O céu estava coberto por nuvens espessas quando os sinos começaram a soar. Um som lento, arrastado, fúnebre.
Na cela, Helena já estava de pé. A noite fora longa, e o sono, inexistente. Seus olhos estavam fundos, mas havia neles uma luz difícil de explicar — algo entre resistência e fé. Fé em uma única coisa: Tristan.
Ela ouviu passos pesados, então vozes se aproximando. A tranca rangeu, e dois soldados entraram. Um segurava correntes, o outro, um olhar vazio.
— Está na hora, bruxa — disse um deles, sem emoção.
Helena não respondeu. Esticou os pulsos com firmeza, encarando os homens. O clique das algemas ressoou como o som final de uma sentença.
Três dias antes…O céu estava tingido de dourado quando Tristan partiu com seu cavalo de volta para casa. A vitória tinha sido dura, seu corpo estava coberto de poeira e cansaço, mas sua mente... sua mente estava em Helena. Era tudo o que queria agora — um banho quente, os braços dela, sua voz doce o recebendo no lar que haviam construído com tanto amor.A estrada de volta era silenciosa, cortando pelos campos já meio secos, quando ele encontrou um grupo de viajantes no caminho. Eram dois homens e uma mulher, rostos fechados, carregando sacos e conversas abafadas. Ao passar por eles, ouviu algo que fez seu coração parar:— …foi levada como bruxa, a fogueira tá pronta. Dizem que amanhã cedo…
O sol já começava a se esconder no horizonte quando Tristan deixou os escombros da cabana para trás, montado em seu cavalo como uma sombra viva, o rosto tenso, as mãos firmes nas rédeas. A imagem dos corpos dos animais, o cheiro de fumaça e destruição, o silêncio cortante da ausência de Helena — tudo aquilo queimava dentro dele como brasa na carne.Ele não gritou. Não chorou. Apenas cavalgou.Precisava de homens. Não qualquer homens — precisaria daqueles em quem podia confiar com a própria vida. Homens que lutaram ao seu lado quando ele não era ninguém além de uma lâmina a serviço da guerra. Homens que ainda deviam favores ou, no mínimo, carregavam respeito suficiente por sua fúria para segui-lo sem question
Tristan não sentia cansaço. O peso nos ombros não vinha da viagem, nem das batalhas vencidas dias antes. Era outra coisa — algo escuro, denso, pulsando em cada músculo. Ódio. Um ódio que queimava de dentro pra fora, como se quisesse devorar o mundo inteiro.A vila estava diante dele. As casas de pedra, as mesmas que um dia ele protegeu com espada em punho, agora pareciam inimigas. Cada janela fechada, cada porta trancada… cúmplices. Traidores, todos eles. Nenhum tinha levantado a voz. Nenhum tinha impedido. Se ela sangrou, se ela chorou, foi com o silêncio de todos ao redor.Uma sentinela no alto da torre mal teve tempo de tocar o sino antes de uma flecha atravessar sua garganta. O som abafado de seu corpo caindo despertou a vila com o gosto metálico do terror.
A multidão rugia como um mar em fúria. Gritos e vaias se erguiam na praça, o cheiro de fumaça já presente no ar. No centro, a estrutura da fogueira se erguia como um altar grotesco — troncos empilhados, trapos embebidos em óleo, cordas apertadas com brutalidade. E ali, amarrada, com os cabelos desgrenhados e a pele suja de terra e sangue seco, estava Helena.Os olhos dela varriam a multidão com um desespero surdo. O coração batia tão alto que era como se o mundo inteiro ouvisse. Mas ninguém ouvia. Ninguém via. Para eles, ela não era Helena. Era um monstro. Uma bruxa. Um espetáculo.O padre Mathias erguia os braços e gritava passagens sagradas, cuspindo condenação entre cada palavra.— Qu
A vila ardia em sombras e fumaça.Casas fechadas, portas escancaradas com pressa, barris tombados, sangue misturado à lama — tudo era sinal da guerra silenciosa que se espalhava como praga. Os gritos haviam diminuído, mas o ar ainda tremia com a tensão de algo prestes a explodir.Padre Mathias corria por vielas estreitas, a batina rasgada pela pressa, o rosto suado e manchado de fuligem. Seus olhos se reviravam de um lado para o outro como os de um rato encurralado.— Eles vão me matar… eles vão me matar… — murmurava para si, tropeçando nos próprios pés.Passou por trás da capela, onde alguns fiéis mortos jaziam. Evitou olhar. Sua fé agora era apenas medo. Fé de que pudesse escapar.Mas o destino já o observava.
A vila estava em ruínas.O céu parecia desabar em cinzas, o fogo consumindo o que um dia fora lar, mercado, capela. O estalo das chamas misturava-se aos gritos dos feridos, ao ranger de madeira cedendo, ao tilintar de espadas ainda em choque por aqui e por ali. O caos reinava — um caos sem glória, nascido do ódio, da injustiça e da retribuição.Tristan segurava Helena firme contra si enquanto avançavam pelas ruas sujas de sangue e fuligem. Ambos estavam cobertos de marcas — cortes, fuligem, poeira — mas vivos. Vivos e juntos.— Por aqui! — gritou Bryn ao longe, abrindo passagem entre destroços com sua lâmina. — A trilha leste está livre!Tristan montou rapidame
O mundo parecia suspenso no tempo enquanto o casal cavalgava lentamente pela estrada de terra batida. O céu estava tingido de tons suaves de cinza e azul, como se o próprio horizonte estivesse em silêncio, respeitando a dor e o alívio que os dois carregavam nos ombros. A floresta já havia ficado para trás, e agora o caminho se abria em campos ondulados, pontilhados por flores silvestres que dançavam ao vento.Tristan segurava as rédeas com firmeza, mas seus olhos estavam pesados. As mãos estavam marcadas de sangue seco, os músculos doíam como se cada nervo do corpo tivesse sido retorcido. Helena se apoiava contra ele, os braços ao redor de sua cintura, tentando absorver dele um pouco da força que sempre a salvara — mas também querendo dar a ele um pouco da sua.O silêncio entre eles não era vazio. Era cheio de significados, de memórias recém-gravadas e feridas ainda abertas.Quando finalmente pararam sob a sombra de uma árvore frondosa, ambos desceram do cavalo com dificuldade. Helena
A estrada se alongava diante deles, serpenteando entre colinas douradas e campos silvestres. O cavalo trotava devagar, como se também sentisse o cansaço que pesava nos corpos de Helena e Tristan. Eles haviam deixado para trás o mundo que os feriu — a vila, as chamas, os gritos. Agora, seguiam em direção ao desconhecido. Mas o desconhecido não os assustava mais. O passado havia queimado, e com ele, parte das correntes que os prendiam.A brisa era diferente naquela nova terra. Trazia o perfume das flores do campo e de árvores que Helena não reconhecia. As cores pareciam mais vivas ali — o céu mais azul, a relva mais verde. Talvez fosse apenas o alívio, a liberdade pintando o mundo com tintas mais suaves.Tristan cavalgava em silêncio, o olhar atento à estrada. Mas de tempos em tempos, seus olhos deslizavam para Helena, que segurava firme sua cintura, o rosto apoiado nas costas dele. Estava pálida, os traços marcados pelo trauma recente, mas havia serenidade em seus olhos, como se a próp