DOIS

Abla Dinis

Quando ela foi? — Não me importei se a pergunta soou rude.

Ontem! — Respondeu calmamente. Meu coração estava apertado desde ontem, só que eu não sabia o porquê, até agora.

Agradeço pela informação. Entrei correndo, tomei um banho rápido e me preparei para sair de novo. Ela não me disse que estava grávida, na verdade não nos comunicamos muito nesses sete anos separadas. Como é que ela falaria?

Quando cheguei ao hospital, estava lotado. Não estranhei, afinal, o SUS no Brasil é uma miséria. Andei para cima e para baixo, para ter uma notícia da minha irmã e não foi fácil. As informações eram sempre contrárias, sempre diferentes.

Família de Panyin Dinis? — Ouvi gritarem.

Aqui! Levantei a mão, eufórica, e corri para onde a mulher me chamou, estava um pouco longe.

Siga-me, o médico deseja falar com você! — Informou friamente, sem ao menos olhar em meus olhos. Achei uma falta de empatia da parte dela, afinal de contas, estou nervosa, e com muito medo que algo esteja acontecendo.

Fui até a sala do médico a contragosto, porque na verdade, eu preferia ver a minha irmã, primeiro, claro, meu sobrinho ou sobrinha. Entrei na sala e analisei a feição do tal médico. Eu vi imparcialidade, e algo a mais como... Pena. Eu não entendo por que ele está me passando isso. Droga! Essa porra hoje parece que é viral.

Boa tarde! Quero que diga qual é a real situação, da minha irmã, e, por favor, sem rodeios. Ele assentiu compreendendo, e fez o que pedi.

Sua irmã deu entrada em trabalho de parto. — Falou tranquilamente.

— Isso eu já sei, doutor! Quero saber, por que está me olhando com pena. — O olhei contrariada. — É o bebê, é isso? Como está o bebê, doutor?

Na verdade, são os bebês! — Sorriu. — São duas meninas muito saudáveis!

Gêmeas!! Senti algo tão bom por dentro. Eu tenho duas sobrinhas, isso é maravilhoso.

E a minha irmã? O sorriso do médico desapareceu. Meu coração começou a bombear rápido em meu peito.

Houve uma complicação no parto, ela perdeu muito sangue, eu... — Engoliu seco. — Receio que ela não tenha muito tempo. 

Levantei exasperada, derrubando até a cadeira no chão.

Como assim? — Apertei meus punhos. — Quero ver minha irmã, doutor!

Claro! Venha comigo. Ele me levou até a UTI, e me mandou vestir uma roupa esterilizada.

É nesse quarto. Entrei sem olhar para a cara do médico, e me dirigi até o leito onde ela está. Quando a avistei, a primeira coisa que vi foi a sua palidez. Ela está tão magra. Como eu pude abandonar a minha irmã? Como?

Pan! Chamei com lágrimas nos olhos.

Ablinha! Falou com dificuldade o apelido que me colocou desde a nossa infância.

Não fale, isso pode lhe deixar cansada. Ela riu tristemente, antes de falar.

Eu estou morrendo minha gêmula. — Disse normalmente, fazendo meu coração sangrar.

Pare de falar isso, você não pode me deixar. — Falei desesperada. — Você está vendo?  Eu voltei! Nós vamos ficar juntas agora. Eu, você e minhas sobrinhas.

Abla, me escute. Ela pediu com dificuldades, só que eu não quero aceitar.

Deixe-me ser o seu abrigo, deixe eu lhe proteger minha Pan. Eu pedia com tanta dor. Como se uma parte minha estivesse sendo tirada de mim.

Abla! — Implorou.

Por favor, pare.  Precisa de descanso, com toda certeza ficará nova em folha! Eu pedia, dilacerada. Mas ela não me escutou, estava determinada a falar.

Quero que me prometa uma coisa. Mesmo com o obstáculo que é a sua respiração, não desistiu de falar. Eu não aguentava ver a minha irmã sofrendo desse jeito.

Tudo o que quiser. Falei por fim, para ela falar de uma vez, e depois descansar.

Cuida das minhas filhas por mim, dê todo o amor que não poderei dar as duas.

Não fale assim. — Pedi com os olhos cheios de lágrimas. — Se você morrer, eu morrerei junto, você me completa Pan. Como posso perder uma parte de mim?

Você não pode morrer comigo! — Declarou séria. — Não faça isso.

Me perdoe por tê-la abandonado, eu deveria estar lá por você.

Você só seguiu o seu sonho, assim como eu seguir o meu. Estou muito orgulhosa de você, eu a amo.

Também amo você. Eu já estava em prantos. Já vi muitos morrerem, eu sei quando a morte está por perto, e nesse exato momento, ela está aqui nos rondando.

Promete que cuidará de Nia e Niara? — Perguntou com um meio sorriso.

Com a minha vida! Você quer que eu coloque o nome delas assim? — Dei um meio sorriso, em meio às lágrimas.

Quero! — Afirmou. — Nia significa...

Desígnio, e Niara aquela que tem grandes propósitos. Nós duas falamos juntas. Ela deu outro sorriso triste, cortando o meu coração.

O pai delas? — Perguntei apertando sua mão fria.

Eu não sei quem... Não conseguiu terminar.

Meu Deus, a minha irmã precisava de mim, e eu não estava aqui para protegê-la.

Me perdoe minha irmã, eu falhei com você. Falei novamente, me sentindo culpada.

Não se culpe pelas minhas escolhas, eu escolhi viver dessa forma.

Mas... — Tentei falar, mas ela não deixou.

Shiii! Não quero que fale mais desse jeito. — Exigiu. — Não pode carregar o mundo todo nas costas. Promete para mim?

Está bem! Agora pare de falar, e descanse, por favor. Eu implorei. Ela me chamou para perto dela, e me deu um beijo no rosto. Sentei ao seu lado, e zelei pelo seu sono. 

Ela respirava lentamente e cada vez, mais devagar. Teve uma hora que ela deu um grande suspiro, e parou de vez. Os aparelhos começaram a apitar, e eu comecei a entrar em pânico.

Pan, Pan, acorda. Não brinca assim comigo... Acorda! Eu gritava chacoalhando os ombros dela. Uma enfermeira entrou e pediu para eu sair enquanto o médico a olhava. Eu me debatia para me soltar e voltar para dentro, só que não deixavam. Os vi tentando reanimá-la e nada acontecia.

Hora do óbito 15h00min! Ouvi a voz entristecida do médico, olhando para o leito onde minha irmã jazia inconsciente.

Eu não conseguia acreditar que a minha irmã estava morta. Que a minha metade não estava mais neste mundo. Eu sinto como se ela só estivesse esperando por mim para dizer adeus. Era como se soubesse que eu estava a caminho. Eu fiquei aérea, sentada no banco da recepção, sem conseguir me mover.

Abla Dinis! — Quando ouvi chamarem pelo meu nome, me levantei no modo automático, e fui ver do que se tratava.

Qual é o problema?

É sobre os bebês! Eu não havia esquecido delas, eu só estava dando um tempo para assimilar tudo.

Onde elas estão? A mulher me levou até onde eu poderia vê-las, e foi me passando algumas informações.

Você pode vir buscá-las amanhã!

Certo! Eu disse. Mas na verdade estava em pânico, eu nunca cuidei de um bebê, ainda, mais de duas, e ainda por cima, recém-nascidas. Como irei alimentá-las? O resto é fácil, procuro no G****e, agora e o leite materno, que é essencial para os primeiros meses de vida?

Bem, eu saí do hospital com esses pensamentos em mente, tentando achar uma solução para minha vida, que mudou drasticamente, novamente. Estou no ônibus a caminho de casa, eu tento conter as lágrimas, porém, elas são teimosas e caem sem parar. O ônibus parou na sinaleira, e eu olhei para o lado. Vi um carro muito luxuoso, provavelmente quem estava dentro deveria ser muito rico. Na verdade, riquezas nunca encheram meus olhos. O que atraiu meus olhos ao carro foi a sua singularidade. Ele é todo preto, e tem seus vidros todos filmados, não dá para ver nada por dentro, e isso me incomodou um pouco. Quando os carros começaram a rodar novamente, eu dei graças a Deus. Por incrível que pareça, ver aquele carro me deu uma vontade louca. Uma vontade de ir embora desse estado, e renovar as nossas vidas.

É isso que vou fazer. Eu irei embora daqui, com minhas sobrinhas e recomeçar do zero. Só preciso encontrar o lugar certo.

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