Capítulo 9

4 de novembro de 2016, sexta-feira.

A

nya estava em seu quarto, em casa, no terceiro andar. Rodeada de livros e com o minilaptopminilaptop que Martin emprestou para ela escrever seus artigos da escola. Quando de repente sem ela menos esperar ele entrou porta a dentroadentro. Ela ficou muito surpresa, jamais esperava ele ali, ele não avisou nada que estava voltando do mar. Ele estava fardado, com seu uniforme azul de marinheiro, pôs sua mochila no chão e a puxou pelo os pés de uma tal forma que ela veio parar na borda da cama. Ela estava usando um de seus vestidos de casa e ele se ajoelhou tão rapidamente e levantou a roupa dela retirando-a do seu caminho, rasgando a calcinha dela em mil pedaços em frações de segundos, que ela não sabia como reagir. Antes que ela terminasse a frase “Eu quero tomar um banho antes”, já estava sentindo aquela boca quente e molhada entre suas pernas, sugando com tanta vontade, como se nunca tivesse feito aquilo antes na vida, que ela mal conseguia falar. Ela nunca tivera sido sugada daquela forma por um homem antes. Então quando ainda estava de olhos fechados tragando aquele cheiro de sexo vindo dos dois, suados, sem tomar banho, tentando conter seus impulsos sexuais, ele já havia posto seu membro para fora e a penetrou com tanta força e com tanto desespero que não deu tempo para mais nada a não ser vir de uma vez. Pela primeira vez na vida dos dois, juntos Anya gostou do sexo com ele.

Essa primeira penetração não durou muito, do jeito que ele chegou do mar com sede de possuí-la, era de se esperar que isso fosse acontecer. Então ele a pôs nos braços e a levou para o banheiro ao lado do quarto e a despiu muito lentamente, conduziu-a para baixo do chuveiro e a banhou como se ela fosse sua boneca. Olhando-a de uma forma tão séria e tão excitado que ela não sabia como agir direito. Ele usou sabonete líquido em todo o corpo dela, deslizando suas mãos, e dedos, centímetro por centímetro e a enxaguou com água bastante morna. De repente a segurou usando apenas uma mão e a virou de frente para a parede da ducha, com as mãos na parede, e a vasculhou profundamente com seus dedos. Usando de um por um de seus dedos e massageando dentro dela. Quando Anya já não continha seus gemidos ele a penetrou de novo e de novo até ela chorar de desespero. Eram lágrimas de tesão. Seu coração super acelerado e uma febre que invadia todo o corpo dela não a deixavam raciocinar direito. Ele a pôs em sua cintura, totalmente nua e molhada de frente a um espelho redondo, preto, que Anya tinha em seu banheiro de frente a ducha, ele os olhava através desse espelho enquanto a enchia de si mesmo num movimento rápido e sexualmente violento. Então ele a encostou nos azulejos azuis do banheiro e a fez tremer de tanto prazer. Quando ele a pôs no chão novamente Anya pensava que ali havia terminado, mas ele continuou, a pôs de joelhos no chão molhado, nos ladrilhos azuis, molhados, de frente ao espelho e terminou o que havia começado. Os dois gemiam, havia mímicas de desespero em seus rostos, os dois molhados e suados de tanto prazer.

Ele a levou para o quarto e a montou de uma forma que ela jamais vira nem sequer em filmes pornôs que os dois costumavam assistir juntos. Ele parecia uma aranha a cobrindo por cima de seu corpo que estava de quatro no chão de seu quarto, e os dois fizeram um amor tão forte, que no final só havia desespero e exaustão. Os dois corpos jogados na cama, só se ouviam as respirações. Então ficaram bastante tempo ali naquela cama até se recuperaram e voltar a falar um com o outro. Martin dormiu lá naquele dia. Anya não parava de pensar que espécie de sexo foi aquele que ela acabara de ter. Ela simplesmente amou. Foi o melhor sexo da vida dela. No outro dia foram para a casa dele e passaram o fim de semana lá. Ela gostava tanto da vista da varanda do apartamento dele que às vezes filmava as paisagens da janela da sala dele. Nesse dia dava para ver um pouco de neve nas montanhas do centro de Bergen.

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Em 7 de novembro, uma segunda-feira, Anya já tinha mil coisas para resolver. Uma delas, no final da tarde, era comparecer ao salão de uma tailandesa para fazer micropigmentação em suas sobrancelhas. Anya não gostou do formato que a tailandesa fez, ficaram muito escuras e uma das sobrancelhas ficou com um formato de uma vírgula. Martin estava esperando-a para jantarem juntos, mas ela estava com vergonha de aparecer lá. Anya sabia que depois de três dias a sobrancelha iria soltar uma casca e clarear, ficar mais natural, mas naquele momento estava como se ela tivesse usado petróleo para pintá-las.

Ele telefonou para ela e ela estava sem jeito de falar que não queria encontrá-lo naquela noite. Então Martin se surpreendeu, ela nunca havia falado que não queria encontrá-lo, mas o homem tinha um jeito de falar com ela que tornava Anya incapaz de esconder qualquer coisa dele. Então ela acabou contando sobre o incidente, que não tinha coragem de ir à casa dele, mas Martin a acalmou depois que conseguiu parar de rir. Ele nem havia visto ainda, mas eram as coisas que ela falava enquanto descrevia o acontecido que eram muito engraçadas.

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Chegando em Laksevåg, no apartamento de Martin, ele foi ver de perto e analisar a descrição dela com o que estava de fato vendo. Ele conseguiu persuadi-la a aceitar e esperar pelo o resultado, afinal de contas ainda teria o retoque. Assim os dois ficaram bem-humorados naquele dia e passaram o resto da semana bem. Anya também trabalhava, às vezes, quando não estava muito próximo a um exame. Quando tinha matérias que dava para ler em casa ela trabalhava extra no asilo fora de Bergen, em Samnanger kommune.

Chegando o fim de semana ela foi para um aniversário no bairro de Sletten com sua filha Zaya, que depois foi para casa de sua amiga, Lucy, em Fyllingsdalen e Martin foi buscá-la por volta de 1 da manhã. Quando ela saía para a casa das amigas era para dar o tal espaço de que ele tanto precisava, ela até o estimulava a sair também, mas ele dizia que não precisava estar sempre com alguém. Que estava bom ficar em casa vendo suas séries de tv. Eles não eram nada parecidos, ela falava coisas como meditação, nanotecnologia, robótica, extraterrestres, bioengenharia genética, era fascinada por coisas futurísticas, explicava coisas para ele como a terra, o céu, a água e o mar. Ele só falava algumas frases sobre o trabalho, família, amigos, tudo sem muito detalhes . Martin gostava de dormir, de ficar no silêncio sem fazer nada, descansando ou simplesmente calado, enquanto ela queria escutar músicas, cantar alto enquanto faxinava a casa, gostava de rir e de falar sem parar. Eles faziam muitas coisas juntos, cozinhavam, limpavam a casa, e desde a primeira vez que Martin chegou para Anya, assim do nada, quando tudo parecia estar indo tão bem, e terminou com ela repentinamente daquela forma, algo havia mudado dentro dela, ela achava que por qualquer coisa que ela fizesse e ele não gostasse, ele iria terminar de novo. Então ela procurava ficar o máximo possível ocupada com outras coisas para ele não se sentir sufocado. Ele era o mundo dela, ela não fazia nada sem antes pensar nele.

Em 14 de novembro de 2016, enquanto ele estava trabalhando Anya estudava em casa. De repente em uma de suas pausas resolveu que queria mudar os móveis da casa dele de lugar e assim o fez. Passou o dia mudando cama, guarda-roupa, escrivaninha, sofá, estante, tudo que conseguiu mudar de lugar antes de ele chegar em casa. Ela estava sempre insistindo para que ele usasse um pouco de seu dinheiro consigo mesmo, pois os mesmos móveis que ele havia ganhado quando mudou para seu apartamento, quando tinha 19 anos, ainda continuavam lá. Uma cama que estava prestes a desmoronar, um guarda-roupa que estava visivelmente torto de tão velho e de má qualidade que era, uma escrivaninha antiga, tão mole que todas as partes estavam se soltando, e por aí vai, seriam necessárias várias páginas para descrever o que precisava ser substituído naquela casa. Mas Anya já o conhecia, sabia que ele estava satisfeito com a vida que tinha e para ele bastava. Ela não iria convencê-lo com brigas e birras de mulher caprichosa. Ela ia convencê-lo a ir mudando os móveis e reformando a casa aos poucos, conversando no momento certo, mostrando para ele que tudo era em benefício dele, que tinha que viver um pouco para ela, não só para trabalho e treino. Luxo, para os noruegueses, era ir para uma casa de montanha no fim de semana e ficar lá curtindo o silêncio e a paz com os amigos ou família. A ostentação de um norueguês era viajar nas férias para um país mais quente que o deles. Nunca vi uma raça para gostar tanto de trabalhar, ter tanto dinheiro e viver da forma mais simples possível. Isso era o que fascinava Anya! Ela amava o jeito das pessoas norueguesas por eles serem tão calmos, tão corretos, tão disciplinados! Essa era a concepção dela. Eles eram tão determinados em defender seus princípios que àas vezes custava a própria felicidade. O que é certo, é certo e o que é errado, é errado, não existe o “jeitinho brasileiro” de resolver as coisas e tirar vantagem em nada.

Quando ele chegou em casa, o jantar das 16 horas já estava pronto, a casa estava limpa e arrumada, ela vestida com sua roupa de treino, pois estava pronta para ir para sua aula de zumba e ensaios de samba para uma apresentação que seria no dia 20 de novembro, quando ele estaria fora aà trabalho. Ela mudou os móveis da casa dele com a melhor das intenções, mas estava com receio de que ele ficasse chateado. Por diversas vezes ele a fez se constranger por tirar algo do lugar na casa dele, por pegar algo sem pedir, por exemplo, uma cerveja na geladeira já foi um motivo de briga e ela terminar indo dormir chorando por não aceitar e não conseguir entender que ele pudesse brigar com ela por motivos tão banais. Chegava a ser surreal. Então ele chegou e ela estava bem desconfiada, sabe uma criança quando faz algo errado e fica ali quietinha com os olhos arregalados, estampado na cara que fez algo errado e está com medo de levar uma bronca, pois bem, era assim que ela estava nesse dia. Ele entrou sorrindo, ela sempre corria para a porta e o abraçava quando chegava, mas não nesse dia. Ela ficou quietinha na cozinha, ele entrou e a agarrou por trás, ela estava levando a comida para a mesa. Ele elogiou o cheiro de limpeza da casa, como sempre fazia quando chegava, e estava tudo arrumado. Então entrou na sala e sorriu, franzia a testa a cada passo que notava as mudanças, foi direto ao quarto e viu que estava tudo mudado lá também, ela sentada esperando-o para comer, ele sentouse sentou do lado dela que estava toda desconcertada, ele já havia percebido a expressão no rosto dela. Era sempre os mesmos detalhes que a entregava. Todas as pessoas que a conheciam bem facilmente a decifravam: olhos arregalados, um sorriso no canto dos lábios que ela não conseguia conter por nervosismo, desconfio que até se estivesse sendo condenada a guilhotina morreria com essa expressão nos lábios fazendo um “biquinho” para não transparecer o sorriso. Ele a estava observando, sentou-se do lado dela e a beijou, falou que estava tudo lindo, agradeceu e comentou que ela deveria ter levado muito tempo para ter feito tudo aquilo sozinha e que na verdade ela deveria estar estudando para o teste que viria. Ele gostou da surpresa, mas ao mesmo tempo algo dentro dele sentiu um incômodo, aquela sensaçãozinha chata de que Anya modificou os móveis dele de lugar sem o comunicar. Ele resolveu não falar sobre esse assunto, que certamente acabaria num clima muito chato entre os dois. Eles tiveram um bom tempo nesse dia antes que ele viajasse novamente.

Anya ficava triste quando ele ia viajar ou quando ela tinha que viajar. Essa era uma tristeza bonita e verdadeira, um sentimento que todos os amantes sentem quando ficam longe de seus parceiros. Ela estava com ele porque gostava da presença dele, porque se sentia feliz ao lado dele, porque era mais feliz com ele. Ele ficava apreensivo quando a via triste e tentava disfarçar que também ficava triste. Toda vez que um dos dois ia viajar eles tinham essa mesma conversa. Anya tentava fazê-lo entender que não há mal algum em amar, em sentir saudades, em pensar na pessoa amada, em contar os dias para vê-lo novamente, ela achava tudo isso lindo, poético, amor de filme de romance. Ele achava tudo desnecessário, falava que ele ia voltar, que tinham ficado muito tempo juntos e que assim era bom ficar um pouco longe um do outro e ter tempo para sentir saudades.

A semana sem ele era preenchida de muitas coisas, ela não parava. Ela e sua filha, junto com Maísa , a moça que pagava para morar na casa dela, no caso sua inquilina, fabricaram os braceletes e alguns acessórios para usar na apresentação da escola em Åsane. Essa apresentação era para arrecadar fundos para as crianças carentes e m****r para a fundação Colibri, no Brasil. Se não fosse esse o motivo elas não topariam dançar. Elas não eram dançarinas profissionais e eram tímidas. Aceitavam o desafio porque estavam juntas e umas só iam se outras fossem também. Era muito divertido esse passatempo. Anya conseguiu um salão de danças, com espelho, numa escola em que ela fazia parte das aulas de zumba, em Danmarksplass, esse salão era completo, então era muito divertido passar horas lá ensaiando as coreografias. Fazia com que esquecesse um pouquinho dele.

Cada dia Anya tinha mais e mais coisas para resolver até chegar o dia de Martin voltar. Numa sexta-feira, dia 19 de novembro, ela foi a um restaurante italiano com seus filhos, depois a um aniversário infantil de um casal de gêmeos levando sua filha Zaya.

Já no dia 20 de novembro, um domingo, chegou o dia do evento que iria participar, em Åsane, dessa outra ONG beneficente chamada Colibri, que ajudam crianças carentes no Brasil. Eles têm um trabalho muito bonito e muito sério. Anya reuniu sua filha de 15 anos, para dançar com ela, uma norueguesa, amiga de sua filha, que também fazia parte do grupo e Maísa, a moça que dividia a casa com ela. Martin novamente não pode assistir, ele estava no mar, muitas vezes não pode participar dos eventos dela pois coincidiam com as datas que ele viajava para o mar. Chegado o dia as quatro dançarinas se apresentaram para mais de mil pessoas, uma escola inteira veio assistir essa apresentação num ginásio. Dançaram duas músicas e se saíram bem. Milhares de imprevistos sempre acontecem e Anya era do tipo que rir enquanto o mundo está se acabando. O vestido rosa dela ficou super curto, quase como uma blusa e ela não podia se movimentar bem, pois o vestido subia, o salto cor de rosa que usava, doía tanto que ela estava a ponto de chorar e jogá-lo na multidão. A outra dançarina brasileira, quebrou o pé na noite anterior, e tiveram que substituir pela amiga norueguesa de Zaya, e não teve quase nenhum tempo de ensaiar, mas com todos os contratempos elas dançaram por uma causa boa e nobre, então, como tudo se acerta para pessoas boas, deu tudo certo no final.

Martin e Anya se falavam quando podiam. De vez em quando, dependendo do tipo de trabalho, Martin passava 3 semanas quase sem contato. Outras vezes podiam se falar nos fins de semana. Quando Martin estava fora Anya se dedicava muito aos estudos e assim conseguiu passar na faculdade em quase tudo que precisava, e com boas notas. Suas colegas de faculdade mal podiam acreditar como conseguiu passar nas provas, sendo que estudava para muitas de uma só vez e com tantos problemas acumulados, mas ela conseguiu. Anya amava ir para faculdade, revivia seus tempos de escola e tinha a oportunidade de comparar como foi estudar no Brasil e como estava sendo estudar na Noruega. Ela estava muito satisfeita com a vida que tinha até o então momento.

Em novembro, no dia 23, ela fez o segundo retoque da sobrancelha e dessa vez ficou satisfeita, pois pôde desenhar ela mesma o formato que queria e a moça finalmente resolveu ouvir a preferência da cliente. Martin mandava fotos dele no trabalho quando podia. Ele mandou uma foto fazendo caretas. Esses pequenos detalhes eram o que na verdade contavam quando se tratava de amor. Ele, que era tão durão, m****r uma foto de uniforme fazendo caretas, e querer vê-la no vídeo, à noite, interessado em saber de assuntos de mulheres, tal como o design de sua sobrancelha, isso era um passo muito bem bem-dado à frente para Anya. Eram essas pequenas coisas que a alegravam. Ela queria uma história assim, que eles tivessem o mundo só deles dois, o mundo construído por eles, e não cada qual em seu mundo.

Em uma sexta-feira, Anya foi a mais um dos aniversários em que as pessoas usavam roupas conforme o tema da festa, que dessa vez era branco. Numa Noruega tão nublada e cinzenta, Anya agradecia a Deus por ter conhecido tantas brasileiras legais, a cidade mais linda e mais chuvosa do mundo. O que para as pessoas parecia um fardo, para ela era ter tirado a sorte grande. Muitas pessoas perguntavam como era ser mãe solteira, com três filhos na Noruega, e se surpreendiam sempre quando ela respondia que era perfeito! Que era maravilhoso e que não podia imaginar uma vida sem eles ali, naquela solidão. A Noruega é um país que ajuda as mães solteiras, tanto quanto qualquer pessoa que não tenha estabilidade financeira. O governo dá uma ajuda de custo para que as pessoas possam se integrar, estudar, participar de programas que as qualifiquem para o mercado de trabalho. Oportunidades não faltam, era o que Anya dizia sempre a si mesma. Anya era mãe solteira com três filhos, mas embora soubesse que a Noruega a ajudaria financeiramente a ficar em casa cuidando de seus filhos até ela se integrar de vez na vida financeira, social e cultural, sempre preferiu trabalhar e estudar, nunca ficou em casa esperando ajuda de governo, nem de homem nenhum. Ela sentia orgulho disso.

Capítulo 18

30 de novembro, quarta-feira

M

artin ainda estava no mar, dessa vez podia ligar para Anya em algumas noites, outras vezes eles podiam se ver por alguns minutos na câmera do telefone. Embora nesse mesmo dia Anya tivesse trocado toda a decoração da casa dela para vermelho, pois apesar de estar na Noruega, ainda continuava a decorar sua casa para o Natal um mês antes, pois amava a data e não queria que passasse tão rápido aquele mês. Ela havia decorado a casa inteira naquele dia, foi com sua filha buscar um gato no serviço de proteção aos animais, um animal muito bonito e peludo, um gato de floresta, como chamam essa raça aqui: “skogkatt” para norueguês. Há meses ela e seus filhos procuravam um gato amarelo na internet, mas não haviam encontrado. Anya a princípio não queria o bicho, mas Zaya se apaixonou pela história do gato, que tinha sido maltratado quando bebê e foi encontrado numa tempestade, todo molhado, no meio de uma floresta. Ele já era um pouco grande, tinha nascido no dia 23 de março daquele ano, o mesmo dia de aniversário de Martin, tinha 8 meses, mas era amarelo, da raça que procuravam e Anya achou que ele poderia ser muito selvagem, ela não o queria, mas bastou Zaya encher os olhinhos de água, com pena do gato, para as duas saírem de lá com o bichano, a gaiola transportadora, ração e tudo mais que precisaria levar com ele. Elas o batizaram de Zeus.

Zeus foi o nome de um sofá que Anya estava tentando comprar na internet para fazer uma surpresa para Martin. Acabou virando o nome do gato. Ela queria que quando ele chegasse do trabalho, tivesse um móvel lindo, de couro com madeira, em sua sala, que coubesse pelo menos eles dois quando estivessem assistindo filmes. Ela estava cansada daquele sofá pequeno que só tinha dois assentos. Quando os dois estavam na sala mal cabia ela sentada. Ela fez o pedido, o móvel estava numa promoção, 70% de desconto. Isso não significava que seria barato, mas ela o queria porque se encantou com o design. Ele tinha encostos para a cabeça e para os pés, umas madeiras nos braços que serviriam de porta-copos. E mesmo com esse desconto, estava saindo mais caro do que todos os que já tinha visto em lojas físicas, mas se uma coisa não é a que ela tanto almeja, então colocar qualquer outra coisa no lugar não serviria! Se não fosse o que ela queria, que ia fazer a diferença no dia a dia dos dois, então era melhor esperar e comprar o sofá certo.

Por que de repente tantas linhas de explicações sobre esse sofá? Pois bem… seria como ter pego qualquer outro gato no meio de dezenas que estavam lá para ser escolhidos, seria um gato, lindo, fofo, eles iam amar e cuidar do mesmo jeito, mas seria o gato que há anos ela estava procurando? Não. Eles já tiveram outros três gatos pretos antes.

ϸ ϸ ϸ

Martin finalmente estava chegando do trabalho naquela semana. Eles haviam conversado bastante sobre a possibilidade de ele comprar um gato para ela. Os dois já haviam por diversas vezes procurado, juntos, em anúncios de jornais e estavam tentando encontrar o amarelo que ela queria. Anya não soube ler a reação dele quando ela contou sobre o animal que tinha buscado no serviço de proteção aos animais de Bergen. A única coisa que ele perguntou foi como esse gato, que já estava lá, reagiria com um novo, um filhote. Anya explicou que não conseguiu resistir aos olhinhos pidões de sua filha amada, que ficou com muita pena de Zeus, então ele entendeu, e no final gostou do nome do gato.

Os dois matarem as saudades que sentiam um do outro por conta das viagens e tudo ficou bem novamente. Ele convidara Anya para ir com ele para o tradicional Julebord, como chamam aqui na Noruega. Era o do trabalho dele. As empresas fazem esse jantar de confraternização para os funcionários e muitos grupos de amigos também fazem por diversas ocasiões, como no Brasil. Anya estava muito feliz por ele a estar incluindo em suas programações, ela sabia que Martin nunca havia levado alguém consigo para nenhum evento de seu trabalho ou até mesmo entre festas de amigos, ou datas especiais. Sentia-se sentindo muito lisonjeada.

Ele não imaginava como era ser amado por ela, um amor tão imenso que ao vê-lo sempre perdia todos os sentidos. Um simples convite para levá-la num jantar, com todas as pessoas importantes do trabalho dele, era como se ela fosse viver um conto de princesas naquele dia. Seu vestido era dos sonhos, do seu mundo de imaginação, ela ganhou um vestido dourado envelhecido, coberto de uma renda da mesma cor, era um tomara que caia e rodado abaixo da cintura. Tinha uma calda atrás, que era maior que na frente do vestido. Anya estava muito entusiasmada para ir a esse baile de princesa, como dizia para as amigas:

— Vai ser um sonho! Eu chegar lá, nesse jantar, com todas as pessoas do trabalho dele, vestida no meu vestido de princesa e ele vestido com sua roupa de príncipe. Vamos dançar, beber, comer, e tudo será perfeito! Vai ser como num baile, ela fantasiava.  

Capítulo 19

9 de dezembro, sexta-feira

A

nya passou o dia se arrumando, testando penteados que poderiam parecer de épocas medievais, testando quais acessórios iria usar. Ela tinha planos para pintar as unhas de dourado-claro, bem discreto, mas uma amiga a ajudou a colar umas unhas postiças que, segundo ela, eram superseguras, durava até uma semana sem cair, Anya aceitou a gentileza e lá estava ela pronta, maquiada, penteada e super estonteante de animação por essa festa.

Ela dirigiu até a casa dele. Subiu as escadas. Apertou a campainha e quando ele abriu a porta ela sentiu um cheiro de casa limpa. Martin havia arrumado a casa toda, mas o cheiro mais notado foi o do perfume dele. Lá estava ele com aquele sorriso que iluminava a vida dela, com aquele olhar profundo que a fazia sentir-se a única mulher no mundo. Ela entrou, Martin tirou o casaco dela, como fazia sempre que estava em seus melhores dias românticos. Ajudou-a a retirar a sandália e a levou para a sala puxando-a pela mão. Pôs uma música e os dois dançaram na sala, ela foi ao céu nesse instante, ele vestido em seu paletó, todo galanteador, ela com uns cachos nas pontas de seus cabelos loiros-esbranquiçados e ele a rodava, queria ver o vestido dela rodar, e a puxava novamente para perto dele, uma dança sedutora onde ele a conduzia. Foi um momento mágico para Anya. Talvez para Martin também, apesar de sempre afirmar que nada daquilo importava para ele. Ele já havia bebido um pouco e a serviu também, uma taça de vinho e fechou aquela ocasião com chave de ouro. Também aproveitou e contou que tinha achado o gato dela, que os dois iriam vê-lo no dia seguinte. Anya estava saltitante naquele dia.

Ele chamou o táxi e os dois foram primeiro para a casa de um dos membros da marinha, um dos amigos de Martin que iria receber outras pessoas que também iriam para esse Julebord. Na Noruega havia o costume de fazer reuniões na casa de alguém antes das pessoas saírem para a festa principal. Primeiro, porque as bebidas alcoólicas são caríssimas nos bares, as mais caras do mundo, então as pessoas bebem antes de saírem para gastarem menos fora; o governo tem uma política de que as pessoas devem beber o mínimo possível, então uma das medidas para isso é o alto custo.

Um fato conhecido na Noruega, e em todo o mundo, é que os noruegueses bebem muito. Anya aprendeu isso logo que chegou, vendo com os próprios olhos e eram assuntos frisados na escola, no ensino médio e na faculdade. Afinal ela estudava na área de saúde.

Chegando à festa, num bairro chamado Sletten, Martin abriu a porta do táxi para ela, ajudou-a sair segurando-a pela mão, até a acompanhou, de braços entrelaçados até chegar à escadaria que daria acesso ao apartamento de seu amigo. Anya estava amando muito essa brincadeira. Eles chegaram na hora, entraram, sentaram-se, ele a apresentou ao dono da casa e a alguns convidados. As horas foram passando e todas as outras pessoas chegaram, eram ao todo oito casais. Os homens da marinha e a maioria das mulheres, enfermeiras. Apenas Anya de estrangeira. Ele sentou-se ao lado dela no sofá e enquanto falava seu braço envolvia os ombros dela, alisava ou segurava a perna dela, enquanto conversavam ele a servia, as mulheres na sala foram se chegando mais a ela, falando sobre o Brasil, sobre a diferença de ser enfermeira no Brasil e na Noruega. Enfim encontraram muitos assuntos em comum para falar durante a noite toda.

Uma moça muito bonita se sentou ao lado de Anya, ela tinha uma trança envolvendo toda a cabeça, em formato espiral, um penteado típico que muitas norueguesas usavam, pareciam sair de um filme de viking, Anya amava aquilo tudo. As duas conversaram muito enquanto esperavam a hora de ir para a festa principal. Ela comentou que Martin estava muito apaixonado por ela, ao que Anya respondeu que achava que não. Então a moça comentou sobre a linguagem corporal dele em relação é ela:

— Você não vê como ele te olha? Você se levantou para ir ao banheiro e dava para ver a paixão dele por você nos olhos dele. O jeito que ele cuida de você, e te toca. Essa aproximação. Os noruegueses não são assim e é do que as mulheres sentem falta.

Anya ficou muito feliz em ouvir esse comentário.

Os táxis começaram a chegar, todos foram para o Julebord, que seria realizado em um local muito aconchegante, eles guardaram seus casacos e foram procurar seus lugares a mesa. Depois formaram grupos que conversavam em pé enquanto bebiam os coquetéis. As mulheres que estavam na festa anterior levaram Anya para o grupo delas, enquanto Martin cumprimentava seus colegas. As mulheres conversavam sobre uma suposta viagem que seria alguns meses à frente, para Trondheim, de acordo com elas, a marinha pagava os custos para as mulheres dos soldados os visitarem quando estavam lá por três semanas ou mais. Elas convidaram Anya para ir ,ir, fizeram um grupo no F******k e a incluíram. Martin observava de longe. Quando todos sentaram a mesa ele perguntou qual era o motivo da euforia, então Anya contou sobre os planos delas e o grupo no F******k. Ela não sabia se ele gostou ou não, mas nenhum dos dois falou nada um para o outro. A comida foi servida, assim como a bebida. A banda começou a tocar depois que todos já haviam terminado com seus discursos. Para a surpresa se Anya, Martin a convidou para dançar no salão. Ninguém estava dançando. Ela, é claro, aceitou. Os dois abriram a pista, era demais para completar a noite dela. Então dançaram uma, duas, três músicas e as pessoas começaram a ir para a pista também. Martin e Anya só paravam para beber mais um pouco e tomar fôlego.

Alguns amigos de Martin pediam para dançar com Anya, que aceitava quando Martin fazia sim com a cabeça e um sorriso de confirmação. A noite foi passando lentamente e para ela nada poderia ser mais perfeito. As pessoas já estavam visivelmente bêbadas, Anya e Martin incluídos. No final da festa Anya e algumas meninas do grupo que sentaram juntas tiraram os sapatos e dançaram descalças. A essa altura os cabelos medievais de Anya já estavam caindo no rosto, molhados de suor, suas unhas postiças – que durariam uma semana – haviam caído quase todas, e as que ficaram nem Anya nem Martin conseguiam descolar, os dois riam intensamente. A única coisa que ela repetia sempre era que existiam coisas no mundo que só aconteciam com ela, não importava o quanto ela fugisse ou se esforçasse.

No final da festa Anya foi embora sem o sapato. Martin tentava levá-la nas costas, mas do jeito que estava bêbado era impossível. Os dois riam bastante. Gargalhadas intermináveis podiam ser ouvidas a quilômetros de distância. Ele cuidava dela com medo de ela cortar o pé e ficar doente, mas era em vão, Anya não queria calçar, então caminhava daquele jeito, até que encontraram um táxi. Essa foi uma das noites mais maravilhosas que Martin proporcionara a ela. Eles ainda tomaram banho juntos na casa dele e dormiram o sono dos anjos. Ela sempre o filmava ou tirava uma foto dele dormindo, quando ela não dormia antes dele. Nessa noite ela o filmou dormindo. Ele sorria de olhos fechados. Esses pequenos detalhes enchiam a alma dela de alegria, poder ver a alegria estampada no rosto dele mesmo em seus sonhos, inconsciente.

Capítulo 20

10 de dezembro, sábado

A

nya e Martin passaram o dia dormindo. Quando acordaram era sempre a mesma melação, ela o tratava como um verdadeiro príncipe, levava café da manhã na cama, quando ele não o fazia antes. As brigas dos dois eram sobre quem faria o café da manhã para o outro, havia dias que Anya queria fazer, mas Martin tinha a mesma ideia, então no final os dois acabavam juntos na cozinha. Brigavam sobre quem iria arrumar a casa, pois os dois sempre queriam que um descansasse para o outro fazer, no final acabavam arrumando tudo juntos. Eles passaram o dia e Anya esquecera que tinha um chá de bebê, muito importante para ir, de sua amiga Franciany. Quando se deu conta já estava em cima da hora e ela teve que usar o mesmo vestido da noite anterior. Martin a ajudou a se arrumar rapidamente e a levou até lá. Ela teve que ainda correr antes para comprar o presente num shopping ali perto, Laksevågsenter, com seu vestido de festa e botas nada combinando com o look, afinal de contas ela não queria ir de salto alto, e precisava se apressar, procurar um presente nas lojas. No final como sempre tudo dava no final para Anya e sua vida intensa, ela conseguiu chegar a tempo ao chá de bebê de sua amiga e tudo ocorreu bem.

No dia seguinte, dia 11, um domingo, Martin levou-a a um lugar um pouco afastado de Bergen, para ver os gatos que ela tanto queria, iriam escolher um amarelo que procurava há tempos. A primeira coisa que Martin disse para a senhora que estava vendendo os gatos, era que Anya tinha acabadoacabara de vir de um evento. Isso por causa do vestido que estava usando desde sexta-feira à tarde. Eles brincaram bastante com os gatos e Anya se apaixonou por um magro, desajeitado, o menor de todos. Era o mais estranho. É claro que seria esse o que ela iria se identificar. A senhora que os estava vendendo também era um tanto estranha, parecia estar de mal com a vida. Era super grossa e direta. Cheia de ironias descabidas. Anya não gostou nem um pouco daquela mulher, ela tratava nitidamente Anya com um certo desdém, e Martin normalmente. Depois de acertarem a compra do felino, combinaram de buscá-lo quando estivesse vacinado, registrado, com chip e depois do desmame. Anya estava realmente satisfeita com seu fim de semana.

A semana foi passando e ela tentou ficar um pouco mais em casa, tudo ia bem tanto na escola, quanto no trabalho; obstáculos iriam sempre surgir ao longo de sua vida e ela já estava até acostumada com isso. Anya estava feliz, estava namorando com Martin oficialmente, ele já havia falado sobre ela para a família toda, e até planejava uma visita os pais dele qualquer dia.

O que a deixava triste era ela nunca poder falar com ele sobre um problema financeiro sem que isso resultasse numa briga desnecessária. Ela respeitava os limites do namorado, mas queria uma relação onde os limites dos dois fossem respeitados. Desde o começo da relação Martin deixou bem claro que não queria ter que ajudar uma mulher financeiramente e nem de outra forma. Ele explicara que cresceu junto de amigos da mesma idade e que partilhavam dos mesmos pensamentos. Nenhum amigo que conhecia pagava contas de suas namoradas, os dois dividiam igual por igual. Anya nunca pediu dinheiro para ele, mas bastava contar algo, como que seu limite estava ultrapassado para gastos extras naquele mês, para ele fazer algum comentário que a fizesse sentir-se um lixo em forma de gente. Anya era passiva em relação a isso, ficava magoada, mas escondia. Tentava ao máximo que podia ponderar as qualidades dele. Sempre pensava se valia apena deixá-lo de vez por causa de detalhes tão insignificantes. Ela queria que ele se dispusesse a ajudá-la, ou que pelo menos a ouvisse sem criticá-la, mas ele deixava bem claro que não queria participar de problemas que não cabiam a ele. Ela não sabia o que pensar e nem que atitude tomar em relação a esse comportamento dele. Ela achava que ele pudesse mudar com o tempo.

Ela veio de uma cultura em que os homens pagavam as contas da casa, e mesmo que as mulheres no Brasil também se formassem e trabalhassem, os homens sempre as cortejavam e as ajudavam financeiramente. Enquanto na Noruega muitas mulheres se sentiam ofendidas pelo homem achar que elas eram menos do que eles. Mas cortejo é cortejo em qualquer lugar do mundo. Eles conversaram muito sobre o valor que ele pagaria pelo o gato, 4 mil coroas. Anya queria muito esse gato, mas não entendia como mês passado eles tiveram uma das várias discussões sempre envolvendo dinheiro, em que ela sugeriu a ele que pudesse ajudá-la a pagar a mensalidade do pedágio, o bompenger custa 2 mil coroas. Ele a humilhou literalmente e não pagou, mas um gato de 4 mil coroas ele podia pagar. Ela não entendia muito bem os princípios dele. Anya, quando estava em Bergen, só dirigia da casa dela para a dele, isso custava gasolina extra, bompenger de ida e de volta todos os dias, e assim por diante, então ela sugeriu que ele pudesse ajudar com esse gasto, já que na verdade ela gastava esse dinheiro para que estivesse com ele todos os dias. Martin reagiu negativamente, os dois estavam deitados na cama e ele falou para ela:

— Eu não acho que tenho que pagar suas contas só por quê estou namorando você.

Anya tentou explicar que não era isso que estava tentando dizer, mas que enquanto ela estava terminando a faculdade e não tinha muito dinheiro extra para gastar com gasolina e pedágio todos os dias, e que se não fosse ter que dirigir todos os diasdiariamente para a casa dele ela não teria esse gasto extra. Ele falou que ela queria alguém para sustentá-la e ele não iria sustentar mulher alguma. Ainda falou, bem chateado, que ela já tinha ouvido isso dele em diversas ocasiões, mas que estava sempre tentando novamente e isso o irritava.

Dessa vez quem ficou irritada foi ela, que se sentou na cama e o olhou nos olhos, e disse a ele:

— Não, Martin. Não estou procurando um homem para me sustentar. Eu trabalho desde os quinze anos. Eu também não acho que você tenha que pagar minhas contas só por estarmos juntos, sabe por quê? Porque minhas contas são 24 mil coroas por mês, só as contas fixas, e 24 mil coroas por mês você não tem para me dar, sabe por quê? Porque você é pobre! Se você tirar 24 mil coroas por mês do seu dinheiro para me sustentar, vai faltar para você!

Anya se levantou chorando, começou a pôr a roupa e saiu em direção a porta, pôs sua jaqueta, sapato e ele nem se quer veio falar com ela. E ela se foi. Ela não entendia como ele era tão doce e meigo num instante e tão grosso nas palavras no momento seguinte. Esse tipo de discussão poderia ser constante se Anya tocasse em assuntos financeiros com ele, não aconteciam frequentemente porque ela evitava sempre, ela compartilhava de seus problemas consigo mesma.

Vou contar um pouquinho de alguns episódios para que entendam o lado dele e o lado dela, nessa história.

Um dia Anya estava deitada estudando quando ele chegou do trabalho, ela não sabe como, nem o porquê do malu humor dele, isso acontecia àas vezes, do nada ele mudava o humor, um homem difícil de ler. Nesse dia, Martin chegou impaciente, sério, o que fez com que ela se sentisse um peixe fora d’água. Sempre que estava assim ela sugeria uma massagem, um banho quente, porque quando ele chegava aà casa estava linda e arrumada, a comida pronta. A impressão que ela tinha era de que quanto mais atenciosa ela fosse, mais irritado ele ficava. Quando viu que as coisas não melhoravam sugeriu que eles saíssem, ou que ele fosse treinar, ou que ela fosse para a casa dela para que ele pudesse ficar sozinho. Ele mesmo dizia que não sabia o que havia com ele, e que tinha tudo para estar bem, mas algo o consumia por dentro. Então ela perguntou a ele:

— Fala, Martin, sou eu? Eu fiz algo que você não gostou? Eu tento ter a maior paciência do mundo com você, mas você não me deixa dar um passo à frente.

— Você passa o dia aqui deitada, não faz nada, “estudando”, não trabalha. É muito cômodo para você, e aqui você não gasta nada — respondeu.

Anya ficou petrificada nesse instante. Ela não conseguia acreditar que estava ouvindo aquilo com os próprios ouvidos, também não conseguiu conter o choro. Talvez fosse culpa dela ser tão chorona. Talvez devesse dar o troco e o colocar no lugar dele, mas aquele comportamento dele tirava a vida dela. Fazia com que ela criasse borboletas na barriga e suas tripas se contorcessem, tudo dentro dela se revirava. Ela respondeu a ele enquanto caminhava em direção a porta para ir embora:

— Isso tá ficando cada vez pior. Você sempre está me magoando com esses tipos de palavras.

Passou então a explicar o que ele já sabia e já ouvira milhares de vezes, que ela tinha uma casa de três andares para pagar, energia elétrica, internet, 3 telefones, dela e dos dois filhos que moravam com ela, transporte de ida e volta para a faculdade em Førde, transporte para os filhos irem para a escola e comida mensalmente para a casa dela. Explicou que se não tivesse que ir à casa dele todos os dias quandosempre que estava em Bergen, não teria despesas extras com comida e gasolina e pedágio, que sobraria mais dinheiro para ela mensalmente. Martin não entendia que Anya, ao estar na casa dele, gastava mais do que se estivesse na própria casa, pois ela precisava fazer compras em dobro. Os dois faziam compras de supermercados juntos, Anya comprava o que ela gostava, suco de abacaxi, carne, etc. Ele sempre queria que ela pagasse o que ela pegava no supermercado. Tudo bem para ela. Ela não era acostumada com aquilo, mas aceitava. Quando estava na casa dele e, por exemplo, os dois estavam com fome, Martin estava sempre com fome, ele comia três vezes mais que Anya, e se houvesse algo que Anya não quisesse comer, ela procurava uma coisa para saciar sua fome, mas não achava, ele vinha com um comentário: “Se aqui não tem as coisas que você gosta de comer, compre!” Ela ficava desconcertada, envergonhada de ter que passar por aquilo, ela nunca teve discussões sobre comida com um homem, nem em seu país e nem em nenhum outro lugar do mundo. Mas ela sabia que a cultura norueguesa era assim, que os casais dividiam todas as despesas, inclusive as de comida. Então Anya saía para comprar.

Nesse dia, Anya foi embora arrasada para sua casa. Martin fez isso com ela por diversas vezes, ela de vez em quando saía no meio da noite, ou da manhã, fosse a hora que fosse, chorando de lá. Ela não conseguia arrumar um jeito de conciliar esse lado dele com o modo de vida que ela levava. Ele queria que ela fosse rica, mas ela não era. Ele queria que ela não tivesse problemas financeiros e nem quaisquer outros tipos de problemas, mas ela os tinha, ele não queria que ela tivesse um passado com filhos, mas isso ele não poderia modificar. Ele não aceitava de verdade o fato dela ser mãe solteira com filhos que dependiam dela, e o fato de ela ser estrangeira e não ter uma estabilidade financeira à altura das amigas norueguesas que ele conhecia. Só faltava um ano para ela se formar na faculdade e então ela ficaria só em Bergen. Ela queria que ele entendesse que era só um pouco de compreensão que ela precisava, mas ele não queria entender.

Às vezes Anya o analisava por horas, tentando justificar o porquê de tal comportamento. Ela estudava psicologia na faculdade, era parte de seu aprendizado como enfermeira, fora que também frequentava sessões com grupos de psicólogos. Anya já havia concluído que, na verdade, o problema não era com ela. Ela era a bola da vez. Dessa vez a desculpa dele por não dar certo com ela eram os problemas e status dela, mas e as outras norueguesas formadas, bem-sucedidas, jovens, sem filhos que também passaram na vida dele e ele as dispensou? O problema vinha de dentro dele. Ele era estranho e inseguro. Martin era quem destruía qualquer tipo de aproximação da parte de outras mulheres. Vendo por esse lado Anya se fortalecia e não se deixava cair num poço profundo por causa das frustrações e inseguranças alheias.

Como sempre, depois de uma briga dos dois Anya ficou arrasada. Na verdade, ela era uma mulher muito forte e consciente das coisas ao seu redor, mas tinha um carinho tão imenso por seu namorado complicado, ela sabia que o tratava tão bem que era difícil entender o porquê de ele a tratar tão mal por tantas vezes. Ele nunca estava do lado dela em nada. As opiniões eram sempre opostas. Anya se conhecia bem, até demais, por isso sabia que esse comportamento dele a levaria a desistir. E quando desistisse dele nada os salvaria.

Foi assim com seus outros relacionamentos, ela saiu de casa, no seu primeiro casamento com um brasileiro, sem brigar, sem discutir, ela já havia tirado quase todas as suas roupas e de seus filhos sem ele saber, pois não tinha como entrar num acordo com ele sobre ela mencionar o fato da separação sem ele surtar. Então um dia ela se despediu dele, disse que ia visitar a família dela, e desde esse dia já se passaram 11 anos. Esse marido brasileiro fez de tudo para ela voltar, mas já era tarde demais. A mesma coisa aconteceu com seu marido norueguês – o terceiro –, ela sempre falava com ele, até que tudo terminou como terminou. Agora ela estava começando a ver Martin com olhos de dor, angústia, as coisas que ele falava a ofendiam. Ele não batia, não gritava, mas o desprezo também causa uma dor sufocante no peito de uma outra pessoa.

Os dias se passaram e eles trocaram mensagens de desculpas. Anya foi até à casa dele e tiveram uma conversa tranquila, deitados na cama. Falaram sobre os assuntos que perturbavam a mente dos dois. Ele até se sentou na sala com ela e pagou o bendito pedágio da briga que durava meses. Pagou também outras contas dela, coisa que ela não esperava nunca dele. Tudo ocorreu muito bem, mas o fato era até quando? O problema todo era ter que tido várias discussões para que ele pudesse tomar uma atitude, e Anya sabia que na próxima briga ele iria passar isso na cara dela. E já sabia que seria a parte que ela não voltaria atrás. Nem tudo são flores em qualquer relacionamento, mas os espinhos que Martin plantava no coração dela eram bem doloridos. Por exemplo, Anya não sabia aceitar que ele a chamava para assisti-lo trocar os pneus de verão do carro dele para pneus de inverno, enquanto os dela ela tinha que pedir favor a algum marido de amigas ou pagar uma oficina. Eu sei que muitas amigas falavam que se ela amasse ele de verdade o aceitaria assim. Pois bem, ela aceitava, mas não se acostumava.

Então, depois deapós fazerem as pazes, Anya guardava para si mesma as últimas patadas que levara de Martin. Ele queria que alguns minutos depois que fizessem as pazes ela estivesse novamente feliz e satisfeita e agisse como se nada tivesse acontecido, pois bastava ela dar um olhar entristecido ou perdido no espaço para ele perguntar o que havia. Ela ocupava sua mente com afazeres. Uma mulher do signo de Áries, assim como Martin, – dizem por aí que Áries é o signo mais impulsivo de todos –, não conseguia ficar parada. Sempre que algo ameaçava afligi-la, ela procurava mil coisas para ocupar sua mente, numa dessas a casa dela estava arrumada para o Natal quase um mês antes, tudo em vermelho, mas ela decidiu mudar tudo para rosa. Isso mesmo. Árvore de Natal rosa, cortinas rosa, tudo rosa. Um Natal não tradicional. No ano seguinte poderia ser tudo azul, ou branco, prateado quem sabe, menos lilás, ela nunca gostou da cor lilás.

Anya tinha muito jeito para decorar festas, fazer arranjos e decorações, quando queria ter. Ela gostava de fazer dobraduras em guardanapos e caprichava em suas festas. Disso Martin gostava bastante, apesar de achá-la exagerada. Então, agora vou chegar onde quero com toda essa história de amor pelas festas e decorações natalinas. Anya, que já teve árvores de Natal de branca a rosa, e que todo ano caprichava em festas de fim de ano, passava o mês de dezembro inteiro fingindo que estava dentro de uma daquelas bolinhas de vidro que quando chacoalhamos neva, e falando sobre esses assuntos com Martin, que adorava ouvir o fantástico mundo de Bob dela, ele comentou que nunca teve uma árvore de Natal em sua casa. Nem mesmo uma pequenina de enfeite, nem mesmo uma de papel. Aquilo fez com que Anya aproveitasse o momento para ter uma ideia e fazer uma surpresa para ele. Afinal de contas eles tinham brigado, estavam meio sentidos um com o outro e o Natal estava chegando. Assim fariam as pazes de vez. Martin iria passar o Natal com o pai, os primos e o irmão, eles iriam viajar para um lugar chamado Geilo, festejar só os membros homens da família num hotel com tudo incluso. Anya já sabia disso, entendia e compreendia mesmo assim gostaria de passar esse feriado com ele. Ela também tinha vários convites de passar a noite de Natal com algumas famílias em Bergen, Florø, Førde, mas decidiu aceitar o convite para passar o Natal numa hytta, com lareira, internet, barcos, ofurô, hidromassagem, etc. Lá ela teria uma árvore verdadeira, cortada direto da floresta ao redor, e um clima de Natal com muita neve, comidas, músicas e jogos natalinos.

Pois bem, Anya pediu ajuda à sua filha Zaya e ao amigo de Martin, que morava com ele, para pôr seu plano em prática. Foi até uma loja chamada Europris, que tem de tudo um pouco, e escolheu uma árvore de quase três metros de altura. Para a sorte dela, quando estava quase escolhendo uma, chegou um casal com uma árvore imensa, que já vinha com neve na árvore e mais de 300 luzes embutidas. Eles a estavam devolvendo porque a árvore ficou muito alta para a sala deles, e como a caixa estava aberta, Anya pôde comprar pela metade do preço, pagou apenas 2 mil coroas. A árvore vinha com mais de 300 bolas de Natal. Ela pensou que realmente essa surpresa era para ser feita, até o destino estava se alegrando e colaborando.

Anya chegou ao apartamento de Martin e com a ajuda de Magnus levou a árvore até a sala e desempacotaram-na. Ela e Zaya montaram as peças da árvore uma em cima da outra para que ficasse em pé, mas não queriam montá-la nem enfeitá-laa enfeitar, essa parte seria para Martin, ele quem montaria pela primeira vez sua árvore de Natal com tudo que tinha direito, luzes, bolas, músicas natalinas. Anya voltou à sua casa e Martin veio encontrá-la depois do trabalho. Ele chegou na casa dela por volta de 16 horas, eles almoçaram com os filhos dela, e Anya não conseguia disfarçar a ansiedade. Ela sempre ficava com aquela expressão de criança quando está aprontando alguma coisa. E ele percebia os olhares dela e aquele sorriso no canto dos lábios que a entregavam. Ele começou a fazer especulações e ela falava que não era nada, que ele era paranoico. Ela queria ir para a casa dele e ele exatamente nesse dia insistiu que queria ficar na casa dela. Queria dormir na casa dela, e ela insistindo que queria irquerer dormir na casa dele. Quase virou uma discussão, mas ela não iria deixar ele estragar tudo de novo.

Ela pensou rápido e falou que queria dormir lá porque na casa dela não poderiam fazer barulho quando fizessem amor, pois os filhos dela estavam lá, e na casa dele poderiam se soltar sem preocupações. Falou que estava com muita vontade de tê-lo porqueporque estava em seus dias de ovulação. Ele sabe que ela tinha dias de crise todo mês depois da menstruação. Então foram para a casa dele. Ele ficava sorrindo e balançando a cabeça, perguntando:

— O que há com você hoje, Anya?

Ela falava que não havia nada. Estacionaram o carro na rua debaixo, subiram a escadaria até o prédio dele, mais umas escadarias até o apartamento dele, entraram, a porta no fim do corredor que dava acesso à sala estava fechada, ele entrou, tirou o sapato, entrou no banheiro. Ela não queria ir para a sala antes dele, queria estar com ele. Ela ficou na cozinha tomando água sem parar e justamente nessa hora ele resolveu nunca mais sair do banheiro. Anya já estava super impaciente, se ele demorasse mais alguns segundos ela estragaria todo o plano, pois com certeza teria ido buscá-lo e o arrastado até a sala sem demora. Aquilo tudo era muito mais excitante para ela do que para qualquer outra pessoa. Ela realmente gostava de fazer aquilo, sempre fazia surpresas para os ex-maridos e para os filhos e amigas.

Até que finalmente Martin saiu do banheiro, e quando ela achou que ele iria direto para a sala, ele entrou na cozinha. Procurou comida, bebida, até mesmo havia começado a arrumar a cozinha, Anya estava à beira de um ataque de nervos, então comentou que não era possível ele estar com fome de novo, eles haviam acabado de almoçar na casa dela. Ele falou que era só um complemento. Depois de tanto esperar ele finalmente se dirigiu até a sala e ela correu atrás dele. Ele ficou perplexo! Ela queria registrar aquela cena em sua mente. Ele arregalou seus olhos azuis dele e ficou paralisado, olhando para aquela árvore imensa no meio da sala dele. Ela sorria o sorriso mais largo que tinha. Ele a olhou sereno e perguntou:

— Você fez isso tudo para mim?

— Sim, eu fiz. Feliz Natal, Martin. Sua primeira árvore de Natal. Só sua. Vem ver, vem montar. Vamos enfeitá-la!

Ele foi ao redor da árvore ver de perto os detalhes todos. Os dois passaram horas montando-a. Ele pôs músicas natalinas a noite inteira, pois levaram muito tempo até terminar de pôr linhas em cada bolinha de Natal e em pendurá-las. Felizmente as luzes e a neve já eram embutidas. Quando terminaram de montar era quase meia-noite, os dois já tinham tomado umas taças de vinho e finalmente chegou o grande momento. O mais esperado, em que ele colocou a estrela no topo da árvore e eles a acenderam. Realmente ficou muito linda! Eles apagaram as luzes da sala. Aquela imensa árvore iluminava toda a casa, mas o sorriso no rosto de Martin iluminava a alma dela. Ele não parava de olhar para sua árvore de Natal. Ele não a deixou apagar a árvore naquela noite, e dormiram com a meia-luz vindo da sala. Foi mágico!

No dia seguinte pela manhã, em 16 de dezembro, ele foi trabalhar. Ele sempre acordava um pouco mais cedo para os dois se aconchegarem um tempo embaixo dos edredons antes de ele finalmente partir. Martin falava com uma voz derretida que para ele nunca foi problema ter que ir viajar ou ter que ir trabalhar, mas depois que ela passou a dormir com ele todas as noites, era muito duro ter que deixá-la todas as manhãs. Qual mulher não gosta de ser acordada assim? Ela amava quando ele a chamava de linda assim que ela abria os olhos depois de uma longa noite de sono. Os corpos quentes embaixo dos lençóis, aquela pele ardente, e eles se cheiravam como dois cachorros. Ele queria fazer sexo com ela todas as manhãs antes de ir trabalhar. E ela amava isso.

Martin havia combinado com seu pai de os dois irem jantar na hytta dele, um jantar de Natal entre o pai e os três irmãos. Martin sabia que ela estava triste por não passar o dia 24 de dezembro com ele, pois ela sabia que ele viajaria com o pai, os primos e o irmão. Então quis levá-la para esse jantar, como se fosse um Natal antecipado afinal, o importante é que estariam juntos comemorando essa data. Anya adorou esse convite. Ela se sentiu fazendo pelo menos um pouquinho parte da família dele, que era tão reservado, tão difícil de abrir a guarda. Eles tiraram muitas fotos na árvore de Natal deles para mostrar para o pai e os irmãos nesse jantar. Eles já tinham postado para os amigos. Martin postava no Snapchat para o seu grupo de amigos mais íntimos, Anya postava no F******k e em todos os lugares que todo mundo pudesse ver. Ainda dizia assim: Do que adiante ter a árvore de Natal mais linda do mundo em nossa sala e não mostrar pro mundo? Ele ria.

Então chegou o dia do jantar na casa do pai de Martin, em Austevoll. Os dois dirigiram à tarde, levaram suas bagagens, presentes, bebidas. A viagem foi tranquila, o tempo estava colaborando, Anya amava aquelas paisagens de montanha com a luz do sol, achava aquilo tudo muito exuberante, era muita magia em seu coração. Ela dava muito valor às coisas pequenas da vida, como um simples dia ensolarado, em família, com amigos. Havia muito amor em seu coração.

Chegando na casa de Olav, pai de Martin, Anya entrou e o cumprimentou. Ela gostou dele de cara, era o tipo de homem meigo, acolhedor, e ela se sentiu bem com a recepção dele. Depois conheceu o irmão Hendrik e a irmã Amália, de 15 anos, a mesma que estava se confirmando junto com Zaya, no dia em que Martin e Anya se viram pela primeira vez pessoalmente fora dos app de namoro. Anya achou aquela barba ruiva e longa do irmão de Martin o tanto quanto exagerada e descabida, mas era a moda entre os noruegueses nessa época. Dos mais jovens aos mais velhos, estava havendo um aumento de homens barbados para tudo que era lado, mas a de Hendrik era um tanto quanto demais. A irmã, Amália, assim como Anya estava um pouco acanhada.

Eles subiram, ajudaram o pai a pôr a mesa, a terminar o jantar e foram se conhecendo melhor. Anya enfeitou a mesa, fez umas de suas dobraduras de guardanapos, caprichou nos detalhes que podia e estava tudo correndo bem. Quando finalmente chegou a hora de servir a comida, já estavam mais leves uns com os outros. Olav serviu a comida tradicional da Noruega no Natal: svinribbe, costeletas de porco, e pinnekjøtt, carne de carneiro cozida em espetos de madeira, com kålrabestappe, purê de couve alaranjada, surkål, couve azeda, e kraft, molho que escorre da carne depois de cozida, que se é usada para regar o prato feito. A comida era dos deuses! Não havia nenhuma outra comida natalina que Anya amasse mais do que a comida natalina da Noruega.

Ao longo do jantar o pai de Martin, fazia algumas perguntas discretas aos dois, que respondiam sem timidez. Anya falou sobre o gato que compraram, sobre onde seus filhos estariam naquele momento, sobre onde passariam o dia 24 de dezembro. Olav contava sobre a viagem que logo fariam. Hendrik também participava da conversa, e de repente surgiu um assunto sobre pais e filhos e seus respectivos modos de educar uma criança. Olav comentou que Amália era mimada, que não fazia nada, que não botava uma colher na máquina de lavar, mas isso tudo foi num clima de brincadeira, ela ria e falava que a culpa era dos pais, a culpa era de Olav e de sua mãe por fazerem tudo por ela e não a deixarem fazer nada. Martin concordou e Hendrik também. Anya falou que era verdade, dependia muito de os pais ensinar seus filhos que não tem mal algum ajudar nas tarefas domésticas, principalmente na Noruega que alguns adolescentes viajam para estudar fora ainda no ensino médio, ou que a maioria saía de casa aos 16 anos de idade.

Conversa vai, conversa vem, Anya citou o fato de até seu filho menor, de 9 anos, ajudar nas tarefas domésticas, mesmo vindo de uma família rica, por parte de pai, que o mimava e fazia tudo por ele, mas quando estava com ela, fazia questão de ensinar os verdadeiros valores da vida. Essa conversa estava num clima leve, gostoso, estava tudo bem. Todos terminaram de jantar e Amália começou a levar os pratos com os outros para a pia. Martin comentou baixinho que estava surpreso com aquilo, pois ela nunca ajudara em nada. Ela a beijou na testa e falou que era influência dela.

Depois de tudo arrumado na sala de jantar foram para uma sala num andar acima para continuarem a conversar, beber licores e seus drinks pós-jantar e abrirem os presentes de uns para os outros. Eles riam, conversavam sobre a infância dos filhos de Olav. Faziam muitas perguntas sobre o Brasil para Anya que respondia sempre com boas informações e comparando as diferenças entre Brasil e Noruega. Hendrik estava fumando um aparelho automático com aroma de baunilha, Anya quis provar e era engraçado, pois era muito forte, ardia em sua garganta e ela ficava um tempo tossindo. Todos se divertindo, mas depois quiseram jogar cartas, ou outros jogos, mas acabaram escolhendo queda de braço e Anya, Martin e Hendrik brincaram de luta, quem derrubaria quem. Aquilo virou uma bagunça. Amália filmava e mandava snaps para os amigos. Depois todos acalmaram seus ânimos, estavam um pouco bêbados, e quando o silêncio tomou conta da sala começaram a conversar sobre família. Anya falou que era muito importante dizer o quanto se ama uma pessoa, mesmo que todos saibam pelos atos, mas ouvir isso é bem mais aconchegante. E que ninguém deveria se envergonhar de declarar o seu amor, pois só se vive uma vez, e nunca se sabe o dia que vai partir. Depois disso Olav fez um discurso meio desajeitado, com vergonha de falar para os filhos que amava todos eles e que estava muito feliz por estar ali reunido com eles, mas o fez. Quando ele terminou seu pequeno discurso, deu um beijo em cada um dos filhos. Foi muito bonito de ver. Anya encheu o coração de lembranças e saudades da sua família que estava longe do outro lado do mundo no Brasil.

Depois que todos já haviam bebido e aberto os presentes, chegou a hora de dormir. Anya ganhou um presente de Olav, uma caixa com vários corações feitos de vidro transparentes, lindos, um simples enfeite, mas que encheu os olhos dela de alegria e gratidão. O pai de Martin foi o primeiro a dizer boa noite. Em seguida Amália foi para seus aposentos. Martin também foi se deitar enquanto Anya foi ao andar debaixo no banheiro. Hendrik havia vomitado em seu vestido que estava lá. Anya o limpou e subiu para dormir com Martin. Já no andar de cima Hendrik a viu e a chamou para juntar-se a ele para beberem mais e conversarem, sem nenhum tipo de segundas intenções. Anya sentou-se na sala com ele e falou que ele tinha vomitado o vestido dela no banheiro. Ele pediu desculpas e Anya ouviu a voz de Martin da porta do quarto perguntando se ela vinha deitar-se agora. Ela se levantou e foi imediatamente ficar ao lado de seu amor. Eles dormiram bem juntinhos e Martin não sabia, mas ele acabara de proporcionar a ela mais uma noite super perfeita entre os dois.

No dia seguinte os dois estavam cedo de pé, como sempre Anya arrumava tudo o que via pela frente. Eles todos tomaram café da manhã juntos e foram pescar. Não conseguiram muitos peixes, mas o que valeu para ela foi terem estados juntos e apreciado o lindo dia de sol num passeio de barco, que para ela foi maravilhoso!

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