O RETORNO SÚBITO DA MEMÓRIA

— Me chamo Robert, hoje tenho por volta de vinte e nove anos de idade, nascido em Nevada e participante do projeto barganha desenvolvido pelo comitê internacional das nações unidas sob tutoria do governo dos Estados Unidos da América – respondi para Sara que estava com medo de o chip ter deixado alguma sequela.

— Certo isso que removi da sua cabeça é um chip biológico, ele é feito com materiais que podem adentrar em nosso organismo e não percebidos como um corpo estranho, este chip em especial pode ser confundido pelo nosso organismo como um neurônio, a função deste é bloquear o seu acesso as nossas memórias, isso ajuda a ativarmos os nossos instintos humanos mais primitivos, apesar de alterar as memórias, ele não causa bloqueios à coordenação motora ou outras funções psíquicas, esse que removi de seu crânio apenas fez com que as memórias pré-estabelecidas pelo programador ficassem inacessíveis – Sara fez as devidas explicações com um olhar compenetrado e um tom de voz firme.

— O que eu não entendi ainda é o que esse objeto fazia dentro de mim, achei que tinha tido uma ressaca daquelas, mas isso já é muita doideira.

— Vou ajudar a refrescar a sua memória, há pouco mais de quinze anos a NASA iniciou um projeto de exploração espacial, nunca foi uma novidade, na verdade já era esperado que isso fosse feito há anos, a população começou a questionar os impostos usados para os fracassos da agência espacial, a pressão popular acabou fazendo com que o governo aceitasse ajuda das gigantes Space X e Xiaomi e de outras agências espaciais, em conjunto eles foram capazes de construir um foguete de hiperespaço, esse projeto selecionou o que as duas empresas tinham de melhor, mas, apesar de tudo os astronautas não tinham qualquer garantia de retorno.

— Estou lembrando, esse projeto foi televisionado para diversos países, essa poesia da descoberta, era como se os navios europeus estivessem sendo lançados ao oceano rumo ao desconhecido novamente, foi um momento de euforia global, por outro lado as famílias dos astronautas temiam muito pela integridade dos mesmos, sem coordenadas especificas, com combustível praticamente sob medida, as chances de catástrofe camufladas de carnaval eram inúmeras.

— Envolveu toda uma equipe global de desenvolvimento, porém, a nave assim que saltou da Via Láctea para Andrômeda já teve sua comunicação cortada, o objetivo era percorrer galáxias ainda mais distantes e com a comunicação cortada, ficava difícil que alguma evolução fosse percebida, aquela altura, estávamos ilhados.

— Isso foi na mesma época que comecei a prestar os vestibulares para entrar na universidade, o furor do projeto aqueceu o mercado de ações, muitos países quiseram participar, porém, no momento em que perdeu-se o contato com a Apollo X uma névoa de pessimismo se abateu em todas as esferas e afetou a economia global, engraçado como um projeto de idealistas de uma única nação pode abalar tanto as diretrizes internacionais, por outro lado as questões relativas a atualidades nunca foram tão fáceis de serem estudadas.

— De fato o fracasso da missão culminaria em uma perda significativa de idealismos, o presidente havia apostado suas fichas no projeto, várias autoridades foram questionadas sobre o motivo de não terem enviado um veículo não tripulado para executar a tarefa ao invés de nossas preciosas formas de vida humana, costumávamos jogar cachorros e macacos na estratosfera antes, mas, a PETA tinha endurecido suas políticas e eles não deram declarações do motivo de não terem enviado máquinas com inteligência artificial. Passados um mês de missão e levando em conta o tanto de combustível que a nave tinha os governos conjuntos não tiveram outra saída a não ser noticiar que os desbravadores estavam perdidos e possivelmente haviam perdido suas vidas no experimento, as famílias receberam condecorações póstumas e houve uma grande comoção da mídia, um verdadeiro circo midiático, invadindo privacidade de familiares, divulgando arquivos sigilosos, o modo abutre ligado no máximo.

— Conforme você verbaliza esses eventos, é como se guiasse minhas memórias, sou capaz de recordar todos esses detalhes que me conta, atrevo-me a dizer até que lembro-me dessas coisas melhor agora do que lembrava antes, devo estar maluco...

— Não, você não ficou maluco, quando se desbloqueiam as memórias é como se esses eventos estivessem acontecido há pouco tempo, esses chips foram desenvolvidos primeiramente para que o usuário pudesse focar em algum conteúdo especifico do cérebro, exemplo: você testemunha um crime de forma ocular, porém, a adrenalina do momento faz com que você não se concentrasse nos itens importantes para a investigação, o chip bloqueia todas as outras memórias exceto o crime, foi elaborado para lidar com traumas, fobias e outro exemplo é sua utilização para estudantes em vestibulares buscando deixar no cérebro apenas os conteúdos estudados.

— Isso teria me ajudado bastante em minha vida de vestibulando, detesto lembrar-se do slogan de produtos alimentícios que nem sou consumidor ao invés do teorema de Pitágoras.

— Apesar da criação do chip ter por objetivo essa nobre causa (como boa parte das coisas) sua utilização atual é para fins bélicos...

— Como boa parte das coisas? Como assim?

— Pense no avião, por exemplo, sua função ao ser criado era reduzir tempo nas viagens de longas distâncias, não transportar bombas nucleares capazes de dizimar cidades inteiras, ainda assim fizeram esse uso do veículo aéreo – disse Sara encarando-me e franzindo suas sobrancelhas.

— Argumento muito válido apesar de que até você mencionar o avião eu nem me lembrava da existência dele.

— Isso é normal, as lembranças bloqueadas retornam todas de uma vez, acredito que esteja cansado, sei que deve ter despertado há pouco tempo, mas sugiro ficar em repouso por enquanto – ela levanta-se, vai até a cozinha e pega um comprimido junto ao copo que me serviu água anteriormente. – Tome, esse medicamento vai ajudar você a descansar e aliviar as dores de cabeça.

Peguei o comprimido e ingeri o mesmo, logo após o consumo do medicamento fui escoltado até o quarto, lá adentrei no banheiro, tomei um banho de água quente, durante o banho pude notar alguns ferimentos que não faziam parte das memórias bloqueadas, apesar de estar sem o chip na floresta, era muito difícil recordar da noite anterior, o chuveiro desligado deixava o vapor circular pelo ambiente, envolto as toalhas eu ficava olhando fixamente para as gotas de água que pingavam do topo de minha cabeça de encontro ao ralo, a água era em grande quantidade, o ralo do tamanho de uma maçã, mas apesar dessa diferença, mesmo com toda aquela água, o ralo era implacável, como uma máquina de guerra obliterando soldados sem esforço, balancei a cabeça tentando apagar essa comparação, terminei de me enxugar, troquei as minhas vestes sujas e surradas e me dirigi até a cama que estava ao meu aguardo, coloquei a cabeça no travesseiro e o mundo ficou em silêncio novamente.

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