A diferença entre meu eu e o da Pouplain era estar em status sociais distintos. Mas a gente tinha gosto em comum.
Discos empoeirados e soprar a poeira para ouvi-los, devorar um brigadeiro direto da panela, não aguentar assistir à uma partida de futebol, mas amávamos assistir o mesmo filme pelo menos umas quinze vezes... não passávamos tanto tempo no cabeleireiro, nem sequer gastávamos muito tempo com cálculos matemáticos... mas, a gente era impulsiva e, isso causava um fascínio pelo poder de compra. Uma determinada loja de departamentos vendia o urso de pelúcia mais macio, suave e fofo que poderia existir. Ele custava o equivalente a cinco pilas. Eu fiquei tão apaixonada que vendi flores extras para comprar, mas, a vendedora disse: — Aqui não temos mais ursos de pelúcia daquele modelo disponível, tente em outra loja. — Mas não dá para comprar o do mostruário? — Ele sai com cinquenta por cento de desconto. — Eu quero! — Meus olhos brilharam naquela afirmativa. Ela pegou o urso e disse: Você vai presentear alguém? — Por quê? Tem alguma embalagem especial? — Embrulhamos para presente. — Então, eu vou presentear. — Ok. E a vendedora embrulhou em um saco, colocando uma fita bonita. Eu fui à praça com aquele urso e, dessa vez, não dei um susto no Tim, apenas entreguei a embalagem. — O que é isso? — Abre! Ele desembrulhou e me perguntou: Por que você me deu um urso? — Para você abraçar quando se sentir sozinho. — Isso é muito fofo! — Eu sei! — Obrigado. — Imagina! E me despedi, indo para o outro lado da praça. Ele continuou a tocar, conversando consigo mesmo sobre seus sentimentos. Eu fiz o mesmo, mas conversei muitos com as flores para que elas pudessem consolar alguém que tivesse ferido. Em alguns minutos, Tim chegou, eu estava sentada em um banquinho e ele pôs a mão no meu ombro e seus objetos pôs ao lado do banco. — Como estão as flores? — Recatadas, por enquanto não notadas, mas elas vão ficar bem quando a solidão for deixada de lado porque ninguém as viu... e quanto ao seu violino? — Está desafinado. Um pouco, não sei se dou ouvidos a ele para afinar ou deixar assim. — Eu acho que assim responde mais a pergunta “por que dói tanto?” — Por que dói tanto? — É! O som do violino é sofrido, daqueles que fazem a gente repensar no sofrimento umas cem vezes. — Mas há musiquinhas alegres com o violino. — Mas delas eu nunca lembro, não com a mesma intensidade de tanto doer... Ele soltou um risinho e eu olhei para os seus sapatos. E perguntei: Você colocou dois all stars de diferentes cores, é de costume esse tipo de comportamento? — Você é sempre uma influência nesse quesito. — Bem, espero que influencie também em outros. Peguei minha cesta e me despedi. — Espera... para onde você vai? — Para casa. — Quer uma companhia no caminho. — Não há como negar uma companhia solitária. Então, ele pegou seus pertences, estendeu seu braço e eu coloquei o meu entrelaçado. Saímos andando devagar, porque em algum momento nós estaríamos longe. Eu nunca soube o quão longe iria, só queria ir bem longe, devagar, sem acreditar no que seria possível ou impossível. Eu vivi a vida toda tateando um enredo para ser diferente e provar pra todos que eu era muito mais do que eles imaginavam. Ser esse elo de pessoas era algo incompleto, parecer completo é diferente de estar. Me sinto muito copo meio vazio, mas quero ser meio cheio, pelo menos aos outros que me veem.