou do meu lado.

— Você está no meu lugar. — Ele disse para mim, sentir um arrepio na espinha, todos os pelos do meu braço arrepiaram-se.

O menino era meio mau encarado sabe, com cara fechada, cabelos ruivos, olhos verdes escuros. Pela blusa do uniforme dava para ver um pedaço de uma tatuagem, tinha uma aura de poder envolta dele, como se dissesse: “Não mexe comigo”. Algo nele mexeu comigo, não sei, foi diferente do jeito que Iz mexeu comigo, fiquei tão desconcertada que levantei e sentei na cadeira da frente, depois fiquei me perguntando o porquê fiz isso? Nossa como eu sou besta.

Fiquei as aulas todas virada para frente, tentando a todo custo não me virar e olhar o menino, sabe a sensação de que alguém está te observando, estava tendo essa e apostava que era o garoto. Quando o sinal do intervalo tocou, tive que me mexer sair da carteira, com o canto dos olhos vi que ele me olhava, o olhar penetrante dele fez meu corpo gelar.

— Toma cuidado com presentes de estranhos. — O garoto antipático saiu sem mais nem menos. Fiquei me perguntando que diacho de aviso foi aquele? Por acaso iria me matar? Além do Iz ele era o único estranho que conheci hoje.

— O que foi isso? — Lia perguntou para mim. A menina já estava com os fones de ouvido pendurado no pescoço, o que me fez lembrar do meu próprio celular.

— Eu não sei. — Me distrair olhando para as mensagens que meu pai tinha me deixado. Respondi as preocupações dele, o que me fez lembrar de um dos remédios que teria que tomar.

Saímos para o intervalo e fui comer meu lanche que papai preparou para mim no pátio externo, pois estava um sol gostoso. Eu e Lia estávamos rindo de qualquer palhaçada que ela estava falando quando o garoto passou por nós com as mãos nos bolsos e uma atitude de “eu sou o cara”, olhando para mim de forma superior.

— Eu descobri o nome dele. — Lia sussurrou, desviei meu olhar das costas largas, o filho da mãe era bonito, seu cabelo alaranjado o deixava ainda mais exótico e na mesma proporção de boniteza era estranho e intimidador. — É Liam.

— Como você sabe o nome dele? — Perguntei espantada.

— F******k, El. — Ela revirou os olhos e mostrou o celular para mim.

O restante do dia transcorreu tranquilo. A sensação de estar sendo vigiada não passou, olhei para trás disfarçadamente e Liam estava olhando diretamente para mim. Desconcertante. Na hora do almoço, Gab ligou dizendo que ia demorar para me pegar porque teria uma reunião no bico que ele fazia. Tivermos uma pequena discussão sobre eu poder ir para casa tranquilamente de ônibus e quando ganhei fiquei satisfeita.

Os rapazes precisavam entender que não iria quebrar novamente. A Dark Ellen realmente os deixou preocupados. Não tenho vergonha de dizer que tentei desistir. Quando a saudade e a dor no meu corpo foram maiores que as minhas esperanças eu tentei acabar com tudo aquilo. Meu pai entrou no momento em que eu estava quase passando a gilete no meu pulso. Depois de muito choro e conversa, ele me deu os diários da minha mãe.

Lia foi outra que quis brigar comigo, ela ia e voltava com o motorista da mãe, —os pais de Lia tinham dinheiro, mas ela não era uma garota esnobe — eu queria um pouco da minha liberdade antiga, poder ir e vir tranquilamente. Precisava pensar um pouco sobre os dois estranhos que entraram na minha vida. Queria saber o porquê eu sentia o que sentia por eles, sentimentos contraditórios tendo a mesma intensidade. Era bem engraçado como reagimos às pessoas de forma diferente, algo que explicaria a frase: “O meu santo não bateu com o dela”.

Coloquei meus fones de ouvido e sai cantarolando tranquilamente, ao virar a esquina vi a borboleta preta voando. Nunca tinha visto tanta borboleta em um único dia na minha cidade e agora eu vi três no mesmo dia, pois não acredito que fosse a mesma, algo me fez ir atrás dela, sai apressada tomando muito cuidado ao atravessar as ruas, não queria voltar para um hospital novamente. Andei dois quarteirões a mais do que o necessário, já estava desistindo quando ao virar em outra esquina dei de cara com uma cigana.

— Olá minha querida. — Estremeci com o tom de voz dela. Gente, eu estava muito sensível com pessoas. Será que o tempo passado no isolamento da minha casa devido a minha recuperação fez alguma coisa com a minha cabeça? De uma hora para outra estava tendo sensações de mais. Como se eu do nada tivesse conseguido um sentido aranha.

— Oi. — Respondi por educação. A borboleta pousou no ombro dela. Encarei aquilo. O que eu sabia sobre borboleta? Vasculhei o meu cérebro e só lembrei de duas coisas: primeira que elas são sinal para o caos e a segunda que são sinais para a mudança.

— Ela é linda, não é? — Balancei a cabeça que sim.

— Sim... — Sussurrei.

— Posso ler o seu destino? — Ela apontou para minha mão.

— Ah. — Coloquei as mãos no bolso. Tem pessoas que tem medo de palhaço, claro que se estivemos falando do palhaço do Stephen King teria toda a razão, eu por exemplo tinha medo de ciganos, outra coisa sem explicação, algo no olhar o jeito deles me incomodava. — Eu não tenho nenhum trocado.

— Não precisa. Está será uma leitura de graça.

Ela pegou minha mão e analisou por alguns minutos. A urgência de sai correndo aumentou dentro de mim. — Sua linha da vida está interrompida, isso não é um bom sinal, minha querida. Quer dizer que em algum momento da sua vida você terá um encontro com o além, mas vai voltar.

— Tipo morrer e ressuscitar? — Não sei porque disse isso, é que às vezes falo sem pensar. — Não como Jesus Cristo, mas como parada cardíaca e choque, saca?

Ela não olhou para mim e disse apenas: — Sei. — Tocou na palma da minha mão com um dedo em outra linha. Olhei para as roupas colorida dela, apesar de não gostar de ciganos achava muito bonito o jeito deles se vestirem. O tom de pele único, os cabelos muita das vezes negros, e os olhos exóticos faziam um conjunto bonito. Meu receio vinha das pessoas em sim, e mais uma vez meu sentido aranha começou a soar na minha cabeça. — Você terá um grande amor, mas para conquistá-lo, precisará vê-lo. Lembre-se, nem tudo o que reluz é ouro.

— Não entendi nada... — O que uma coisa tinha a ver com outra? Como assim eu iria precisar vê-lo. Só falta ela me dizer que eu iria me apaixonar por um fantasma. Ai eu iria dizer para ela parar de ler Meg Cabot.

— Com o tempo você irá. — Ela sorriu para mim. — Você é cercada de grande amor e carinho, tem muitas pessoas que te amam e querem que você seja feliz, mas a estrada da felicidade é tortuosa e difícil, porém nenhum tesouro é fácil de encontrar. — Enfiando a mão no bolso ela tirou uma caixinha de madeira. — Um presente para você.

Tentei recusar, porém ela não deixou, enfiou a caixinha em minha mão e saiu andando. Distraí-me um minuto olhando a caixa de madeira com alguns símbolos em dourado, um belíssimo trabalho, quando ergui os olhas não a vi mais. A única coisa naquele beco era a estranha borboleta.

Coloquei a caixinha na mochila e dei meia volta. Peguei o ônibus e fui para casa. As palavras da estranha mulher ainda me seguiam. Aquele dia estava cada vez mais estranho, eu queria normalidade e ganhei um pequeno caos.

***

Quando terminei o jantar, escutei o portão de casa abrindo anunciando a chegada do meu irmão, parece que ele adivinha a hora certa que a comida estava pronta, sempre foi assim. Ao entrar na cozinha foi direto para as travessas de comidas na mesa, roubando umas batatinhas, claro que xinguei, custava ele esperar todo mundo está sentado na mesa ou ao menos lavar as mãos. Ia falar mais na orelha dele quando vi que tínhamos visita, quase engoli a língua quando vi Izrail na porta. Sentir meu rosto corando. Gente o que ele vai achar de mim? A louca fiscal das batatinhas.

— Boa noite. — Izrail disse com um sorriso nos lábios. — Espero que não esteja atrapalhando.

— Olá. — Meu coração começou a bater com força total. E algo queria que eu me jogasse nos braços dele, era loucura, não é? — Seja bem-vindo a nossa casa.

— Iz não tem comida em casa e eu o convidei para comer. — Meu irmão informou. — Passamos na farmácia para comprar antiácidos. — cerrei as minhas mãos para não começar dar tapas nele, precisava mostrar para Iz que eu era uma mocinha.

— Gab, você é ridículo. — Virando para Iz respirei fundo e dei o meu maior sorriso. — Iz, eu cozinho muito bem, aprendi com a melhor.

— Essa é sua mãe? — Ele perguntou para mim ao apontar para a foto. Em nossa casa tinha um monte de porta retratos dela. Ela tinha sido modelo antes de casar com o meu pai. Depois da morte dela, ele passou a colocar as fotos daquela época espalhado pela casa dizendo que era para iluminar o ambiente. — Ela era muito bonita.

— E se parece muito com El. — Meu pai, que acabava de entrar pela porta, disse. — Ainda mais quando sorrir. — Ele piscou para mim. Fui até ele e fiquei nas pontas dos pés para dar um beijo nele. — O cheirinho está muito bom querida, o que você fez?

— Carne assada com batatas e cenoura, salada de tomate, arroz branco, feijão com bacon e... — Parei e bati na testa. — Esqueci de passar na vendinha e comprar um suco. — Depois do meu transplante a alimentação em casa mudou drasticamente, tudo o mais saudável possível. Não que não fosse antes, já que precisava manter o corpo por causa das corridas, mas agora eu não tinha elas e precisava me manter em forma de outra maneira.

— Eu trouxe um suco de uva e uma garrafa de vinho que ganhei hoje. — Meu pai levantou a sacola para nós mostrar.

— Comemoração? — Gab perguntou, indo até a pia para finalmente lavar as mãos, garoto porquinho esse meu irmão. Iz foi atrás e fez o mesmo. Notei que ele era um pouco mais baixo e mesmo assim ainda era mais alto que eu.

— Ganhei uma bolsa para fazer doutorado em história. — Meu pai disse sem jeito.

Claro que comecei a pular toda animada no mesmo instante. — Que felicidade papai. Yupi! — Abracei ele. Meu irmão veio logo em seguida e depois o Iz. Sempre foi o sonho do meu pai fazer doutorado em história com o tema voltado para as diversas religiões

— Obrigado pessoal, mas não sei se vou aceitar... — Ele deixou a sacola na mesa e foi para a pia lavar as mãos também.

— Por que não? — Perguntei espantada.

— Eu terei que estudar muitas horas, diminuir minha carga horária na faculdade. — Meu pai passou as mãos no cabelo escuro e sempre bagunçados, minha dizia que era um charme aquilo. — Como vou cuidar de vocês...

— Pode parar. — Cruzei os braços e o encarei, não iria deixar ele desistir de um sonho por causa de mim. — Eu tenho dezoito anos e Gabriel vinte. Não somos mais seus bebês papai. — Coloquei as mãos na cintura. — Vamos nos ajeitar, podemos dividir as tarefas de casa, assim sua carga de trabalho diminui...

— A monstrinha tem razão pai. — Meu irmão disse, não me importei com o apelido, precisávamos ficar juntos nessa e apoiar ele, o ano passado arrancou muitas coisas dessa família e estava na hora de termos algumas alegrias. — Iremos dar um jeito, ser doutor é uma coisa que você sempre quis.

— Mas agora não é o momento...

— É sim. — Fui até ele e o abracei repousando meu queixo em seu peito e o olhando. Meu pai que já era magro estava ainda mais magro, reparei que seu rosto deu um leve envelhecida e podia notar alguns fios branco aqui e ali e tudo isso era por causa de mim. — Uma coisa que aprendi neste último ano que não existe um momento certo, só o aqui e agora. — Sorri tentando que a dark Ellen não quisesse voltar. — Sei que você quer desistir por minha causa, mas eu estou bem. Tive um ótimo dia e o coração ainda está batendo firme e forte.

— Querida...

— Não papai, aceita por mim, por favor. — Tentei com todas as forças não chorar. — Já perdemos muito.

— Vou aceitar...

— Yupi. — Fiz uma dancinha da alegria.

Todos nós sentamos para comer e conversar. Pela primeira vez o riso e alegria tinha voltado para nossa mesa, olhei para um dos retratos da minha mãe e fiz uma pequena prece, seja onde ela estiver que olhasse pela gente e ajudasse papai.

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