AVA
O silêncio entre nós era tão denso que chegava a doer. Sebastian continuava me encarando como se tentasse me desmontar com o olhar. Havia algo diferente nele agora. Uma faísca de reconhecimento, talvez. Ou seria desprezo? — Você é Ava Moreau? — perguntou, cada palavra carregada de ironia. Engoli em seco, mas mantive o queixo erguido. — Sou. E você é o homem que acredita que pode humilhar qualquer um e sair impune. O canto da boca dele se curvou num meio sorriso, sombrio. — Só os fracos se sentem humilhados, senhorita Moreau. Meu pai me olhou, me repreendendo em silêncio. — Peço desculpas pela atitude da minha filha, Sebastian. Não sei o que deu nela — disse ele. Meus olhos estavam cravados nos de Sebastian. E os dele, em mim. Sebastian Pierce. O CEO arrogante. O homem que destruiu meu tio. — Então é você — murmurou, a voz baixa e grave, como uma constatação amarga. — Não faz sentido. Aquilo me atingiu como uma lâmina. — O que exatamente não faz sentido? — perguntei, estreitando os olhos. Ele deu um passo em minha direção e, por um instante, o ar pareceu rarefeito. — A ousadia. A língua afiada. O desprezo pelas regras. Me disseram que você era submissa. Isso não combina com a petulante que você é. — Posso não combinar… mas você combina com tudo o que detesto — retruquei, firme. — Arrogância. Frieza. Poder sem limites e sem moral. Um canto da boca dele se ergueu, quase em deboche. Antes que Sebastian pudesse responder, meu pai se adiantou. — Ótimo — disse, como se tivesse encontrado duas peças perfeitas para um jogo macabro. — Vejo que já se conhecem. — “Conhecer” é uma palavra forte — murmurei, sem tirar os olhos de Sebastian. — Espero que o primeiro impacto não tenha sido muito… violento — disse meu pai, com um sorriso, olhando para Sebastian como se esperasse cumplicidade. Sebastian cruzou os braços. — Diria apenas… revelador. Meu pai assentiu, satisfeito, e voltou-se para mim. — Não precisamos adiar mais, então. — Adiar o quê? — perguntei, sentindo o estômago afundar. Ele ignorou minha pergunta e encarou Sebastian. — Como conversamos, o acordo está selado. Você terá tudo o que foi prometido. — E ela? — Sebastian inclinou levemente a cabeça na minha direção. — Já sabe da parte dela no jogo? — Estou bem aqui, caso queiram parar de falar de mim como se eu fosse um móvel — disparei, dando um passo à frente. Meu pai respirou fundo, como se precisasse de paciência para lidar comigo. — Ava, Sebastian será seu marido. Esse é o acordo. As palavras caíram como um soco no meu peito. — O quê? — ri. Um riso curto, nervoso, sem humor. — Isso é uma piada, não é? Diga que é uma piada, pai. — Você acha que eu brincaria com algo tão importante? — respondeu, sério. — Essa união vai garantir o futuro da nossa família. — O futuro da nossa família? — repeti, indignada. — Com esse homem? Sebastian permaneceu impassível. Nem mesmo piscou. — Ava… — meu pai começou, mas meu olhar cortante para Sebastian o calou. — Você destruiu a vida do meu tio — disparei, a voz falhando de raiva. — Byron Hastings. Lembra desse nome? Os olhos de Sebastian cintilaram. — Lembro. Um homem fraco. Sentimental demais para o mundo dos negócios. — Ele se matou por sua causa — sussurrei. — E agora você quer me forçar a me casar com ele, pai? Meu pai respondeu sem hesitar: — Não é questão de querer. É questão de necessidade. — Sua impaciência era óbvia. — Vamos para casa e conversar sobre isso em família. Uma risada sem humor escapou dos meus lábios. — Que família? — perguntei com a voz trêmula. Meu pai apenas me ignorou. Senti o mundo girar por um segundo. Meus pés estavam cravados no chão, mas minha mente já corria para longe, tentando encontrar alguma saída. Qualquer saída. E Sebastian somente me olhava, como se eu fosse mais uma peça num tabuleiro que ele já sabia como vencer. * * * O caminho para casa foi tenso. Um silêncio sufocante. Serena estava ao meu lado, alheia ao que havia acontecido, com a confusão brilhando nos olhos. Meu pai, no banco da frente, falava ao telefone com alguém da empresa — já retomando os negócios, como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse acabado de me entregar a um monstro. A mansão Moreau nos engoliu assim que chegamos. Os portões se fecharam atrás de nós como grades. E por um momento, eu me senti prisioneira da própria vida. — No escritório. Agora — ordenou meu pai, já tirando o paletó. Engoli a bile. Caminhei como quem vai para o cadafalso. A sala era escura, de teto alto, com uma estante que parecia me vigiar com centenas de olhos em forma de lombadas. Assim que entrei, Serena tentou vir atrás, mas ele a impediu. — Não é assunto para você, Serena. Suba. — E por que eu deveria simplesmente obedecer a você? — ela rebateu, rebelde. Somente a encarei, implorando em silêncio. Ela hesitou, mas obedeceu. Assim como eu fizera a vida toda. Meu pai fechou a porta, o som seco ecoou no peito como um alerta. — Sente-se — ele disse. — Prefiro ficar em pé. Meu pai soltou uma risada baixa. — Como queira. Vai ser rápido. — Sei… — murmurei. — Ava, hoje você me envergonhou. Envergonhou seu noivo. — A voz dele era dura, calculada. — Mas vai se casar com Sebastian. Isso não é uma escolha. É uma obrigação. — Isso é um castigo. — Meu peito ardia. — Como pode me obrigar a isso? Como pode sequer considerar unir nossa família a um homem que empurrou o tio Byron para a morte? Ele se aproximou, lento, predador. — Seu tio era fraco. Fraco demais para suportar as próprias falhas. Pierce apenas fez o que qualquer bom empresário faria: eliminou a peça defeituosa. Meu estômago revirou. — Ele se matou devido ao que Sebastian fez! Pela humilhação! E agora você quer me dar de presente para ele? Meu pai foi até a escrivaninha. Abriu uma gaveta e jogou algo sobre a mesa. Uma fotografia. Era eu e Caleb. Rindo, abraçados, em algum evento da empresa. — Você acha que vai jogar seu futuro fora por causa desse… romancezinho ridículo? — cuspiu as palavras. — Acha que não percebi os olhares, os sorrisos, as desculpas? Você se entregou a alguém que não pode te oferecer nada. Um segurança. Um ninguém. — Mas amo ele. — Você não sabe o que é amor — disse, agora com a voz baixa. Mais ameaçadora do que um grito. — Mas vai aprender o que é responsabilidade. Vai se casar com Sebastian. E ponto final. — Eu não vou! — gritei. — Nunca! Ele se aproximou, e antes que eu pudesse recuar, sua mão cruzou meu rosto. A bofetada foi seca. E certeira. Meu rosto ardeu. Mas a alma… a alma queimou por dentro. Fiquei imóvel. — Sabe por que você não liga para os meus sentimentos? — murmurei, a voz trêmula. — Porque você é como Pierce. Dois monstros. Não sabem amar, só sabem usar as pessoas. Somos todos peças dos seus joguinhos de poder. Meu pai me encarou com olhos de gelo. — Se você não se casar com Sebastian, quem vai pagar por isso será sua irmã. E acredite, Ava… sou capaz de qualquer coisa. Qualquer uma. Um silêncio monstruoso caiu entre nós. Eu queria gritar. Correr. Quebrar tudo. Mas não fiz nada. Apenas encarei o chão, sentindo o gosto de sangue e vergonha na boca. E ali, naquela sala escura, percebi: eu era um pássaro de asas quebradas e o casamento com Sebastian não era uma escolha. Era a única forma de impedir que Serena se tornasse o próximo alvo. Uma prisão de ouro ainda é uma prisão e eu acabava de ser trancada dentro dela.