Recentemente, Kassandra havia conseguido duas entrevistas de emprego, uma em uma pequena loja de roupas e outra em um escritório para auxiliar administrativo. As duas oportunidades a encheram de uma esperança quase esquecida. Ela se arrumou com o pouco que tinha, tentou disfarçar as olheiras e o cansaço, e se esforçou para parecer confiante. No entanto, os dias se passaram e nenhuma ligação chegou. As recusas, ainda que silenciosas, a atingiram como golpes. Kassandra ficou arrasada. Cada "não" a empurrava ainda mais para o fundo do poço de sua desesperança, reforçando a sensação de que não conseguiria escapar daquela prisão imposta por Andy.Kassandra chegou em casa depois de ir a uma entrevista de emprego.
Quando ela foi abrir a porta, ouviu vozes e risadas. Entrou apreensiva. O casal a olhou, e ela se sentiu como uma intrusa descoberta em uma festa. Fechou a porta e disse, constrangida:
— Olá, boa noite!
Andy levantou-se rápido, aproximou-se e falou:
— Vem comigo!
Ele pediu licença ao casal, que devia ter uns trinta anos e estava muito bem vestido. Ele usava camisa social e ela um conjunto de alfaiataria. Kassandra notou que a bolsa dela era de marca boa uma Schultz. Foram para a cozinha. Andy estava bravo com ela, apertou o braço dela com força e disse:
— Te avisei para deixar tudo pronto, onde você estava? Te liguei várias vezes!
Kassandra contou a verdade.
Andy respondeu:
— Você vai se passar por empregada agora. Se tivesse feito o que mandei, podia se passar por minha noiva. Prepara a mesa e pede comida! Anda logo.
Ela puxou o braço e respondeu:
— Não quero fingir ser sua mulher.
Ele retrucou:
— Você tem meia hora! Se falar algo, já sabe, é daqui direto para a rua.
Ele saiu da cozinha. Kassandra começou a chorar e a separar a louça para a mesa de jantar. Ligou para um restaurante, pediu. Eles estavam na sala, e a mesa de jantar era separada, em outro cômodo. Enquanto levava as louças para a mesa, Kassandra cruzou com a moça no corredor. Sorriu forçadamente para ela e disse, cabisbaixa:
— Olá precisa de alguma coisa? Posso ajudar?
A moça sorriu e respondeu, olhando Kassandra intrigada:
— Não, obrigada. Posso espiar a sala de jantar?
Kassandra respondeu, continuando a andar:
— Claro, fique à vontade. Eu só vou arrumar a mesa aqui, tá?
A moça ficou reparando na sala, em tudo. Kassandra colocou três lugares à mesa. Então, a moça perguntou intrigada:
— Você não vai comer conosco, querida?
Kassandra respondeu sem jeito:
— Não. Eu trabalho aqui. A senhora me dá licença?
Ela voltou para a cozinha e, quando retornou, a moça já havia voltado para a sala com eles. A comida chegou. Kassandra foi à porta pegar, e Andy também foi. Ele pagou e a acompanhou para dentro. Ela percebeu que ele estava nervoso, querendo impressionar o casal.
— Me dá dinheiro para eu sair hoje, Andy? — ela perguntou.
Ele respondeu que não, porque ela tinha que ajudá-lo. Ela ficou séria e disse, largando tudo:
— Se você não der, eu vou fazer você passar vergonha. Eu espero eles irem embora, se você faz tanta questão, mas quero um dinheiro.
Ele a encostou na pia e disse, muito próximo:
— Você fica linda brava assim!
Kassandra ia responder quando ouviu passos se aproximando. Ela se afastou dele no susto e quebrou um prato. Assim que se afastaram, o casal chegou à cozinha. A moça disse que queria mostrar para o marido o design do balcão. Ela ainda disse, toda simpática:
— Desculpa a falta de educação, Andy!
Ele, muito simpático, respondeu que não tinha problema, que só tinha ido pôr as bebidas para gelar. Kassandra estava um pouco alterada por causa dele. Abaixou-se para pegar os cacos do copo e se cortou. Andy continuou conversando com a moça e ainda a olhou com reprovação. O homem estava parado, olhando-a sério. Ele tinha olhos azuis, um olhar profundo, uma cara de má pessoa.Kassandra foi à pia lavar a mão. Ele estava encostado perto, aproximou-se e disse:
— Posso ver?
Ela balançou a cabeça que sim. Ele pegou na mão dela. Ela estava trêmula, com as mãos geladas.
— Qual o seu nome? — ele perguntou baixinho.
— Kassandra — ela respondeu em voz baixa.
Ele disse, segurando a mão dela na água:
— Você vai desmaiar?
Ela balançou a cabeça que não. Ele disse que não foi muito fundo e se afastou. Ela lavou a mão e colocou papel toalha. Eles foram para a sala de jantar e Andy disse que já voltava para ajudá-la a fazer um curativo. Kassandra já estava quase chorando. Ele voltou e começou a brigar com ela, falando que ela não fazia nada direito e que o estava envergonhando, disse que ela fez de propósito para chamar atenção. Kassandra não respondeu nada.
Foi para os fundos, no seu atual quarto, tirou os sapatos, sentou na cama e começou a chorar. Tomou banho e foi dormir, trancou a porta e não voltou mais para lá. Estava exausta de tudo.O jantar correu bem, apesar de tudo. De manhã, levantou cedo. Andy estava dormindo ainda. Ela limpou toda a bagunça do jantar e ficou na sala assistindo televisão. Quando ele levantou, não falou com ela, logo se arrumou para sair e deixou uma nota de cem reais na mesa. Disse que iria demorar para voltar e que talvez não fosse dormir em casa. Kassandra deu graças a Deus por ele a deixar sozinha. Ela ficou deitada assistindo o dia todo.
O interfone tocou. Ela abriu a porta surpresa, não estava esperando ninguém. Era Yágilla, a moça que havia ido em casa na noite anterior. Kassandra estava de camisola de renda e pantufa, bem à vontade. Abriu a porta sem jeito. Yágilla a cumprimentou com beijo no rosto e falou que havia esquecido o carregador de celular la.
Kassandra respondeu, ainda sem jeito:
— Ah sim, entra, fica à vontade. O Andy não está, ele deu uma saída!
Yágilla entrou, sentou-se na sala e disse, encarando Kassandra:
— Nem pude me despedir de você ontem... O Andy disse que você estava indisposta!
Kassandra respondeu, sem graça:
— Desculpa, eu tive um dia corrido, tenho enxaqueca às vezes.Yágilla respondeu com um tom irônico:
— Também imagino, trabalhar de salto alto e bico fino deve ser muito cansativo mesmo.
Kassandra disse que tinha tido um compromisso à tarde e que não pôde se trocar. Yágilla rebateu:
— Fiquei muito intrigada com você, Kassandra, não é? Sabe que não pude deixar de notar, ao ir no banheiro, a quantidade de produtos para mulher que tem lá, duas escovas de dentes, maquiagens de ótima qualidade.
Kassandra ficou muda, ouvindo. Yágilla continuou:
— Você quer me contar o que vocês são? Estou muito curiosa. Desculpa a minha ousadia!
Kassandra respondeu que ele tinha alguém, mas que não era ela. Yágilla pontuou:
— Uma esposa, não é? Vi a aliança dele!
Kassandra confirmou que sim. Yágilla sorriu e disse:
— E você tem uma marca de aliança que, pelo que vejo, deixou de usar há pouco tempo.
Kassandra respondeu irritada, sentindo-se acuada:
— Olha, não é por nada não, mas eu não posso falar da vida pessoal do Andy.
Yágilla pegou o carregador, levantou-se e disse que só queria saber mais sobre Andy, que ele e o marido dela estavam para fechar um negócio muito importante e de grande investimento, confessou ser um pouco curiosa.
Kassandra reafirmou que não podia ajudar, porque Andy era um pouco rígido e não seria certo expor a vida pessoal dele.