JavierO clima no salão era completamente diferente do habitual.Em vez da tensão que geralmente pairava no ar durante nossas reuniões, desta vez, tudo estava tomado por risadas, vozes animadas e o som de copos se chocando em brindes constantes.O cheiro de charutos e whisky impregnava o ambiente, misturado com o barulho de conversas altas e gargalhadas que ecoavam pelas paredes.Estava sentado à cabeceira da longa mesa, uma taça de whisky na mão, observando meus homens celebrarem com um entusiasmo raro. Marco estava ao meu lado, um sorriso no rosto que eu não via há meses. Ele levantou sua taça, chamando a atenção de todos.— Um brinde ao chefe! — anunciou, a voz forte e clara o suficiente para silenciar momentaneamente os outros. — E, é claro, à futura mãe de seu herdeiro. Que essa criança traga sorte e prosperidade para todos nós!Os homens levantaram suas taças, gritando palavras de congratulação, e eu sorri de lado, aceitando o brinde com um aceno de cabeça. Bebi um gole do whisk
CamilleHavia recusado o jantar horas atrás, sem apetite ou disposição nem para me sentar na cama.O dia inteiro na cama me deixara inquieta, e a fome começou a tomar conta. Decidi ir até a cozinha, buscando algo que pudesse comer sem causar mais desconforto ao meu estômago. Os corredores estavam completamente vazios e mergulhados no silêncio, a penumbra projetando sombras nas paredes. Era reconfortante sentir o frio do mármore sob meus pés enquanto caminhava.Ao chegar na cozinha, fui direto para a geladeira. Diante de tantas opções, uma mais deliciosa que a outra, fiquei indecisa. Não queria correr o risco de escolher algo que pudesse irritar ainda mais meu estômago. Acabei optando por uma torta salgada que estava sobre a mesa, simples e aparentemente inofensiva.Cortei um pedaço pequeno, depois outro, e antes que percebesse, já estava no quarto pedaço.Foi quando ouvi um barulho distante. Primeiro um som abafado de tropeços, seguido pelo ruído de algo caindo. Franzi o cenho, deixan
JavierO sol entrava pelas frestas das cortinas, queimando minha pele como se fosse um castigo divino. Abri os olhos com dificuldade, a cabeça latejando como se alguém estivesse martelando meu crânio.Um gosto amargo dominava minha boca, um lembrete do quanto havia bebido na noite anterior. Me sentei devagar, com o corpo pesado, e passei as mãos pelo rosto na tentativa de espantar a névoa de confusão.A memória veio em fragmentos: a comemoração, as risadas, Camille me ajudando a subir as escadas. O sorriso dela me veio à mente, mas junto veio também a lembrança do olhar de desaprovação quando percebeu o quanto eu estava fora de controle. Suspirei.Eu não podia me dar ao luxo de parecer fraco, nem para ela, nem para ninguém.Olhei para o relógio e praguejei. Em menos de uma hora, tinha uma reunião marcada com Emílio Sandoval, um dos aliados mais perigosos de Juan Carlos. Ainda não entendia completamente o que ele queria, mas sabia que qualquer atraso ou hesitação seria visto como um si
CamilleSenti o calor do sol entrando pela janela, e um leve suspiro escapou de meus lábios ao perceber que estava acordando.Semicerrei as pálpebras, sentindo a confusão no meu corpo, como se estivesse entre o bem e o mal, algo que eu não conseguia controlar. Quando olhei para o lado da cama, percebi que Javier não estava mais lá. Só então notei Carmen a poucos metros de distância, me observando atentamente.— Bom dia, senhora Herrera. Como está essa manhã? — Ela perguntou com um tom suave, mas havia uma preocupação visível em seu olhar.Eu não sabia como estava, nem mesmo como me sentia. Meu corpo parecia um turbilhão, e cada momento parecia ser uma nova incerteza. Quando pensava que estava começando a melhorar, algo me dizia que não estava bem.— Acho que estou melhorando... — murmurei, encostando as costas na cabeceira da cama enquanto me sentava, tentando processar o que estava acontecendo. — Onde está Javier?— Saiu logo que amanheceu. Não deveria se preocupar com ele, senhora.
JavierEntro rapidamente no hospital, o som dos meus passos ecoando no corredor silencioso.Atrás de mim, quatro dos meus homens me acompanham de perto, com Marco logo ao meu lado, seu olhar preocupado, mas sempre atento aos arredores. Meu coração martelava no peito com uma intensidade absurda, uma mistura de medo e fúria me consumindo.não conseguia pensar com clareza desde o momento em que Carmen pronunciou as palavras que me jogaram neste pesadelo: "hospital" e "Camille foi internada às pressas".Não fazia sentido. Nenhum sentido. Até a noite anterior, ela estava bem. Ou pelo menos, parecia estar.Caminho pelos corredores, meus olhos frenéticos analisando cada sala, cada rostinho estranho, mas nada dela. Minha paciência se esgota a cada porta errada.Finalmente, ao virar em outro corredor, avisto Carmen. Ela está sentada em uma das cadeiras de espera, com as mãos no rosto, visivelmente abalada.Quando me vê, ela levanta de repente, como se meu olhar a tivesse chamado. Sua expressão
CamilleMe sentia grogue, como se estivesse sob o efeito de um remédio potente, e talvez estivesse, já que estava em um hospital e não fazia ideia do porquê.Minha cabeça girava em círculos confusos enquanto eu tentava juntar as peças do que havia acontecido. As lembranças eram fragmentadas — a dor aguda na barriga, Carmen me segurando com firmeza, e, de repente, os corredores brancos e frios de um hospital.Na minha cabeça, as dores e o sangue só poderiam ter uma explicação: minha menstruação. Às vezes, minha TPM era tão ruim que eu mal conseguia ficar de pé, e talvez aquele fosse apenas um episódio extremo. Mas então, por que Carmen me arrastaria para um hospital por algo tão comum? Isso não fazia sentido.Meus olhos vagavam pelo cômodo. O quarto era pequeno, iluminado pela luz suave que escapava pelas cortinas mal fechadas. O cheiro característico de hospital — uma mistura de produtos de limpeza e algo metálico — parecia impregnar o ar. O bip rítmico de aparelhos ao meu redor preen
JavierDuas semanas.Quatorze dias se passaram desde o dia em que tudo desmoronou, mas, para mim, parecia que o tempo havia parado.Cada segundo era arrastado, um lembrete cruel do que eu não conseguia mudar. Meu escritório havia se tornado meu refúgio, minha cela. Passei os últimos dias enterrado aqui, cercado por pilhas de papéis e garrafas de uísque vazias. Não fazia nada com real propósito. As horas eram gastas encarando a mesa, o olhar perdido no mesmo ponto, como se esperasse que algo milagroso acontecesse.Os documentos diante de mim eram importantes, disso eu sabia. Alguns carregavam números alarmantes que deveriam exigir minha atenção, contratos esperando por assinaturas e decisões que só eu podia tomar.Mas não fazia diferença. Nada fazia.Meus homens começaram a entender que não adiantava entrar ali para cobrar respostas. Marco assumira parte das responsabilidades que cabiam a mim, enquanto o resto do mundo parecia se ajustar ao meu estado de negação.Levanto os olhos por u
CamilleEu havia me tornado um fantasma na casa.As palavras pareciam pesar mais do que o próprio silêncio, então eu escolhia ficar calada. De manhã à noite, tudo o que fazia era existir de forma apática. Não conversava com Carmen, evitava Suzu e, principalmente, mantinha Javier à distância. Não era algo planejado, apenas aconteceu.Minha mente estava cansada, meu corpo mais ainda, e eu não tinha energia para lidar com ninguém.No fundo, eu sabia que estava incomodando a todos. Carmen sempre tentava me animar com uma refeição especial ou com sua conversa incessante sobre flores do jardim. Suzu lançava olhares preocupados e fazia comentários ácidos na tentativa de me arrancar uma reação, mas nada funcionava.A verdade era que, depois de tudo, eu não sabia mais quem eu era. Não sabia o que fazer com o vazio que tinha se instalado dentro de mim.E Javier... Ele estava tão distante quanto eu, embora estivéssemos sob o mesmo teto. Ouvia as vezes seus passos firmes pelo corredor, mas ele nu