Depois de acertar todos os detalhes da minha partida, encerrei a ligação e coloquei o documento confidencial exatamente de volta onde estava.
Do lado de fora, uma conhecida mistura de cheiro de tabaco e ar frio da madrugada chegou até mim.
Levantei o rosto. Era ele.
Antônio entrou empurrando a porta, ainda com o terno impregnado pelo vento gelado. Ele me envolveu por trás, os braços firmes ao redor da minha cintura. Sua respiração quente roçou meu pescoço, e sua voz, como sempre, soou baixa e tranquila:
— Por que ainda não dormiu?
— Nada demais… Só estava pensando no meu leilão da nova coleção de joias. — Sorri, esforçando-me para parecer leve, como se tudo estivesse normal.
Ele apoiou o queixo no meu ombro, e seus dedos deslizaram suavemente pelos meus cabelos.
— Amor, você tem virado noites demais por causa desse leilão. Pedi que trouxessem um consultor de nutrição internacional. Ele chega amanhã.
Cinco anos de casamento com Antônio tinham me colocado em um pedestal de cuidados quase irreais.
Quando eu sentia frio, ele carregava adesivos térmicos no bolso e colocava um sobre minhas mãos.
Quando eu tinha medo do escuro, ele só apagava a luz depois que eu já estava dormindo.
Todos me invejavam. Diziam que o herdeiro implacável do Grupo Rodrigues, famoso por sua frieza, se rendia completamente a mim. Diziam tantas vezes… Eu mesma comecei a acreditar.
Só hoje eu entendia: toda essa dedicação era apenas a fachada perfeita para esconder quem ele realmente queria proteger.
— Ah, lembrei... — Antônio começou a distribuir beijos leves na minha nuca, falando com um desinteresse quase preguiçoso. — Seus pais me convidaram para um jantar. Estão comemorando a gravidez da sua meia-irmã, Bianca. Passei o seu leilão de joias para ela organizar. Não precisa ir. Eu entrego seu presente por você e volto rápido para ficar com você.
Senti-me como se tivesse caído em um poço de gelo.
Aquele leilão beneficente era o projeto pelo qual eu, como designer, vinha trabalhando havia três anos. Cada peça criada, cada etapa planejada, cada convidado selecionado… Tudo fora construído por minhas próprias mãos.
Por fora, era apenas um evento de caridade cheio de glamour.
Por dentro, era a ponte estratégica que eu arquitetava havia tanto tempo, um caminho de contatos essenciais para o futuro do Grupo Rodrigues. Eu havia colocado ali cada gota da minha energia.
E agora… Ele simplesmente o entregava a outra pessoa.
Engoli em seco, lutando para que minha voz não tremesse.
— Por quê? Esse é o meu leilão. Eu preparei tudo, cada detalhe. O conselho concordou que eu seria a responsável….
Ele me interrompeu com aquela suavidade calculada:
— Já conversei com o conselho. O restante ficará com a Bianca. Ela anda passando muito mal com os enjoos da gravidez, está sensível. Deixá-la cuidar do leilão pode distraí-la um pouco. E você pode aproveitar para descansar, cuidar do seu corpo.
Baixei a cabeça, tentando esconder o estilhaço que se espalhava dentro de mim.
"Ele transformou meu trabalho… No brinquedo dela."
E, ainda assim, ele não percebeu a minha dor. Continuou falando sozinho, tranquilo:
— Depois de amanhã é seu aniversário. Preparei uma surpresa. Ah, e notei que você anda muito tempo sozinha em casa. Trouxe uma companhia nova para você. Está na sala, lá embaixo. É um gato muito dócil. Sei que você ama animais.
Gatos.
Sim, eu realmente gostava de animais…
Todos, exceto gatos.
Eu tinha alergia severa a pelos de gato, e Antônio sabia disso. Nunca poderia ter esquecido.
Durante uma reunião de negócios, pouco depois do nosso casamento, a cliente levara sua gata de estimação. Bastou um toque leve do animal no dorso da minha mão para que minha pele explodisse em manchas vermelhas e minha respiração começasse a falhar.
Antônio, sempre tão calmo, tão composto… Naquele instante perdeu completamente o controle.
Tremeu ao dizer meu nome.
Me ergueu do chão num impulso desesperado, sem sequer se despedir da cliente.
Na sala de espera do hospital, sua voz quase implorava:
— Ela corre risco? Dá para tratar imediatamente? Se faltar sangue, podem tirar o meu!
O médico, assustado com a urgência dele, repetiu várias vezes que eu ficaria bem.
Só quando meus sintomas começaram a ceder é que Antônio relaxou. Mas não arredou o pé.
Passou a noite inteira acordado ao meu lado, vigiando cada suspiro, como se um piscar mais demorado pudesse me levar embora.
E agora… Ele me dava um gato?
Na mesma hora, a imagem do documento confidencial voltou à minha mente.
Bianca.
Bianca amava gatos. Eram sua paixão.
Aquela surpresa, aquela companhia, aquele presente tão cuidadosamente escolhido…
Não era para mim.
Nunca foi.
Forcei um sorriso que mal consegui sustentar.
— Obrigada, mas não precisa. Tenho receio de não conseguir cuidar bem dele. No dia do meu aniversário, você pode liberar a agenda? Preparei algo e queria muito que você estivesse comigo.
Antônio assentiu e murmurou no meu ouvido, com aquela doçura capaz de enganar o mundo inteiro:
— Claro. O que você quiser.
Naquela noite, eu não consegui dormir. Antônio me mantinha presa contra o peito, como sempre fazia, mas deslizei devagar para fora de seus braços, tentando não acordá-lo. Queria apenas respirar na sacada, clarear a mente.
Foi então que algo caiu do bolso interno do pijama dele.
Abaixei-me para pegar.
Era um pequeno frasco de perfume. Abri a tampa, e um aroma inconfundível invadiu meus sentidos.
Eu já tinha sentido aquele cheiro antes.
Nela. Bianca.
Muitas pessoas perguntavam, encantadas, de onde vinha o perfume que Bianca usava. Ela sempre sorria com um ar misterioso, dizendo que era um "segredo doce".
Agora eu sabia: era um perfume exclusivo, criado por Antônio especialmente para ela.
Naquele momento, algo dentro de mim simplesmente se apagou.
Dois dias depois, no dia do meu aniversário, eu também daria a Antônio o presente que ele, no fundo, sempre quis.
Eu sumiria da vida dele.
Para sempre.