Capítulo 5

Quando chegou em casa, Daisy sentia-se frustrada com o rumo dos acontecimentos. Na verdade, sendo sincera consigo mesma, sua incompetência dominava todos os seus pensamentos. Ela possuía uma missão simples e objetiva: procurar pistas. No entanto, nada além de uma possível coincidência conseguiu contar para Giovani.

— Acho que foi nele que esbarrei na entrada do elevador.

— E você não se lembra do rosto da pessoa? — Mesmo que estivesse do outro lado da linha, ela conseguiu detectar a incredulidade na voz do amigo.

— Estava com tanta pressa que nem me importei com isso.

— Então voltamos ao ponto de partida. Um homem, palavras soltas e as suas desconfianças. Talvez não lhe reste alternativa, a não ser ele aparecer novamente em suas visões.

Sim, ela pensou em responder. No fundo, até verbalizou essa constatação, principalmente quando sua chefe ligou cobrando aqueles benditos relatórios intermináveis. Porém, sua mente havia ganhado vida própria, e nem mesmo o medo de perder o emprego apaziguava o desconforto da incompetência. Sendo assim, uma ideia bem plausível se desenrolou entre os gráficos coloridos. E, na primeira oportunidade, ou melhor, na primeira ida ao banheiro, Daisy dirigiu-se até a sala de segurança do prédio e implorou para conferir as câmeras de vigilância.

— Só uma olhadinha, por favor. — As mãos se uniram em oração, fazendo par com sua voz particularmente doce.

— Não funciona assim aqui. Essa “olhadinha” precisa de autorização dos superiores ou um motivo bem importante. Caso contrário, todo dia alguém passa aqui querendo uma “olhadinha”. — O senhor de meia-idade mantinha as mãos apoiadas na cintura quase inexistente pela circunferência exagerada, talvez conquistada pelas cervejas.

— Mas é importante! Preciso que alguém arque com os custos da lavanderia! — Pela segunda vez, em menos de cinco minutos de conversa, ela se arrependeu de não ter inventado algo mais substancial para verificar as imagens. O medo de tornar uma mentirinha em uma situação mais complicada havia limitado suas palavras.

Ele parou uns instantes e, através das lentes sujas dos óculos de armação preta, leu no crachá o nome da moça que teimava em burlar o sistema.

— Daisy, descobrir quem derramou suco na sua blusa não me parece algo assim tão relevante. Você deveria ter visto isso na hora do incidente.

— Eu sei, mas estava com pressa... — Uma ideia lhe veio à mente. — Certo. Então... — respirou fundo e torceu para dar certo — que tal se você olhar e me contar somente dois detalhes? Assim ninguém estaria fazendo nada de errado, certo? O senhor fará somente o seu trabalho. Por favor. Prometo não o perturbar mais.

Ela exibiu sua melhor face – treinada na frente do espelho para usar com a mãe – de menina doce e implorou com as mãos unidas.

— Bem que a minha esposa comentou hoje cedo que o meu horóscopo não estava tão favorável. — O bufo veio sem muita educação. — Diga, menina.

Daisy sorriu, enquanto se imaginava dando pulos de alegria.

— Só quero saber se a pessoa que sujou a minha blusa trabalha aqui na empresa e, se possível, em qual departamento.

Com a promessa de realizar aquele comando dentro do tempo propício para o funcionário vigilante, a pesquisadora amargou o resto do seu dia. E, quando acreditou na falha daquele compromisso, o senhor regido pelo horóscopo diário ligou avisando que não reconheceu o cara do suco e dizendo, em sua defesa, que seu turno costumava ser o da noite. Talvez esse fosse o motivo para não poder ajudá-la com mais precisão com os funcionários diurnos. Como dizia sua falecida avó paterna: “Daisy nadou, nadou, nadou e morreu na praia.”

— Estou vendo que o seu dia não foi muito bom. — Absorta em suas lamentações, ela só percebeu a presença da mãe quando a voz cadenciada chegou aos seus ouvidos. Ao fundo, uma música estilo “vamos mexer os quadris” enchia a casa de alegria e ritmo.

Daisy a encarou, permitindo-se alguns minutos de paz e liberdade. Sua família, seu consolo, sua base, possuía uma mistura de culturas que, para muitos, não passava de uma bagunça, quando, na verdade, era totalmente o oposto. Ou não.

Para um melhor entendimento, a pesquisadora costumava resumir essa miscigenação em três lados. Por parte da sua mãe, a cultura asiática possuía a determinação e resistência; em se tratando do lado paterno, o fervor dos espanhóis ganhava nos decibéis qualquer discussão. Contudo, e talvez o que mais ajudava a mesclar todas as características em seu DNA, era o fato de que seus pais eram descendentes dessas culturas, mas não totalmente originais, afinal, ao longo dos anos, somente as avós de Daisy poderiam ser consideradas “legítimas”.

Sendo assim, parecia absolutamente normal, num jantar em família, ter uma diversidade de comidas e costumes, da mesma maneira que a música latina que vinha dos alto-falantes de uma caixa portátil de som regia o gingado de Jina, a mãe de Daisy

— Não foi dos melhores... — Viu a mãe aproximando-se dela seguindo o ritmo da música. Deu-se conta do que viria a seguir, uma tradição iniciada pela matriarca. Espantar a tristeza com dança e muita música era uma característica daquela senhora de traços orientais.

Daisy aceitou as duas mãos estendidas em sua direção e, sem qualquer vergonha ou pretensão em ignorar o chamado, aceitou que o ritmo contagiante afastasse suas amarguras.

Minutos depois e com a música no repeat, as duas ensaiavam um passo bem simples e alegre. Os quadris se mexiam conforme suas risadas se misturavam com as batidas. Jina cantava o refrão, enquanto a filha vinha logo atrás remexendo o corpo.

A tristeza parecia algo distante e ilusório diante da felicidade em compartilhar com a mãe aquele momento tão significativo. Quantas e quantas vezes o mesmo gesto tinha se repetido pela casa? Principalmente quando suas visões a perturbavam. Jina sabia como aliviar os temores que o dom representava na vida da família Lopez.

Depois de um refrão ou dois, o pai e a irmã mais nova surgiram para juntar-se à dupla. O trem improvisado e liderado pela matriarca seguia pela cozinha e sala de jantar aos risos, a letra cantada num improviso. A excitação daquela família singular e unida pela solidariedade aumentava conforme – ou como previsto pelo horário – as irmãs mais velhas, Dahye e Danbi, chegavam do trabalho, largando as bolsas pelo caminho e juntando-se ao trenzinho latino.

Daisy esqueceu-se por completo do seu dia insatisfatório e da esperança nas palavras soltas ditas por um homem misterioso. Enquanto se deixava levar pela maravilha que era fazer parte daquela família, não se questionou sobre seu futuro, sobre seu dom.

E somente bem mais tarde, quando o bem-estar preencheu seu coração, ela pegou o celular para consultar o aplicativo de streaming e deparou-se com uma mensagem que alterou o equilíbrio dado por Jina.

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