Inicio / Romance / SOMBRAS DA LIBERDADE / CAPÍTULO 2 - CORRENTES INVISÍVEIS
CAPÍTULO 2 - CORRENTES INVISÍVEIS

Aria ainda sentia as mãos dele no pescoço.

Não fisicamente — Kael tinha recuado, os braços cruzados sobre o peito nu marcado de cicatrizes, os olhos âmbar fixos nela com uma intensidade que fazia cada célula do corpo dela gritar para fugir. Mas a sensação permanecia. O fantasma daqueles dedos, a força bruta contida apenas por um fio de hesitação.

Ele podia tê-la matado. Teria matado.

E talvez devesse.

— Onde estão os outros? — A voz dele cortou o silêncio como vidro quebrado, áspera e sem paciência.

Aria forçou-se a engolir, a garganta ainda dolorida. Cada respiração ardia, mas ela não podia mostrar fraqueza. Não agora. Não quando ele ainda estava decidindo se ela valia mais viva do que morta.

— Neste corredor. — Ela apontou para as portas alinhadas ao longo do corredor estreito. — Seis células. Todos contenção máxima.

Kael olhou para as portas, então de volta para ela.

— E você tem chaves para todas?

Aria segurou a chave que ainda pesava em sua mão.

— Tenho uma. Serve em todas as travas antigas. Eles não esperavam que alguém usasse esse sistema.

— Porque são idiotas. — Ele cuspiu a palavra com tanto veneno que Aria quase recuou. — Ou arrogantes demais para imaginar que um de vocês trairia os próprios.

Um de vocês.

A frase cortou mais fundo do que ele provavelmente pretendia. Porque era verdade. Aria era humana. Cientista. Parte do sistema que criou esse inferno.

E nada que ela fizesse agora mudaria isso.

— Você está certa. — As palavras saíram antes que ela pudesse censurá-las, cruas e honestas. — Eu sou uma traidora. Para eles. E talvez para você também. Mas eu vim até aqui, arrisquei tudo, e não vou parar agora.

Kael a encarou. Por um longo momento, ele não disse nada. Apenas vasculhou o rosto dela como se procurasse algo — mentira, medo, motivação oculta.

O que ele encontrou, Aria não sabia.

Mas ele se moveu.

Foi rápido, fluido, cada passo silencioso como se o corpo massivo não pesasse nada. Ele passou por ela sem tocá-la, mas Aria sentiu o calor que irradiava da pele dele, o cheiro de suor e algo selvagem que fez seu coração acelerar.

Ele parou diante da primeira cela.

— Abra.

Aria obedeceu, as mãos tremendo enquanto inseria a chave na fechadura. O metal rangeu, a porta se abrindo para revelar outra escuridão sufocante.

Mas desta vez, havia movimento imediato.

Uma figura surgiu da penumbra — menor que Kael, mas ainda impressionante. Cabelos negros caíam sobre ombros esguios, e quando a luz do corredor alcançou o rosto, Aria viu olhos dourados que brilhavam como os de Kael, mas com uma intensidade diferente. Mais calculista. Mais fria.

Lira.

A híbrida felina que tinha salvado a vida de Aria minutos atrás.

— Você realmente voltou. — A voz de Lira era baixa, quase incrédula, enquanto ela olhava para Aria. — Achei que estava sonhando quando te ouvi no corredor.

— Não está sonhando. — Aria deu um passo à frente, estendendo a chave. — E não estou sozinha.

Lira desviou o olhar para Kael, e algo passou entre eles — reconhecimento, respeito, talvez até alívio. Então ela saiu da cela, as correntes ainda presas aos pulsos tilintando com cada movimento.

— Ele quase te matou, não foi? — Lira observou o pescoço de Aria, onde as marcas dos dedos de Kael já estavam roxas contra a pele pálida.

— Quase. — Aria tocou o pescoço inconscientemente, o toque fazendo a dor latejar. — Mas você o impediu.

— Não fiz por você. — Lira cruzou os braços, os olhos dourados inflexíveis. — Fiz porque não quero que ele carregue mais uma morte na consciência. Ele já tem sangue suficiente nas mãos.

Kael rosnou baixo, o som reverberando no corredor.

— Eu carrego o que for necessário. Sempre carreguei.

— Eu sei. — Lira virou-se para ele, e pela primeira vez, Aria viu algo que parecia quase carinho no olhar da híbrida. — Mas isso não significa que você tem que continuar.

Kael não respondeu. Mas o músculo do maxilar dele contraiu, e Aria viu a luta interna — entre o que ele era e o que talvez quisesse ser.

— Vamos tirar essas correntes. — Aria estendeu a mão para Lira. — E depois os outros.

Nos minutos seguintes, o corredor se encheu de movimento.

Cada cela aberta revelava outro híbrido — alguns humanos na aparência, outros carregando traços sutis que denunciavam sua natureza. Um macho imenso com cabelos castanhos desgrenhados e olhos que brilhavam com ferocidade contida. Uma fêmea magra com cicatrizes cruzando os braços, o olhar desconfiado e feroz. Outro macho, mais jovem, com movimentos nervosos mas calculados.

Todos olhavam para Aria com a mesma mistura de desconfiança e algo próximo ao ódio.

— Quem é ela? — O macho imenso — que Lira chamou de Tor — apontou para Aria como se ela fosse uma mancha que precisava ser removida. — Por que uma humana está aqui?

— Porque ela nos libertou. — Lira respondeu antes que Kael pudesse, a voz firme mas cuidadosa. — Ela arriscou a vida para abrir essas celas.

— E eu deveria acreditar nisso? — Tor deu um passo à frente, o corpo bloqueando a luz. — Quantos de nós ela matou antes de decidir ter consciência?

As palavras acertaram Aria como socos. Porque eram verdadeiras. Ela nunca tinha matado diretamente, mas quantos híbridos tinham morrido em mesas de cirurgia enquanto ela anotava dados? Quantos tinham gritado enquanto ela fingia não ouvir?

— Nenhum. — A voz dela saiu rouca, mas firme. — Eu nunca matei ninguém. Mas eu vi. E não fiz nada. E isso é quase tão ruim.

Tor bufou, o som quase um rosnado.

— Quase? Quase não absolve nada, humana.

— Eu sei. — Aria encontrou o olhar dele, mesmo que cada instinto gritasse para recuar. — Mas não estou pedindo absolvição. Estou pedindo uma chance de fazer o certo.

— O certo? — Tor riu, o som amargo. — Você acha que abrir algumas celas apaga anos de tortura?

— Chega. — A voz de Kael cortou o ar como lâmina, e todos se calaram. Ele virou-se para Tor, os olhos âmbar frios como gelo. — Ela nos libertou. Isso não a torna aliada, mas também não a torna inimiga. Ainda não.

Tor estreitou os olhos, mas recuou.

— Você confia nela?

— Não. — Kael não hesitou. — Mas eu preciso dela. Nós precisamos. Ela conhece esse lugar. Sabe como sair. E enquanto isso for verdade, ela vive.

As palavras eram uma sentença temporária, não um perdão. Aria sentiu o peso delas como correntes invisíveis.

— Então vamos sair. — Lira olhou para o corredor, onde as luzes ainda piscavam em um ritmo que estava ficando mais errático. — Quanto tempo temos antes dos alarmes soarem?

Aria puxou o comunicador improvisado do bolso, verificando a tela.

— Cinco minutos. Talvez menos. Eu sabotei os sistemas de vigilância, mas eles vão perceber quando fizerem a ronda noturna.

— Cinco minutos. — Kael virou-se para os outros híbridos, a voz assumindo um tom de comando que Aria não tinha ouvido antes. — Peguem o que puderem usar como arma. Qualquer coisa. E sigam-me.

— E ela? — Tor apontou para Aria novamente, o desprezo ainda claro no olhar.

Kael olhou para Aria, e por um segundo, ela viu algo nos olhos dele — não confiança, mas reconhecimento. Como se ele visse nela um reflexo do que ele tinha sido: preso, quebrado, tentando sobreviver.

— Ela vem comigo. — Ele virou-se para o corredor. — Se tentar nos trair, eu a mato primeiro. Mas até lá, ela é responsabilidade minha.

Aria não sabia se isso era proteção ou ameaça.

Provavelmente ambos.

Eles se moveram como sombras pelo corredor, cada passo calculado, cada respiração contida. Aria liderava o caminho, digitando códigos em painéis, desviando de câmeras que ainda não tinham sido reativadas. Os híbridos seguiam em silêncio mortal, os corpos tensos, prontos para lutar ou fugir.

E Kael? Ele não saía do lado dela.

Não porque confiava. Mas porque se ela tentasse algo, ele estaria perto o suficiente para quebrar seu pescoço antes que qualquer um percebesse.

Quando chegaram à primeira encruzilhada, Aria parou. Duas direções — uma levava ao elevador de carga, rápido mas vigiado. Outra para as escadas de emergência, mais lento mas menos monitorado.

— Qual caminho? — Kael falou baixo, o fôlego quente contra o ouvido dela.

Aria estremeceu, não de medo, mas de algo que ela não queria nomear.

— Escadas. Menos guardas.

— Você tem certeza?

Ela virou-se, encontrando o olhar dele a centímetros de distância.

— Não. Mas é a melhor chance que temos.

Por um momento, eles ficaram assim — olhos âmbar contra olhos castanhos, dois seres em lados opostos de uma guerra que nenhum deles escolheu.

Então Kael assentiu.

— Escadas, então. — Ele virou-se para os outros. — Movam-se. Em silêncio.

Mas no momento em que deram o primeiro passo, um som ecoou pelo corredor.

Um alarme.

Agudo. Ensurdecedor. Cortando o silêncio como uma faca.

Luzes vermelhas explodiram nas paredes, piscando em um ritmo frenético.

E no fim do corredor, portas pesadas começaram a se fechar, uma a uma, selando as saídas.

Kael virou-se para Aria, os olhos queimando com algo que ia além de raiva.

— Você disse que tínhamos cinco minutos.

— Eu disse talvez cinco minutos. — Aria já estava correndo em direção ao painel mais próximo, os dedos voando sobre os botões. — Eles devem ter percebido antes. Alguém deve ter visto.

— Não importa. — Kael agarrou o braço dela, puxando-a para longe do painel. — Agora corremos.

— Mas as portas—

— Eu cuido das portas. — Ele a empurrou para trás, depois avançou para a primeira porta que descia, os músculos se contraindo enquanto enfiava as mãos na fenda estreita. — Corram!

E então Kael rugiu.

Foi um som que Aria nunca tinha ouvido — selvagem, primitivo, puro instinto animal liberado. E com força bruta, ele começou a erguer a porta de metal, os músculos do pescoço e ombros se destacando, as veias saltando sob a pele.

A porta rangeu. Gemeu. E começou a subir.

— Passem! — Lira empurrou os outros para frente, deslizando sob a abertura. Um a um, os híbridos se jogaram para o outro lado, corpos ágeis se contorcendo pelo espaço estreito.

Aria foi a última.

Ela hesitou, os olhos fixos em Kael, que segurava a porta com força descomunal, o corpo tremendo sob o peso.

— Vai! — Ele rosnou, os dentes cerrados.

Ela se jogou, rolando sob a porta no último segundo antes que os braços dele cedessem.

O metal bateu com um estrondo que sacudiu o chão.

E do outro lado, Aria ouviu o som de botas pesadas se aproximando.

Guardas. Caçadores. Talvez ambos.

— Corram. — Kael virou-se para as escadas, os olhos brilhando com uma fúria que Aria sabia que não era só para os inimigos.

Era para ela também.

Porque agora, a fuga tinha começado de verdade.

E o sangue estava prestes a ser derramado.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP