JavierDuas semanas.Quatorze dias se passaram desde o dia em que tudo desmoronou, mas, para mim, parecia que o tempo havia parado.Cada segundo era arrastado, um lembrete cruel do que eu não conseguia mudar. Meu escritório havia se tornado meu refúgio, minha cela. Passei os últimos dias enterrado aqui, cercado por pilhas de papéis e garrafas de uísque vazias. Não fazia nada com real propósito. As horas eram gastas encarando a mesa, o olhar perdido no mesmo ponto, como se esperasse que algo milagroso acontecesse.Os documentos diante de mim eram importantes, disso eu sabia. Alguns carregavam números alarmantes que deveriam exigir minha atenção, contratos esperando por assinaturas e decisões que só eu podia tomar.Mas não fazia diferença. Nada fazia.Meus homens começaram a entender que não adiantava entrar ali para cobrar respostas. Marco assumira parte das responsabilidades que cabiam a mim, enquanto o resto do mundo parecia se ajustar ao meu estado de negação.Levanto os olhos por u
CamilleEu havia me tornado um fantasma na casa.As palavras pareciam pesar mais do que o próprio silêncio, então eu escolhia ficar calada. De manhã à noite, tudo o que fazia era existir de forma apática. Não conversava com Carmen, evitava Suzu e, principalmente, mantinha Javier à distância. Não era algo planejado, apenas aconteceu.Minha mente estava cansada, meu corpo mais ainda, e eu não tinha energia para lidar com ninguém.No fundo, eu sabia que estava incomodando a todos. Carmen sempre tentava me animar com uma refeição especial ou com sua conversa incessante sobre flores do jardim. Suzu lançava olhares preocupados e fazia comentários ácidos na tentativa de me arrancar uma reação, mas nada funcionava.A verdade era que, depois de tudo, eu não sabia mais quem eu era. Não sabia o que fazer com o vazio que tinha se instalado dentro de mim.E Javier... Ele estava tão distante quanto eu, embora estivéssemos sob o mesmo teto. Ouvia as vezes seus passos firmes pelo corredor, mas ele nu
JavierEntrei no quarto com passos lentos, meu peito comprimido pela tensão que havia se tornado constante desde o que aconteceu. Era o nosso quarto, mas parecia estranho agora, carregado de uma atmosfera que eu não reconhecia, como se parte dele tivesse sido roubada junto com o que perdemos.Camille estava deitada na cama, virada para a porta. Seus olhos estavam molhados, mas ela não olhou para mim quando entrei. Da poltrona, Roberta levantou-se do assento em que estava e forçou um sorriso leve, um gesto que não combinava com a seriedade do momento.— Javier — disse, como se meu nome fosse uma ponte para uma conversa impossível.Eu não respondi.Meu olhar ficou preso em Camille, naquela forma delicada e abatida que parecia tão diferente da mulher forte e teimosa que conheci. Dei alguns passos na direção dela, ignorando a presença de Roberta.Queria tocá-la, mostrar que estava ali, mas, quando estendi a mão, Roberta interveio, sua voz baixa, mas firme.— Ela não quer ser tocada.Minh
CamilleA água do chuveiro caía sobre mim, escorrendo pelo meu corpo e se misturando com a espuma do sabonete, antes de desaparecer pelo ralo.Eu encarava aquele movimento, quase hipnotizada, como se a corrente pudesse levar embora o peso que carregava nos ombros, junto com o vazio que habitava dentro de mim. Mas era apenas uma ilusão. Nada parecia ser suficiente para preencher o buraco que se abriu na minha alma desde aquele dia.Ainda assim, algo estava mudando. Talvez fosse a forma como Javier se aproximava de mim agora, como se finalmente entendesse a profundidade da dor que dividíamos. Sua presença parecia um bálsamo, mesmo que ainda carregasse o peso da mágoa pelo que ele escondeu de mim.Talvez, apenas talvez, sua dor fosse tão genuína quanto a minha, e isso criava um terreno comum onde ambos podíamos tentar nos equilibrar.Desliguei o chuveiro e vesti o roupão, deixando a toalha sobre o cabelo molhado. Enquanto saía do banheiro, vi Javier no quarto, caminhando de um lado para
JavierOs sons do ginásio eram como uma trilha constante no fundo da minha mente.Punhos batendo em sacos de pancada, os grunhidos abafados de esforço, os pesos sendo erguidos e caindo no chão de borracha. Tudo isso me mantinha focado, distraído de tudo o que estava acontecendo lá fora, de tudo que eu sentia mas não queria lidar.Meu corpo estava em movimento, os músculos queimando com a repetição incessante de golpes no saco de pancadas e, depois, no meu oponente. O suor escorria pela minha testa, pingando no tatame, enquanto o ar denso do ginásio queimava em meus pulmões.Eu estava no ringue, enfrentando um dos meus homens. Era apenas treino, mas não significava que eu pegaria leve. Cada golpe que dava tinha uma força bruta que parecia mais sobre descarregar a tensão no meu corpo do que vencer uma luta. Meu oponente era bom, mas não estava no mesmo nível. E mesmo assim, eu não me segurava. Precisava sentir a dor, o cansaço extremo, precisava me esgotar até não ter forças para pensar
JavierA água quente escorria pelos nossos corpos, Camille estava ali comigo, debaixo do chuveiro, os cabelos encharcados e grudados em seu rosto, a pele molhada e reluzente. Ela parecia tranquila, quase vulnerável, mas não de um jeito ruim. Era como se finalmente estivesse se permitindo relaxar, mesmo que por um momento.Passei as mãos pelo rosto, tentando me livrar da sensação surreal de tê-la tão perto de novo, depois de semanas de distância emocional. Nunca pensei que um dia chegaríamos ali, dividindo o espaço debaixo da água quente como se o mundo lá fora não existisse.Ela ergue o rosto para me encarar, os olhos brilhando com algo que parecia indecisão ou talvez incerteza. Não pude evitar um pequeno sorriso ao ver aquela expressão.— Camille — comecei, minha voz soando mais suave do que esperava. — Talvez você devesse sair um pouco de casa. Fazer algo. Respirar o ar de fora.Ela inclinou a cabeça, franzindo o cenho enquanto processava minhas palavras. O silêncio dela era quase
Camille Uma BMW estava parada diante de mim, reluzindo sob o sol. Eu segurava as chaves com firmeza, como se fossem a única coisa que me conectava ao momento. Javier realmente permitira que eu saísse de casa, sem seguranças, sem motorista, sem ninguém me seguindo.Apenas eu e o mundo lá fora. Era surreal.Tinha me acostumado tanto à rotina sufocante dentro da propriedade, às ordens silenciosas e à constante vigilância, que a ideia de estar sozinha parecia um sonho distante. Ou talvez um pesadelo.Respirei fundo, sentindo o peso da liberdade nas mãos. Poderia ir onde quisesse, fazer o que quisesse, mas estava paralisada. Meu olhar alternava entre o carro e a entrada da casa.Eu realmente devia ir? E se fosse uma armadilha? E se algo acontecesse enquanto estivesse fora? A proteção de Javier, embora sufocante, tinha seu conforto.Depois de alguns minutos perdida nesses pensamentos, me forcei a agir. Apertei o botão que destrancava o carro, o som familiar me puxando de volta à realidade.
JavierO restaurante estava silencioso, exceto pelo som suave de talheres e conversas baixas ao fundo. Eu me sentia desconfortável, ainda tentando digerir o que havia acontecido nas últimas horas.Cada passo fora de casa parecia ser um campo minado, e eu sabia que nada seria mais do que uma distração momentânea. Mas aquela reunião, com Sandoval, era algo que não podia adiar.A mesa estava iluminada suavemente pela luz amarelada das luzes, criando uma atmosfera quente e íntima. A presença de Sandoval era algo que ainda não conseguia identificar completamente. Ele parecia confiável, mas sua natureza reservada sempre me deixava em alerta. Não sabia se podia confiar plenamente nele.Sandoval entrou no restaurante com sua postura característica, elegante e segura, o olhar sempre atento. Ele acenou levemente, indicando que havia me visto, e caminhou até a mesa onde eu estava sentado, como se fosse uma rotina. Sem mais palavras, ele se sentou à minha frente e pediu um copo de vinho, mais par