MELINAO amanhecer chegou silencioso, arrastado por uma névoa pesada que cobria a floresta como um véu de luto. Na cabana, o silêncio entre nós dois era espesso e sufocante.Eu já estava de pé, de frente para Amarok, com as costas eretas como uma rival diante do seu inimigo. Ele calçou o coturno de couro sem dizer uma única palavra e pegou sua faca de caçador com uma frieza de um soldado que partiria para a guerra. Mas antes de sair, parou na soleira da porta e olhou para mim, dizendo:— Eu vou caçar alguma coisa para você comer e volto logo. Não respondi e sequer o olhei na sua direção, mas uma ideia já tinha se formado na minha cabeça. Assim que o Alfa se foi e desapareceu entre as árvores, me movi como se fosse uma sombra.Sem levar nada, corri para fora da cabana e mergulhei na mata, tomando todo o cuidado do mundo para não pisar em um graveto e ele escutar. A floresta era densa, úmida e o frio cortava como se fossem facas finas, porém continuei correndo sem olhar para trás e o m
MELINAOs dias se arrastaram como uma eternidade sem fim para mim, enquanto continuava acorrentada na pequena cabana que se escondia entre as árvores da floresta e as montanhas. Eu estava presa, a corrente envolvendo meu tornozelo como uma serpente gelada, impedindo qualquer tentativa de fuga minha.Até mesmo pela imaginação. A cada movimento brusco, o ferro machucava cada vez mais a minha pele, deixando feridas abertas que com certeza deixariam cicatrizes que contariam a história do meu cativeiro.A janela de vidro à frente era o meu único consolo, pois por ela conseguia ver a floresta livre, os galhos dançando ao vento e os esquilos que vinham e iam como se zombassem de mim. À noite, a lua surgia cheia e redonda, como se também estivesse aprisionada no céu, igual a mim.Amarok agora era uma sombra do homem que conheci naquele dia na floresta. Ele não me olhava mais nos olhos e só entrava, deixava comida, me observava em silêncio e sumia na floresta. Como se tentasse compensar que
MELINAA primeira coisa que eu senti ao abrir meus olhos foi o calor, mas não o da febre, pois essa já havia cedido, era a quentura de algo mais confortável e macio. Então percebi que era um cobertor pesado e quente que me envolvia. A lareira queimava calma no canto da cabana e, pela janela, a luz suave do amanhecer banhava o chão de madeira.Pisquei, sentindo-me bastante confusa. Meu corpo ainda doía, porém não mais como antes.Tirei o lençol e me sentei com um pouco de dificuldade na cama. O meu tornozelo latejava, porém notei que havia um curativo envolvido com cuidado e perfumado com ervas medicinais.Virei a cabeça devagar para o lado, vendo que Amarok dormia sentado no chão, encostado na parede ao lado da cama. Sua cabeça estava tombada para o lado e os braços cruzados contra o peitoral, visivelmente exausto. O observei por longos segundos em segredo, o meu coração apertado de raiva e algo mais perigoso que beirava a confusão, já que o mesmo homem que tinha me acorrentado como
MELINAMesmo tendo se passado cinco dias, meu corpo ainda carregava as cicatrizes finas no tornozelo esquerdo. Não havia mais correntes, mas ainda não era o suficiente para me sentir livre.A cabana era minha nova prisão e o Alfa, agora cuidadoso e paciente, ainda era meu carcereiro. Amarok passava boa parte do tempo fora, caçando, trazendo comida e colhendo ervas frescas para fazer chá. Quando voltava, me tratava com uma delicadeza desconcertante e a mesma mão que antes me dominava com força, agora me oferecia tigelas de sopa quente e chá. O silêncio desconfortável ainda reinava sobre nós, mas depois de eu quase morrer por causa de uma infecção, algo no olhar e nas atitudes do Alfa tinha mudado.Então, essa manhã, me sentindo revigorada e disposta a voltar a lutar com unhas e dentes por minha liberdade, decidi agora de última hora que iria começar o meu plano diabólico.Eu iria seduzir Amarok e fingir que tinha aceitado ele como meu marido e, quando ele abaixasse a guarda, finalment
MELINAO olhar de Amarok queimava meu rosto e meu corpo inteiro, da cabeça aos pés. Eu ainda estava próxima dele, o perfume bruto da sua pele quente invadindo os meus sentidos, como se me chamasse para mais perto dele e para tocá-lo. Sorri com atrevimento, inclinando o rosto para o lado, provocando-o com leveza e com a certeza de que, mesmo com cicatrizes, mesmo prisioneira, eu ainda poderia ser esperta e forte.Ele se moveu rápido, feroz, e quando percebi já tinha sido empurrada contra a parede de madeira com força e com o corpo grande dele dominando o meu. As mãos dele seguravam meus pulsos acima da minha cabeça e o peito dele arfava de puro desejo contido, enquanto eu só sabia arrancá-lo e espirar ofegante.— Não brinque com fogo se tiver medo de se queimar, pequena humana — ele disse com a voz rouca, carregada de sombra, e seus olhos vermelhos brilhando em um alerta silencioso. Não desviei o olhar, muito menos tremi, mesmo quando o medo ainda estava entalado e disfarçado na min
MELINA O silêncio da manhã seguinte era pesado demais para mim, principalmente por acordar sentindo o cheiro dele em mim. Não porque dormimos juntos, pois Amarok dormiu no chão e desapareceu antes mesmo de eu acordar, mas porque a lembrança da noite anterior ainda estava viva em cada centímetro da minha pele.Inconscientemente toquei os meus lábios devagar, como se tentasse lembrar do gosto único dele na minha boca e ao mesmo tempo tentando apagar o sabor dele da minha memória, mas infelizmente não conseguia.Nem com raiva, muito menos com vergonha ou arrependimento.Sentei na beirada da cama, me questionando mentalmente por que tinha deixado ele ser meu primeiro beijo e me tocar se minha intenção era apenas provocá-lo para ganhar sua confiança e depois fugir, mas ainda não tinha resposta para essa pergunta.Amarok voltou à tarde, o som da porta rangendo denunciando sua presença imponente. Do jeito que estava virada para a lareira, eu fiquei, com o olhar perdido nas chamas e sem cora
AMAROK Caminhava pela floresta como se eu fosse parte dela, pois desde que me entendia por gente, esse era o meu lar. Cresci aqui com a minha falecida mãe, que fez das tripas dela força para me criar sozinha. Meu pai, um covarde, nos abandonou quando eu ainda era um filhote pequeno e indefeso, deixando toda a responsabilidade para minha mãe, que faleceu em um combate contra lobos inimigos na minha frente, enquanto eu estava escondido e encolhido entre os arbustos vendo tudo.Cresci revoltado e sendo visto como um bastardo por todos da matilha. Eu nunca consegui ganhar o respeito da alcateia, mas consegui ganhar o medo deles e, consequentemente, acabei me tornando o Alfa do bando por ter o lobo maior, mais forte e mais temido.Minhas botas pareciam pesadas quando entravam em contato com a terra úmida e o meu peito parecia muito apertado por causa de uma dor que não sabia nomear. Tinha matado três cervos antes do sol alcançar o topo das montanhas, mas não fiz isso pela fome, foi pela
AMAROK Voltei para a cabana apenas ao entardecer e, quando a vi sentada perto da lareira, lendo o mesmo livro e fingindo que eu não existia, algo dentro de mim estremeceu de raiva.Controlando meu lobo interior, respirei fundo e não disse nada, apenas observando-a. Melina tinha se recuperado totalmente e estava mais forte, mas seus olhos ainda pareciam carregar a mesma dor. A mesma sede de liberdade.Embora quisesse vê-la feliz, eu sabia que não conseguiria deixar de ser esse muro entre Melina e o mundo, pois essa ligação que tinha com ela era mais forte que tudo e qualquer coisa que já aconteceu em minha vida. Se essa humana teimosa nunca me aceitasse como seu marido e companheiro, eu teria mesmo que me acostumar a apenas compartilhar a sua presença física e nunca tocá-la como o desejo que vinha me corroendo por dentro.De maneira inconsciente, andei até o fundo da cabana onde tinha um pequeno baú de madeira com pertences antigos. Dentro tinha papéis, mapas, relíquias da alcateia