Capítulo 02

Caminho até a enorme casa ao lado e bato na porta.

— Sim, o que deseja? — A criada baixinha de cabelos ruivos pergunta, não gosta muito de mim, na verdade. Poucas são as pessoas que gostam, sou um exemplo do que uma escolhida não deve ser.

— Elaine está?

— Sim, pode entrar. — Ela diz se virando para ir chama Elaine, fiz uma careta, mesmo sabendo que era algo infantil, mas não havia muito que se fazer além disso.

A enorme casa da Elaine era bela e cheia de flores, ao contrário da minha que estava sem vida.

Elaine entra na sala com seu lindo vestido verde, ao contrário de mim, ela é o exemplo do que uma escolhida deve ser. Muito calma e conformada, fingi muito bem estar feliz por morrer pelo nosso reino, mas não estava, minha melhor amiga não está conformada, apenas aceita porque sua família acha que é uma honra morrer para o bem do reino.

— Foi fazer a prova do vestido hoje? — Ela perguntou de forma gentil, sempre gentil demais para o meu gosto, mas eu a adorava e por isso suportava tanto sua personalidade dócil e gentil.

— Sim, o seu dia é amanhã?

— Sim. — Ela diz, pegando um de seus cachos loiros e fazendo uma careta. — Estou nervosa!

— Ficará lindíssima. — Ela sorri, mas seus olhos azuis não me enganam, ela estava triste e não tinha ninguém além de mim e de Caio com quem pudesse demonstrar sua insatisfação.

— Eu a odeio! Por nos fazer passar por isso. — Falei e me arrependi ao olhar Elaine.

— Fique quieta! — Elaine me repreende com o olhar.

— Desculpa! — Eu digo, olhando para os lados para ter certeza que ninguém estava nos escutando. Ao contrário dos meus pais, os pais de Elaine achavam uma honra entregar sua filha para o bem do reino.

— Meu pai te proibiu de vir aqui.

— Não se preocupe, não direi mais nada aqui.

— Que tal ir para o jardim? — Elaine diz.

— Claro.

Entramos em um belo jardim e não tive tempo de apreciá-lo já que Elaine começou a resmungar.

— Dominique, você tem que parar com isso! — Ela fala irritada. —É a nossa rainha e temos que aceitar o nosso destino.

— E quem foi que disse que esse é o meu destino? — Digo arrancando uma rosa. — O destino dela não era ser arrancada, era?!

— Como a rosa não temos escolha. — Elaine sorri e pega a rosa. — Seja como a rosa e não reclame.

— Não quero, não posso fingir que estou feliz.

— Não diga isso, muitas querem estar em seu lugar. — Ela fala de forma paciente como se falasse com uma criança.

— Não, não querem! Só dizem por que é bonito porque é algo que os outros esperam ouvi.

— Pare com isso!

— Não é certo, não devia ser considerado certo nem um privilegio morrer sem lutar, morrer sem honra, sem uma história.

— Do que está falando? Somos os bens mais preciosos do nosso reino. — Por um momento Elaine fala como as outras, ela era mais como elas do que como eu, e por algum motivo isso me incomoda, me incomoda saber que eu estou sozinha, que ninguém irá se rebelar ou lutar do meu lado.

— Até as próximas escolhidas, então depois seremos esquecidas, não se lembrarão de nada sobre nós, não vão lembrar o quanto nos amavam porque terão outras para amar.

— Não penso assim, somos únicas e todas nós podemos trazer paz para nosso reino. — As palavras que nos foram enfiadas goela abaixo quando crianças agora ela repetia, como se fosse verdade.

— Morreremos pelo nosso reino! — Não podia acreditar nela, mesmo sabendo que Elaine como as outras precisavam acreditar nisso, precisavam acreditar que nosso sacrifício seria bom para o reino. Mas o que seria para nós? Ninguém pensava o quanto iríamos perder, ninguém nos perguntava se estávamos dispostas a sacrificar tudo pelo bem do reino.

— É assim que tem que ser. — Elaine disse segurando o choro, ela era melhor nisso do que eu.

— Não consigo concordar em apenas aceitar a morte.

— Dominique, não deve contrariar o seu destino. — Ela disso o que sempre nos foi dito. 

Tínhamos aulas sobre a história do reino, éramos ensinadas a amar nosso reino, doutrinadas a nunca questionar a escolha da rainha. Então por motivos que não sabemos ao certo, nosso destino é a morte.

— Eu não quero morrer! — Eu quase supliquei, mesmo sabendo que Elaine não poderia me salvar.

— Mas...

Ela tenta dizer algo, mas ela para, eu estava desabando e ela sabia disso.

— Quem vai cuidar deles? Eu não tenho um irmão como você.

— Eu não sei. — Ela me abraça. — Queria poder ajudá-la, queria te proteger disso.

— Não devia ser assim, sabia?

— Não reclame, sabe que sonhar não torna nada em realidade. — Ela se afasta para secar suas lágrimas

— O que poderia fazer, além disso? — falo irritada.

— Apenas aceite. — Elaine diz simplesmente.

— A morte?! — digo exasperada com seu conformismo.

— Você não devia pensar assim, nem sei por que ainda falo com você! — Ela parece enfim irritada, sempre ficava quando tocamos nesses assuntos,

— Por que sabe que estou certa ou me diga que você não gostaria de se casar com Lúcio, ter filhos e ficar bem velhinha?

— Seria maravilhoso, mas esse pensamento não me pertence, Dominique ter esses pensamentos te faz sofrer, pensar no futuro nos faz sofrer.

— Por quê? Alguém que você não conhece disse que deve morrer?

— É a rainha, não seja abusada. — Elaine me olha irritada.

— Eu quero lutar, eu quero conhecer o mundo em um barco, eu quero experimentar de tudo, eu quero viver.

— Você é mulher e mesmo que não fosse morrer, não iria fazer essas coisas.

— Eu odeio regras, odeio esse vestido, acho que deve ser bem melhor usar calças!

— Isso é impossível! — Ela me olha horrorizada 

— Nada é impossível. Não sei como se conforma com tudo.

— Meu pai diz que é o melhor para mim, quem sonha demais se torna triste.

— Seu pai é mentiroso!!!

— Não diga isso! — Ela se enraiveceu. — Você é muito abusada. — Elaine sai me deixando sozinha. 

Acho que exagerei desta vez, mas não fiquei sozinha por muito tempo, o lindo irmão dela logo veio ao meu encontro.

— Por que minha irmã passou bufando? — Caio pergunta.

— Por que eu disse que seu pai é um mentiroso. — Digo com toda a certeza do mundo para o menino de cabelos loiros e olhos azuis, que sorria para mim.

— Há entendi por que ela estava dizendo "Abusada, abusada". — Ele se senta ao meu lado, o adoro. Caio é irmão gêmeo de Eliane, mas ao contrário da irmã ele tinha uma grande tendência a dizer sim para mim.

— Não sei como ela pode aceitar a morte! — Digo colocando minha cabeça em seu ombro.

— Você usa essas mesmas palavras há sete anos. — Ele disse virando seus olhos azuis para me olhar.

— Lembra quando nos três queríamos fugir? — Eu digo tentando sugerir uma ideia absurda, então ele ficou sério.

— Não deu certo. — Ele sabia o que eu estava pensando, mas nada disse, ele se ajeitou, parecia desconfortável.

— E se tentarmos de novo? — insisti e ele pareceu pensar, Caio não disse sim e nem sorriu, o que não era algo comum nele.

— Não. — Ele disse sem me olhar, sem me dizer o motivo apenas "não" foi o que disse me surpreendi e me irritei com ele.

— E por que não?

— Você só diz coisas insanas. — Ele não sorriu dessa vez, se arrumou para me olhar, sabia que estava me magoando, mas não disse nada para me consolar.

— Caio! — Minha voz saiu mais rouca do que normal, sentia minha garganta doer. — Sei que você não quer que ela morra.

— Ela minha irmã, claro que não quero vê-la morta. — Ele disse simplesmente, mas dessa vez ele desviou o olhar.

— Então?! — Caio me olha e sorri, mas não do jeito certo, não do meu jeito favorito, era apenas um sorriso sem emoção alguma.

— Eu não posso. 

— Por quê? — Eu precisava entender, precisava saber o que foi feito com Caio.

— Você sabe que não tem para onde fugir! — Ele passou a mão por meus cabelos. — Não tem como fugir.

— Então está me dizendo que devo morrer? — Ele vira o rosto, mas posso ver que está lutando com as palavras.

— É o seu destino. — Foi como um tapa, assim sem perceber sem me dar conta ele tinha me machucado, conseguiu me pegar desarmada.

Eu apenas o olhei, queria machucá-lo, queria que ele sentisse o que eu estava sentindo.

— Seu covarde! — Cuspi as palavras que magoaram qualquer bom cavaleiro.

— Não seja injusta! — Ele me olha ofendido. — Não quis dizer isso.

— Você desistiu dela! Desistiu de mim! — Eu me afastei dele e me levantei, não o olhei enquanto corria.

— Dominique espere! — Ele grita, mas finjo não escutar.

Corro o máximo que posso e quando canso encosto-me a uma árvore, seco as lágrimas e me sento olhando para o enorme castelo na minha frente. Lembro-me de olhá-lo de longe, lá da floresta, era tão pequeno e distante, era um sonho, eu me imaginava sendo a primeira cavaleira mulher, eu realmente acreditava que daria certo, que eu seria como o meu pai.

Caio se aproxima e se senta ao meu lado.

— Eu não posso fazer isso. — Ele diz e coloca a mão na cabeça, cobrindo o rosto, parecia desesperado, como se estivesse com medo.

— E por quê? — Digo tentando ver seu rosto, mas ele pega minha mão e me encara.

— Sejamos sinceros para onde iriamos? E como garantiremos que ela não irá nos achar?

— E não quer me salvar?! — Digo soltando minhas mãos da sua, apenas para ele a pegar novamente.

— Eu te amo tanto, mas temos nossa família.

— Não entendo! — Digo me afastando dele.

— Quem acha que irá pagar por nossa insolência? — Ele me olha com raiva, mas não era de mim, Caio estava com raiva de tudo, podia ver, podia sentir.

— Eu...

— Não pensou, eu sei! Sempre imprudente! Meu pai me fez ver que não temos escolha. — Ele se aproximou novamente. — Sua família e a minha não irão ser perdoados, sabe disso.

— Eu só....

— Meu pai me fez ver isso. — repetiu. — Ele disse que tentaria me convencer, que isso nos levaria para morte e não só eu, não seria apenas nós, toda nossa família pagaria. — explicou melhor a conclusão que seu o pai o fez enxergar. — Não tem como fugirmos e deixarmos eles e não tem como levá-los.

— Eu só não quero morrer! — Falei e ele sorriu novamente sem qualquer brilho no olhar.

— Também não quer que eles morram? — questionou se aproximando para me abraçar e eu deixei.

— Não!

— Vê como isso é impossível? — Ele sussurrou. — Não temos como fugir, não sem uma consequência terrível.

— Eu sei. — Falei e me aproximei mais do seu corpo, podia sentir seu coração batendo e com isso me acalmei. — Por que eu?

— Não sei! — Ele sussurra.

— Isso deve ser meu destino e devo aceitá-lo. — Falei desanimada.

— Como se pudesse. — Não podia ver, mas sabia que sorria, Caio sempre sorri.

— Eu tenho que tentar aceitar. — Ele me aperta com mais força, posso sentir que ele puxa o ar, como se estivesse lutando para não chorar.

— Talvez podemos encontrar uma saída.

— Não temos esperança, sabe disso, não queira se enganar. — Digo me afastando para ver seu rosto.

Ele é bonito, eu não penso muito nisso, mas agora quando estamos tão perto não têm como não pensar que ele é perfeito, seus cabelos são ondulados e loiros e quando sorri, e quase sempre ele o faz tudo fica bem.

Mas ela conseguiu estragar isso, ela está destruindo tudo.

— Só de pensar em você...

— Eu sei! — Eu coloco as pontas dos meus dedos em seus lábios. — Não fica preocupado, gosto quando sorri. — Ele tira minha mão e me beija. O beijo era suave, maravilhoso e por um momento eu me esqueci de tudo, mas uma vozinha irritante me lembrou de que era mais uma coisa que eu teria que perder.

Meu coração acelera, sinto minha face ruborizar, mas não penso muito antes de me afastar e começo a correr.

— Espere! — Ele grita. — Não queria magoá-la.

Ele não entende, eu não queria sentir aquilo, não queria sonhar com coisas que não cabiam no meu futuro.

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