Capítulo 4

A casa estava silenciosa demais. Não o silêncio confortável de um lar em descanso, mas aquele que pesa nos ouvidos, que se infiltra nos pensamentos e faz cada som pequeno parecer uma ameaça. A mãe de Kaya andava de um lado para o outro na sala, ela mesma estava sentindo os efeitos da cidade, sobre seu corpo, afinal, ela evitou os laços com os ancestrais e tudo, por muitos anos. As lembranças de uma juventude, de quando ela amava ser bruxa, estavam a consumindo. Ela foi ao quarto de Kaya, ver se ela iria jantar e então notou a falta da filha.

Kaya sair, fugir, era comum, porém naquela cidade, tudo era possível e a mãe dela sabia, dos riscos. Começou andar de um lado, para outro, com o celular apertado contra a palma da mão, como se fosse capaz de fazer a filha aparecer apenas pela força da preocupação.

— Já está claro… — murmurou, mais para si mesma.

— Ela tá demorando demais… Acho que vou procurar. Algo aconteceu, eu sinto.

Nilufer estava sentada no sofá, as pernas cruzadas com elegância, as mãos apoiadas no colo, entediada.

— Mãe… — disse, com a voz suave, quase cuidadosa demais.

— Tenta se acalmar.

Yesenia parou de andar e a encarou.

— Como você quer que eu me acalme, Nilufer? Sua irmã sumiu numa cidade em que ela não conhece! E se alguém fizer algo com ela?

Nilufer inclinou levemente a cabeça, como quem compreende profundamente a dor do outro.

— Eu sei — respondeu.

— Mas você sabe como a Kaya é, ela… sente tudo muito intensamente. Ela sempre volta.

A mãe suspirou, passando a mão pelo rosto cansado.

— Sempre foi assim, desde pequena. Ela só me trás problemas.

— Ela só está chateada. — Nilufer continuou, escolhendo cada palavra com precisão cirúrgica.

— A mudança, a cidade nova… tudo isso mexe com ela. Ainda mais com o temperamento que ela tem.

— Temperamento… — a mãe repetiu, com amargura.

— Isso não é temperamento, esse lugar, eu odeio tudo aqui.

Nilufer manteve a expressão calma, mas por dentro sentiu o conhecido gosto doce da vitória se espalhar.

— Talvez… — disse, fingindo hesitação.

— Talvez se ela tentasse ser um pouco mais… flexível. É melhor, ela não ir conhecer, seus amigos.

— Ela está fora de controle, pode nos envergonhar.

Yesenia olhou para a filha mais nova, com os olhos suavizando.

— Você sempre me entendeu — disse.

— Sempre foi tão responsável. Não vou deixar ela estragar nada. Vou deixá-la acorrentada.

Nilufer abaixou o olhar, como se estivesse constrangida.

— Eu só tento fazer o certo. Correntes não.

A frase soou como um alerta para a mãe.

— Queria tanto que sua irmã fosse mais como você — ela confessou.

— Menos… agressiva, menos complicada.

Nilufer sentiu o peito queimar discretamente.

— Ela não é má pessoa — acrescentou.

— Só não sabe lidar com as próprias emoções. Diferente de mim… eu aprendi a controlar.

A mãe assentiu lentamente.

— Você é uma boa garota, Nilufer, sempre foi. Tenho certeza que todos, vão te amar aqui.

E aquilo era tudo o que Nilufer precisava ouvir. Afinal, ela tinha um pretendente, para conhecer.

Enquanto isso, do lado de fora, Kaya caminhava pelas ruas ainda vazias da cidade, os passos firmes demais para alguém que dizia estar fugindo de algo. O céu já estava claro, mas o sol parecia distante, escondido atrás de nuvens densas. Cada respiração ainda carregava resquícios de raiva, aquela sensação incômoda de ter sido arrancada de algo antes mesmo de conseguir entender o que era.

Pensava na casa nova, nas brigas, ofensas, no ta.pa. Tudo fervilhava dentro dela.

Mas, contra sua vontade, outro pensamento se infiltrava. O homem alto forte, que ela trombou da rua.

A forma como ele havia se abaixado rapidamente, o tom genuinamente preocupado, o sorriso fácil, confiante demais para aquela hora da manhã. E, principalmente, o olhar curioso depois que ela o tratou mal.

— Id.iota. — murmurou, para si mesma.

— Deve ser mais um riquinho mimado.

Ela não tinha espaço para distrações, não tinha tempo para estranhos charmosos com ar de problema. Ainda assim, a imagem dele surgia com irritante facilidade. Kaya virou a esquina da rua de casa, com o estômago se contraindo ao ver a fachada clara demais daquela prisão disfarçada de lar. As janelas estavam fechadas, tudo parecia normal demais para uma casa que, poucas horas antes, havia explodido em silêncio e violência.

Ela pulou o muro, contornou o quintal, indo direto para os fundos. As árvores balançavam lentamente com o vento, como se sussurrassem segredos que ela ainda não compreendia, aquela paisagem a fazia querer olhar, o tempo todo. A janela do quarto estava exatamente como ela deixara. Aberta. Kaya subiu com cuidado, com o corpo ágil, acostumado a fugir, e, quando colocou os pés no chão do quarto, sentiu o alívio imediato de estar em seu território.

Mas ele durou pouco.

— Onde você estava?

A voz da mãe a surpreendeu. Kaya congelou.

Nilufer entrou sentou na cama, com as mãos cruzadas, observando como quem assiste a uma peça particularmente interessante. A mãe estava de pé, com os braços cruzados, o rosto duro.

— Ótimo. — Kaya falou.

— Comitê de boas-vindas.

— Não brinque comigo — Yesenia disse, avançando um passo.

— Você tem ideia do quanto eu fiquei preocupada?

— Preocupada? — Kaya riu, sem humor.

— Engraçado, umas horas atrás tava me batendo e agora tá preocupada?

Nilufer se levantou lentamente.

— Kaya, para — disse, com voz doce.

— A mãe só quer o seu bem. E você, não quer estragar tudo aqui. Na nossa vida nova. Ou quer?

— Fica fora disso, para de se meter onde não é da sua conta, perfeitinha. — Kaya respondeu, sem sequer olhar para ela.

— Não fale assim com sua irmã. — Yesenia repreendeu.

— Ela é a única aqui tentando ajudar. Você não vai sair conosco, vamos passar o feriado, com amigos.

Kaya finalmente encarou Nilufer. E viu. O brilho satisfeito nos olhos. O sorriso quase invisível no canto dos lábios.

— Ajudar? — Kaya perguntou, dando um passo à frente.

— Você tá adorando isso, né, sua fingida de me.rda? Desde o começo, ela não me queria junto.

— Chega! — a mãe gritou.

— Você está proibida de sair dessa casa, ouviu bem? Proibida! Não me faça, te acorrentar.

Kaya sentiu algo dentro dela se partir. Pois não se sentia no auge do descontrole, para ser presa.

— Você não pode me trancar aqui.

— Posso e vou. — a mãe respondeu.

— Enquanto você morar sob o meu teto, vai seguir minhas regras.

— Esse teto nunca foi meu mesmo, não é novidade. — Kaya falou, com a voz tremendo de raiva.

Nilufer suspirou teatralmente.

— Viu, mãe? É disso que eu falo. Ela sempre exagera tudo. Você nem queria ir junto.

— Cala a boca, Nilufer! Vai à m.erda você também! — Kaya gritou.

— Não ouse falar assim com ela. — a mãe rebateu, com o rosto vermelho.

— Você já passou de todos os limites! O que os vizinhos vão achar?

Kaya sentiu o peito apertar, a respiração irregular.

— Ninguém vai me prender, se tentar eu vou sumir e você nunca mais vai me achar! — disse, cada palavra carregada de desafio.

— Eu juro, não ouse me acorrentar.

— Você está falando besteira — Yesenia retrucou.

— Está fora de si.

— Talvez — Kaya respondeu, com um sorriso amargo.

— Mas pelo menos eu sou honesta sobre quem eu sou. Não sei viver como um personagem.

O silêncio ficou pesado. Ela estava diferente, e sua mãe sabia, sentia, a natureza dela, estava diferente.

Nilufer observava tudo, quieta agora, absorvendo cada segundo. Aquela era a confirmação final. A prova de que, aos olhos da mãe, ela era a escolha certa.

— Você vai ficar aqui. — a mãe disse, apontando para Kaya.

— E não saia. Nem pense nisso.

Kaya não respondeu. Apenas esperou que as duas saíssem, foi fechando a porta atrás de si com força suficiente para fazer as paredes tremerem.

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