Mundo de ficçãoIniciar sessãoMeu Deus.
O quarto para mim parecia foto de catálogo.
Tudo em tons claros, aconchegante, elegante… a cama era tão fofa que eu tinha certeza que ia afundar nela e nunca mais sair.
As paredes tinham uma iluminação embutida, suave, que deixava tudo acolhedor. O criado-mudo tinha uma luminária minimalista, delicada, com um arranjo de flores brancas fresquinhas ao lado.
E o armário? Do tamanho do meu antigo quarto inteiro.
Eu nem consegui fingir que era normal.
— Eu… nossa… — murmurei. — É lindo. Lindo demais.
Carla sorriu, satisfeita.
— Fico feliz que gostou. Você pode ficar à vontade, tá? A Laura deve chegar daqui a pouco.
Assenti, tentando parecer calma, mas meu coração estava fazendo zumba dentro de mim.
Carla saiu, e eu sentei na cama… afundando exatamente como imaginei. Até arrepio senti. Era macia demais.
E eu nunca tive um quarto só meu assim. Nunca.
***
Às 15h em ponto, ouvi um carro chegando. Levantei rápida e fui até a porta.
Laura desceu do carro devagarinho, com a mochila nas costas, a cabeça baixa… parecia um passarinho molhado. O rostinho dela estava fechado, triste, e aquilo me deu um aperto.
— Laura.
Carla a chamou.
A menina levantou o rosto e me viu pela primeira vez.
O seu olhar endureceu na hora.
— Já arrumou outra? — ela perguntou, arrastando as palavrinhas do jeito fofo de criança, mas com um gelo que nenhuma criança deveria ter.
Carla assentiu.
— Laura, essa é a Mariana. Mariana, essa é a Laura.
— Oi, Laura — falei com meu melhor sorriso.
Ela me cumprimentou educadamente com a cabeça… e então soltou:
— Eu não quero ela.
Eu quase ri. Quase. Mas mantive a postura.
Carla soltou um suspiro exausto, provavelmente acostumada.
— Pois você vai ter que aturar a Mariana, sim.
Laura não respondeu. Só virou as costas e entrou na casa, toda miudinha e emburrada. Carla fez um sinal pra que eu fosse atrás.
Subimos até o quarto dela, aquele lilás lindo. Laura ficou ali, parada, olhando pra mim desconfiada, tipo um gato arisco.
— A Mariana é divertida — Carla disse, no tom “dê uma chance”.
Laura me encarou como se estivesse avaliando se eu mordia.
Carla pôs a mão no meu ombro.
— Pode agir como quiser, Mariana. Carta branca.
Maravilha. Se eu assustasse a menina sem querer, a culpa era minha.
Respirei fundo, me abaixei um pouco pra ficar na altura dela.
— Quer ajuda no banho?
Ela só assentiu. Nenhum som. Um robozinho triste.
Entrei com ela no banheiro e a ajudei a tomar banho.
Ela era tão quietinha que meu coração doía. Lavei e enxuguei os cabelinhos escuros e lisos, vesti a roupinha que ela apontou, e depois sentei atrás dela pra pentear e deixar tudo arrumadinho.
— E como foi a escola hoje? — tentei puxar assunto.
Laura olhou pra mim só por um segundo, com uma expressão que dizia “não quero falar disso”.
— To licença… eu quelo ler um pouco — ela murmurou, formal demais pra idade.
Seis anos. SEIS.
Suspirei.
— Tudo bem. Daqui a pouco eu te chamo quando o professor de piano chegar, tá?
Ela assentiu e se enfiou na cama, pegando um livro.
Quando saí, Carla estava no corredor, de braços cruzados.
— Você foi muito bem — ela disse. — Ela é assim mesmo. Qualquer coisa, me liga.
Assenti, ainda insegura, como se eu tivesse acabado de ser testada.
Carla sorriu de leve e foi embora.
E eu fiquei lá, parada… respirando fundo, tentando acreditar que eu realmente dava conta daquele novo mundo. Porque agora… era só eu e aquela menina tão fechadinha quanto o pai.
O professor de piano chegou exatamente às quatro, todo pontual, com aquela pasta de couro que fazia toc toc na perna enquanto ele andava.
Um homem sério, mas simpático. Ele me cumprimentou com um sorriso educado, e eu respondi no mesmo tom ou tentei, né? Porque por dentro eu ainda estava nervosa com tudo.
— Vou chamar a Laura — avisei, subindo as escadas.
Assim que cheguei no corredor, reparei que a porta do quarto dela estava só encostada. E ali embaixo… algo não fazia sentido.
Tinha um espacinho maior que o normal… e uma coisinha colorida aparecendo discretamente.
Me aproximei e, quando me abaixei, vi perfeitamente o que era, uma daquelas bombinhas pequenas que estouram quando a gente pisa.
Tinha várias alinhadas, tipo armadilha de desenho animado.
Eu mordi o lábio pra não rir.
Ah, essa garotinha achou que ia me pegar de jeito.
Coisa fofa.
Eu respirei fundo, segurei a maçaneta… e sorri de canto.
Abri a porta rápido, como quem puxa um Band-Aid de uma vez só, e saltei pra frente. Dei um pulo exagerado.
Mas o importante, não pisei em nada.
Parei no meio do quarto e olhei pra Laura.
Ela estava de pé, segurando um livro, com os olhos arregalados por um segundo. Só um segundo. Porque logo depois, como sempre, sua expressão fechou outra vez, dura, séria… quase desafiadora.
Eu me apoiei nos joelhos e me inclinei levemente na direção dela.
— Você não sabia, mas eu era a rainha das pegadinhas quando criança — sussurrei, com um sorriso conspiratório.
Os olhinhos dela brilharam. Só um lampejo, mas eu vi.
Por um instante, parecia que ela ia sorrir. Ou falar. Ou qualquer coisa que mostrasse que ela não era tão geladinha assim, mas não. Ela virou o rosto e começou a andar em direção à porta.
Tá bom, baixinha. Vamos brincar, então.
— Ei, Laura.







