Capítulo 4

Aproveitando o breve momento de silêncio na cozinha, Dom sorriu, perdido em uma lembrança agridoce. Olhou para Marvila, que comia o arroz gelado com um apetite voraz, e pensou em Ana Carolina. A gravidez dela havia sido um misto de anseios e alegrias contidas, um período em que a casa parecia transbordar de esperança e planos para o futuro. A memória de Ana comendo guloseimas inusitadas no meio da noite trouxe um calor nostálgico ao seu coração, um contraste com o frio que o consumia há tanto tempo.

— Você gosta de café? — ele perguntou, com sua voz suave.

— Também não pode passar vontade.

Marvila parou de comer e sorriu timidamente, balançando a cabeça em negativa. Dom coou o café com calma, encheu uma xícara para si e comentou que não conseguia viver sem, dizendo que até dor de cabeça sentia se não tomasse.

Marvila, então, confessou que sua bebida favorita era água, e ele prontamente encheu um copo para ela, elogiando a escolha.

Justo quando ela ia pegar o copo, um chamado do lado de fora interrompeu a quietude.

— Ooo, Dom! — uma voz masculina e grave ressoou do quintal.

Dom abriu a porta e, para a surpresa de Marvila, entrou de volta na cozinha acompanhado por um senhor de cabelos grisalhos e rosto marcado pelo tempo. Era Chicho, o jardineiro, um de seus funcionários mais antigos.

— Chicho, esta é a Marvila. — disse Dom, olhando para o homem com um semblante sério.

— Ela é filha de um amigo meu e vai ficar por aqui por algum tempo.

Marvila se levantou, envergonhada, mas com um sorriso educado. Estendeu a mão para Chicho, que a apertou com gentileza. Ela o cumprimentou de forma tão cordial e simpática que Dom não pôde deixar de admirar sua delicadeza. A presença de Marvila parecia suavizar o ambiente, preenchendo o espaço antes solitário com uma energia nova e leve.

Chicho olhou para a barriga dela com curiosidade e perguntou:

— É menino ou menina?

Marvila, com a mesma calma, respondeu:

— Eu não sei. Quero descobrir só quando nascer.

— Boa sorte e muita saúde pra vocês. — disse Chicho, com um sorriso gentil, antes de ir para o quintal retomar seu trabalho.

Marvila lavou a panela do arroz e os copos que usaram. Quando foi procurar os guardanapos para secar a louça, Dom a viu.

— Pode deixar a louça aí. — ele disse, com uma voz descontraída, pegando as chaves do carro.

— Quero te fazer um convite.

Marvila o olhou, curiosa.

— Você me acompanha até o mercado? — ele continuou.

— Não levo jeito pra fazer compras. Minha vida se resume ao trabalho e a essa casa.

A preocupação transpareceu no rosto de Marvila.

— As pessoas... não vão falar? Maldar de você, de mim? Não quero te trazer problemas.

Dom se aproximou dela, sério e gentil.

— Não se preocupe com isso. Garanto que ninguém vai falar nada. Você vai trabalhar aqui, ter o seu bebê em segurança. E se alguém perguntar, vamos dizer que você é filha de um amigo meu.

A resposta dele a tranquilizou. Marvila assentiu, e um sorriso de alívio e gratidão surgiu em seu rosto, enquanto ela o acompanhava em direção à porta.

Eles seguiram para a sala, e Marvila, sentindo-se um pouco mais à vontade, olhou em volta com curiosidade, reparando. A casa era tão grande e silenciosa que ela sentiu vontade de xeretar. Ela disse que ia se trocar, se arrumar melhor.

Dom olhou para ela com ternura, com seus olhos fixos na barriga que se destacava sob o vestido solto.

— Não precisa se preocupar com isso, Marvila. Essa roupa está ótima, e com essa barriga... — ele sorriu de canto, e um brilho suave e nostálgico passou por seus olhos.

— Você está linda.

Marvila sorriu timidamente e foi para o quarto de hóspedes. Vestiu um cardigã rosa simples por cima do vestido, arrumou o cabelo em uma trança e calçou a sandália gasta. A ansiedade e a apreensão a consumiam enquanto ela se preparava para sair.

Quando se preparava para descer as escadas, Dom apareceu na sala. Sua voz era gentil, mas o tom sério não se desfez.

— Segure no corrimão, moça. Tome cuidado.

Marvila sorriu e obedeceu sutilmente, segurando o corrimão com delicadeza. A coragem de fazer perguntas veio à tona.

— Você fica aqui sozinho? Essa casa tem tantos quartos. E esse quintal, é grandão.

Dom se dirigiu à porta e a abriu para que ela passasse.

— Sim, minha família vem passear. Às vezes. Gosto muito dessa casa e das lembranças.

Marvila saiu e parou, um pouco desconcertada, esperando por ele.

— Faz tempo que... sua esposa...

Dom seguiu para a caminhonete, cabisbaixo e sério.

— Ela faleceu a alguns anos. — respondeu, com a voz embargada.

Ele abriu a porta para ela e estendeu a mão para ajudá-la a entrar. Marvila aceitou a ajuda, apreensiva, mas a curiosidade foi mais forte. Quando Dom entrou e ligou o carro, ela perguntou:

— E você se casou de novo? Notei que usa aliança.

Ele a olhou por alguns instantes, com o olhar pesado, e ligou o carro.

— Não. — respondeu, apertando o volante, visivelmente incomodado. Ele suspirou, irritado, mas Marvila não se intimidou e perguntou, desconfiada de tanta gentileza:

— Posso perguntar do que ela faleceu?

Dom apertou o volante e, sério, preferiu mentir.

— Atropelada. — respondeu.

Marvila permaneceu em silêncio. Ele parou o carro em uma agropecuária e, ao descer, disse que não demoraria. Voltou com dois sacos de terra, que colocou na caçamba da caminhonete. A camiseta estava com algumas manchas, e Marvila notou o descaso de Dom consigo mesmo.

No mercado, ele parou o carro e, em silêncio, abriu a porta para ajudá-la a descer. Marvila, constrangida e emotiva, se desculpou:

— Me perdoe por ter falado aquelas coisas. Eu sempre falo demais.

Ele sorriu sutilmente, percebendo que ela estava a ponto de chorar.

— Você não tinha como saber. Vamos às compras. Você sabe cozinhar?

Marvila enxugou os olhos marejados e respondeu que adorava cozinhar. Ele pegou dois carrinhos, entregando um para ela.

— Você leva os produtos de limpeza e higiene, e eu pego o resto. Então, Marvila, você trouxe alguma coisa para o bebê na mala?

Ela entrou no mercado, cabisbaixa.

— Não, quer dizer, sim... um macacão, e só. Eu ia até o cras, pedir doação.

— Não! — Dom respondeu, com a voz firme, como se estivesse dando uma ordem.

— Você vai ter tudo novo. Eu vou te ajudar. Vamos começar as compras.

Desconcertada, Marvila apenas concordou com a cabeça. Ele começou a encher o carrinho sem hesitar, três sacos de arroz, cinco de feijão, seis de farinha, farofa, fubá, sal, milho de pipoca. Marvila ficou parada, observando a cena, cada item uma prova do quão fora de seu alcance aquilo parecia.

— Dom, eu não posso aceitar tantas coisas. Não vou me sentir bem. — ela disse, apreensiva.

— E bebês não entendem de coisas novas. Eu prefiro buscar doações, como eu planejei.

Um sorriso sutil se formou nos lábios de Dom.

— Depois decidimos isso. Quer pegar alguma coisa nesse corredor? Qualquer coisa. Pode escolher. Fique à vontade.

Ela balançou a cabeça em negativa, e eles continuaram. Dom enchia o carrinho, passando por um corredor após o outro. Marvila sorria, imaginando a fartura que teria para comer. Ela percebeu que ele não tinha o menor jeito para fazer compras e, em alguns momentos, não conseguia segurar o riso quando ele exagerava ou pegava algo errado. Eles já haviam passado por mais da metade do mercado, e entraram, na seção de higiene, Dom pegou um xampu e um desodorante para si.

— Pode pegar o que você precisa. — ele disse, estendendo a mão para o corredor.

Envergonhada, Marvila pegou um desodorante roll-on simples e barato. Ele apontou para as prateleiras cheias de xampus e cremes, sorrindo.

— Pode pegar. Essas frescuras de mulher eu não entendo, e você não quer que eu escolha sozinho, não é?

Marvila se aproximou das prateleiras, com a timidez evidente em seus gestos. De maneira humilde, começou a pegar os produtos mais baratos, um kit simples de xampu e condicionador, e um hidratante corporal de algodão, grande e simples.

Dom olhou para ela e depois apontou para os óleos corporais que estavam por perto.

— Você não usa esses aí? Na barriga? Pra... — ele hesitou, tentando encontrar a palavra certa, mas a intenção era clara.

Marvila sorriu sutilmente, com seus olhos baixos.

— Não, eu não pude me cuidar. Minha vida mudou muito. Eu não sou assim, sabe. Sempre gostei, de me cuidar.

Ela continuou a olhar para o chão, como se a vergonha a impedisse de encarar Dom.

Ele se aproximou devagar, olhando para a prateleira.

— Eu também não sou assim. Gosta do cheiro de amêndoas?

Marvila sorriu, envergonhada, e disse que sim. Ele pegou o óleo de amêndoas mais caro e, em seguida, começou a jogar mais de dez sabonetes no carrinho, fazendo com que ela risse muito.

— Esse deixa a pele hidratada. — ele disse.

— Mas derrete rápido demais.

Quando entraram no corredor de trás, uma senhora se aproximou, falando com ele. Ela disse que quase não o reconheceu. Dom a cumprimentou educadamente e colocou as coisas que estavam em sua mão no carrinho que Marvila segurava. De repente, a mulher mudou o semblante, arregalando os olhos ao reparar na barriga de Marvila.

— Misericórdia, você já se casou e vai ser pai de novo! Que coisa. Eu não sabia.

Dom ficou sério, quase a ignorando, e respondeu, pegando o carrinho com raiva.

— Não, Dona Laura. Ela trabalha para mim. Vai cuidar da casa.

A senhora começou a rir, constrangida, mas ainda sendo invasiva.

— Ah, sim, que susto. Porque ela parece tão novinha para estar com um homem maduro como você. Quantos anos você tem, mocinha? É casada?

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