Capítulo 01

Estava me vendo em um belo vestido branco, meus cabelos negros eram a única coisa que tinha cor ali, meus olhos castanhos faziam semanas que não brilhavam, minha pele clara se perdia na cor branca do vestido. Três mulheres enfiam alfinetes no vestido e minha mãe chorava sem parar.

— Elisabeth, por que está chorando tanto? — Uma das mulheres pergunta, enquanto enfia um alfinete no vestido.

— De felicidade! Não é mamãe? — Digo antes que minha mãe possa dizer algo que nos comprometa.

— Sim, não podia estar mais feliz. — Minha mãe diz com seus lindos olhos verdes tristes.

E eu a compreendia, afinal quantas vezes uma mãe pode ver sua filha vestida com sua mortalha, antes de estar morta?

— Pode tirar o vestido, estará pronto para o grande dia. — A mulher carrancuda diz.

— Obrigada! — Digo gentilmente e comecei a tirar os laços que estavam me sufocando.

— Filha, gostaria de ajuda?

— Não precisa. —Tirei o vestido que tanto eu odeio do meu corpo e coloquei meu outro vestido de cor lilás. — Preciso que me ajude a amarrar o laço nesse aqui. — Eu odeio todas essas fitas e laços que me tiram o fôlego, mas ela exige que todas nós usemos, dessa forma não seriam confundidas com as camponesas.

Minha mãe trançou a fita quase me deixando sem ar.

— Está me sufocando! — Falei puxando o ar.

— Desculpa! — Ela diz pisando no vestido branco que acabei de tirar.

— Não fique nervosa, tudo vai ficar bem. — Mentir para ela tinha se tornado um hábito, sempre usava palavras que ambas sabíamos que eram mentira, porém a verdade era inevitavelmente cruel.

— Não, não irá. — Ela olha para o vestido branco, eu não disse nada. —Olha só o que eu fiz! — Ela tenta em vão limpar com suas mãos, mas ela acaba chorando em cima do vestido.

— Mãe! — Ela seca as lágrimas. — Não se preocupe, irão conseguir tirar a mancha.

— Sim querida, nada atrapalha o grande dia. — A mulher diz se virando para pegar o vestido, outra mulher se aproxima e ela dá um largo sorriso.

— Você deve está feliz por ser uma das escolhidas?

— Quem não estaria? — Minha mãe fala, olhando para filha da mulher que está brincando com as fitas no chão.

— Quem não estaria? — Repito tentando sorrir, chamando atenção para mim e não para minha mãe.

— Eu daria tudo para estar no seu lugar! — Sinto uma enorme vontade de dizer: "então porque não vai, no meu lugar?", mas apenas digo...

— Sou sortuda! — Dou o mais largo sorriso que consegui.

— Não sabe quanto. — Ela diz piscando.

Eu realmente desejo ter a boa vontade dessa mulher.

— Vamos filha? — Minha mãe diz me puxando.

Todos me olhavam como se eu fosse da realeza e de certa forma é o que sou. Moramos mais próximo do castelo que qualquer um, temos as melhores casas, os melhores vestidos e joias, cada pequeno desejo pode ser realizado com um estalar de dedos.

Mas tudo tem um preço, é assim que as coisas funcionam em Tárcia e o preço que nós escolhemos temos que pagar é com nossas vidas.

Escutei alguns cochichos de uma mulher que fala com sua filha. "É ela filha, ela que é uma das escolhidas". 

Não costumávamos sair, nunca gostei dos olhares e presentes que recebia, não gosto de ter que parecer agradecida, sorrir e fingir que não sou um porco sendo preparada para o abate. Mas havia coisas que me obrigavam a ter que andar pelo reino e o vestido para a grande cerimônia era um desses motivos.

— Eu odeio sair nas ruas. — Eu cochicho para minha mãe, que me olha e balança a cabeça.

— Também filha. — Minha mãe sempre foi bonita, cabelos escuros, pele bem clara e olhos verdes, mas mesmo assim tristes. Não haveria ninguém que não concordasse comigo, ela era a camponesa mais linda que alguém já viu. — Porque está sorrindo?

— Eu queria ter nascido com seus olhos. — Falei, ela rapidamente ficou vermelha, minha mãe ao contrário de mim, não gostava de elogios.

— Pare com isso! É linda exatamente como é.

— Diz isso porque nasci sua cópia. — Ela sorri e revira os olhos, ela já havia se conformado comigo, mas a única coisa que realmente puxei do meu pai foram os olhos e o gênio.

Chegamos à enorme casa, que segundo eles era "a nossa casa." Meu pai está sentado olhando pela janela. Ele não me olha, nem ao menos parece perceber que eu estava lá, não reconheço o homem que ali está, tem os mesmos olhos castanhos profundos como os meus, mas agora não tinha vida ali. Meu pai sempre estava triste, ele tinha se tornado a sombra do guerreiro que um dia foi, mas nas últimas semanas isso tem sido pior, ele tem ficado mais distante e eu não consigo mentir para ele, não posso abraçá-lo e dizer que tudo irá ficar bem, não tenho força para isso e acho que ele sabe disso.

— Vamos filha. — Minha mãe me puxa quando percebe que eu estava prestes a chorar. Eu a sigo até o meu quarto.

— Não sei o que eu faço! — Digo me jogando na cama. — Ele sabe que não sou culpada, não sabe?

— Ele mais do que ninguém sabe. — Ela se aproxima e faz uma carícia em meus cabelos.

— E o que eu faço?

— Não há o que fazer!

— Eu não quero ir e deixá-lo assim! — Digo irritada. A verdade é que estou muito irritada nos últimos dias, estou irritada com tudo e com todos, porque eu não quero morrer, porque não quero deixá-los.

— Como se você estivesse escolhendo! — Minha mãe diz, sem me olhar, tanto ela quanto o meu pai sabiam que não havia escolha, não quando meu destino foi traçado pela rainha de Tárcia.

— Não tenho. — Sinto a minha garganta doer, mas não ia chorar, não ali, não perto dela.

— Minha filha... — Ela não terminou de falar, apenas me abraçou, não havia muito o que falar, não quando sabíamos onde a conversa iria terminar, meus pais estavam devastados e eu não podia fazer nada para mudar isso e era o que mais me doía. 

Às vezes desejo que eles fossem como os outros pais, queria que eles estivessem felizes pela honra de ter uma escolhida em sua família, mas meus pais não eram assim, eles não se importavam com o bem do reino...

— Podíamos caçar, ele sempre se alegra quando caça. — digo e minha mãe deu o que era à sombra de um sorriso.

— Sabe que isso não irá acontecer. 

— Só queria saber o que fazer. — Eu me sentia impotente, como se minhas mãos estivessem amarradas, eu não podia lutar pela minha própria vida e não podia mudar o que meus pais sentiam quanto a isso.

— Eu também, querida. — Ela beija o topo da minha cabeça, já havia se passado muito tempo desde que ela havia feito isso, muito tempo desde que eu era uma menininha que precisava de colo e consolo.

Veio à imagem de uma casinha humilde sem muito espaço e com muitas espadas, minha casa ficava longe do castelo em uma floresta, não tínhamos muito, mas nada nos faltava e, com certeza, fui mais feliz lá do que nessa casa enorme e vazia.

Essa casa não tem vida e, com certeza, nunca teve alegria. Quando nos mudamos, meus pais já sabiam que em sete anos eles perderam sua única filha e a bela casa não mudava isso.

— Filha, você quer um chá?

— Não, vou ir ver a Elaine.

— Não demore muito. — Minha mãe disse se virando para sair. — E não desça pela janela!

— Não se preocupe. — Digo olhando para janela, mas então decidi obedecê-la e sai pela porta. 

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