Na manhã seguinte, Deise despertou às dez da manhã. Não se recordava de que horas havia adormecido. Provavelmente, em algum momento da madrugada, sua mãe desligou a televisão do quarto.
Se espreguiçando e bocejando, Deise levantou. O banheiro estava ocupado. O restante da casa estava vazio.
Deise foi até a geladeira para pegar água e se alegrou ao ver que André tinha comprado meia peça de mortadela. A garota adorava comer mortadela com pão ou mesmo nas refeições, seja frita ou em sua forma padrão. Sua mãe também era ávida pela iguaria de origem italiana.
Pelo menos uma vez ao mês, André comprava a peça, visto que a família comia em todas as refeições, então tornava-se econômico para o homem que era o provedor da casa. O padrasto de Deise havia feito compras logo cedo, deixou-as no apartamento e saiu para encontrar os amigos.
Quando Maria saiu do banho, já encontrou a filha devorando um pão com cinco fatias de mortadela e tomando café que ela mesma tinha feito para as duas.
Maria se reuniu com Deise e optou pelo mesmo desjejum que a menina. Elas conversaram sobre o desfile e opinaram sobre suas preferências e palpites sobre a grande campeã.
Após a refeição, Deise escovou os dentes e sua mãe foi para o quarto para ajeitar o cabelo. Habilmente, Maria penteou e prendeu o cabelo com grampos a fim de fazer uma touca. O objetivo da mãe de Deise era tornar lisa suas madeixas onduladas.
Pouco tempo depois, Deise já estava saindo de casa para dar uma volta pelo condomínio e ver se tinha alguém para brincar ou conversar com ela.
Na área do condomínio já deu logo de cara com um grupo de quatro garotos bem desagradáveis: Michael, Vinícius, Douglas e Christian.
Deise já havia estudado com Vinícius e Christian, e ambos tinham o hábito de provocar Deise com brincadeiras ofensivas. Deise cogitou retornar para casa, mas assim que deu meia volta encontrou outra pessoa detestável.
Era Heloísa, chamada apenas de Helô, e acompanhada de seu irmão, Leandro, conhecido na área como Lolô, que passou por Deise dando um grito para assustá-la e foi se juntar com a turma dos maloqueiros do condomínio. Helô se aproximou de Deise, a observando dos pés à cabeça.
— Olha, só! Quanto tempo não te vejo hein, Deise! — Helô disse aos berros.
— É! — Deise torceu os lábios.
— Fiquei sabendo que você está estudando em colégio de patricinhas, é verdade? — Helô estava muito próxima de Deise.
— É! Um colégio particular! — Deise falou se afastando, tentando evitar o contato físico com Helô.
— E como você conseguiu ser aprovada? Nem tem cara de patricinha! E com esse seu cabelo bandido! — Helô puxou o rabo de cavalo de Deise para trás, provocando a menina.
Helô frequentemente era cruel com Deise, se referindo a uma piada sobre o cabelo de Deise, por ser crespo e volumoso e estar sempre preso. Também estudaram juntas e nunca foram amigas, apesar de Deise ter tentando quando a conheceu. Helô era uma garota invejosa e fazia questão de chatear Deise e Miriam que eram amigas verdadeiras. Helô também não suportava ouvir todos os professores elogiando Deise dizendo que ela era um exemplo a ser seguido.
Deise ignorou a agressão e o comentário irritante de Helô e tentou voltar para casa. Mas a jovem atrevida a agarrou pelo braço.
— Espera aí! Não precisa ficar emburrada, não. Vem comigo que eu vou te contar um segredo.
Helô saiu puxando Deise pelo braço, que se deixou ser levada acreditando que Helô falaria alguma coisa sobre Edson.
No entanto, a maquiavélica garota levou Deise até bem próximo ao grupo de meninos que as observavam. Após passarem por eles, Helô levantou a saia da jardineira que Deise usava, revelando parte do bumbum dela para os meninos verem.
Percebendo rapidamente a ação mal intencionada de Helô, Deise afastou a mão dela e reacomodou sua saia.
— Qual seu problema? Sua louca! — Deise gritou.
Os garotos gargalharam da cena que já havia sido premeditada por Helô que tinha pedido para o irmão avisar aos outros garotos sobre o que ela faria.
Deise passou correndo por todos, quase chorando, retornando para seu apartamento.
Helô sempre era cruel com Deise. Mesmo sendo bonita e tendo todos os garotos da escola e da vizinhança aos seus pés, não aceitava que uma garota que ela considerava feia pudesse ser popular e ter garotos que se interessassem por sua pessoa. Helô sabia que tinha garotos que eram interessados em Deise, mas tinham medo de se aproximar dela, por ela ser muito estudiosa e bondosa, já imaginavam uma rejeição. Gilmar e Michael eram dois desses garotos que em algum momento pensaram em namorar Deise. Gilmar fazia piadinhas sem graça para ver Deise sorrir. No sétimo ano, era evidente o interesse dele por Deise. A turma toda zoava o menino, dizendo que ele estava apaixonado por Deise. Como ele se calava, Deise achava que era apenas implicância da turma. Por outro lado, Michael já tinha tentado se aproximar mais de Deise, porém, a menina, em respeito às amigas, nunca deu maior abertura para o garoto galanteador que tinha a fama de ficar com todas. Em seu íntimo, Michael não queria ferir os sentimentos da colega de escola.
Deise subiu as escadas rapidamente, saltando os degraus de dois em dois. Às vezes tinha raiva de Helô, por ela ser tão cruel. Às vezes queria ser bonita como ela. Helô impressionava com seu cabelo lindo, longo, negro e liso. A jovem desinibida estava sempre cercada de garotos que babavam, a admirando com suas roupas justas e curtas sempre rebolando ao som de uma música do É o Tchan! A danada sabia de cor todas as músicas e coreografias do grupo e se gabava de seu esbelto corpo encantando os meninos da escola e do condomínio. Para Helô, não faltavam pretendentes, contudo, nunca estava satisfeita. Invejava Deise que era filha única e não tinha que dividir espaço com um irmão e tio. Invejava a admiração que as pessoas sentiam por Deise. A invejava por ter uma melhor amiga. A invejava por ser esguia. Inveja era tudo que Helô tinha em seu coração.