A noite em que Jessica ouviu a conversa incriminadora entre Isabella e Giovanni Moretti foi a mais longa de sua vida. O sono foi uma miragem distante, substituído por um turbilhão de medo, raiva e uma urgência desesperada. As palavras deles – "fase três da Vértice", "transferências", "Calegari não poderá fazer nada" – ecoavam em sua mente como um sino fúnebre. Luigi estava sendo metodicamente enganado, e ela, uma simples empregada, era a portadora solitária daquela verdade explosiva.
Ao amanhecer, a exaustão se misturava com a ansiedade. Não podia ficar parada. Precisava, de alguma forma, alertar Luigi, mesmo que isso significasse arriscar tudo. Mas como? Chegar para o grande empresário Luigi Calegari e dizer "Sua noiva e o pai dela são golpistas" era impensável. Ele a esmagaria como um inseto, influenciado por Isabella, que certamente a pintaria como uma louca mentirosa e invejosa. Precisava de algo mais, uma fagulha de prova, por menor que fosse, para dar peso às suas palavras.
Lembrou-se do cartão da "Soluções Patrimoniais Vértice" e do nome "Silas Medeiros". Se conseguisse conectar esses nomes a algo concreto dentro dos negócios de Luigi, talvez ele a escutasse. O escritório dele era o lugar mais provável.
No dia seguinte, com o coração martelando contra as costelas como um pássaro aprisionado, Jessica esperou sua oportunidade. Luigi tinha uma reunião externa pela manhã. Dona Matilde estava ocupada com os preparativos para um pequeno jantar que os Calegari ofereceriam naquela noite. Era agora ou nunca.
Com o pretexto de fazer uma limpeza mais profunda no escritório, ela entrou, trancando a porta por dentro – um risco enorme, mas necessário. Suas mãos tremiam enquanto vasculhava discretamente as gavetas da mesa de Luigi, as menos pessoais, as que continham papéis de trabalho. Encontrou relatórios da Innovare Participações, repletos de gráficos otimistas que ela agora sabia serem falsos. Encontrou memorandos sobre a fusão com o grupo Moretti. Mas nada sobre a Vértice ou Silas Medeiros.
O tempo urgia. Desesperada, olhou para o computador de Luigi. Ele raramente o deixava ligado e desbloqueado. Mas naquele dia, talvez pela pressa da reunião externa, a tela estava acesa, protegida por um descanso de tela com o logo da Calegari. Hesitou. Seria uma invasão de privacidade terrível, um abuso de confiança que poderia custar-lhe não só o emprego, mas também a liberdade. Mas a imagem de Luigi sendo levado à ruína a impulsionou. Tocou o mouse. A tela pediu uma senha. Frustração.
De repente, lembrou-se de um pequeno cofre disfarçado de livro que Luigi às vezes consultava. Ele ficava na prateleira mais baixa, quase escondido. Raramente o via mexer ali. Com as mãos suando, pegou o "livro". Não estava trancado com chave, mas com um pequeno segredo numérico. Qual seria? Tentou a data de fundação da Calegari, a data de nascimento do pai dele – informações que ouvira em conversas pela casa. Nada. Então, uma lembrança: o porta-retrato na sala de estar, da mulher sorridente que não era sua mãe. Luigi olhava para aquela foto com uma melancolia particular. Em uma das raras vezes que o viu sorrir de verdade, ele mencionara que aquela mulher, uma tia muito querida já falecida, nascera no dia... 15 de Maio. 1950.
Tentou. O pequeno fecho estalou. Abriu. Dentro, alguns documentos antigos, passaportes e... um pequeno caderno de anotações de capa dura. Folheou-o rapidamente. Eram anotações pessoais, senhas, lembretes. E lá estava: "Vértice – Contato: S.M." e um número de conta em um banco suíço. Ao lado, uma anotação menor: "Garantia colateral Innovare – Verificar com G.M.". G.M. Giovanni Moretti. S.M. Silas Medeiros. Era uma ligação, frágil, mas era algo. Fotografou a página com o celular, o tremor em suas mãos quase tornando a imagem ilegível. Fechou tudo, colocou no lugar, e saiu do escritório no exato momento em que Dona Matilde passava pelo corredor.
"Terminou rápido hoje, menina", comentou a governanta, olhando sempre sem carisma algum.
"Sim, senhora. O Sr. Luigi pediu para não mexer em alguns papéis sobre a mesa, então foi mais rápido." Mentiu, sentindo o rosto queimar.
Com aquela pequena, mas perigosa, "prova" em seu celular, Jessica sentiu a urgência aumentar. Precisava falar com Luigi antes do jantar daquela noite, antes que Isabella chegasse e exercesse sua influência.
Encontrou-o no jardim de inverno, no final da tarde. Ele parecia exausto, massageando as têmporas. Tomou toda a coragem que possuía.
"Senhor Calegari", começou, a voz trêmula. "Preciso falar com o senhor. É... é urgente e muito sério."
Ele a olhou, a surpresa se transformando em impaciência. "Estou ocupado, Jessica. O que quer?"
"É sobre... os negócios com a família Moretti. Com a Innovare Participações."
A menção da Innovare o fez encará-la com mais atenção. "O que tem?"
"Eu... eu acho que o Senhor está sendo enganado", disse ela, as palavras saindo apressadas. "Acredito que há um esquema para... para prejudicar o Senhor financeiramente. Envolvendo uma empresa chamada Vértice e um homem chamado Silas Medeiros."
Luigi franziu a testa, a incredulidade estampada no rosto. "Do que está falando? Como você saberia de algo assim?"
"Eu... eu vi coisas, ouvi coisas... Por favor, Senhor, precisa investigar! Eles mencionaram transferências, acesso aos ativos da Calegari... que o Senhor não poderá fazer nada quando descobrirem!" A voz dela estava embargada pelo desespero.
Luigi levantou-se, a raiva começando a substituir a surpresa. "Você está me acusando de ser um tolo, Jessica? Acusando minha noiva e a família dela de fraude, baseado em... 'coisas que ouviu'? Você enlouqueceu?"
"Não, Senhor! Eu juro! Eu tenho..." Ela pensou em mostrar a foto, mas o medo de como ele reagiria ao saber que ela vasculhara suas coisas a paralisou. "Por favor, apenas investigue discretamente. Pela sua segurança!"
"Isso é um absurdo!", ele explodiu, a voz ecoando pelo jardim de inverno. "Você está passando dos limites! Deve ser mentira... deve estar tentando meu enganar ... Não sei o que se passa na sua cabeça, mas..."
Nesse exato momento, a porta se abriu e Isabella Moretti entrou, elegante como sempre, mas com um brilho gélido nos olhos. Ela havia chegado mais cedo para o jantar. Tinha ouvido os gritos.
"Algum problema, querido?", perguntou, a voz doce como veneno, olhando de Luigi para Jessica, que empalideceu instantaneamente.
"Nenhum, Isabella", Luigi respondeu, tentando se recompor, mas a raiva ainda era palpável. "Apenas a Srta. Jessica aqui... tendo algumas... ideias fantasiosas sobre nossos negócios."
Os olhos de Isabella se fixaram em Jessica como os de uma serpente prestes a dar o bote. Um sorriso frio curvou seus lábios. "Ideias fantasiosas? Ou talvez... maliciosas? Sempre achei essa moça um tanto... curiosa demais, Luigi. Bisbilhotando pelos cantos. Quem sabe o que mais ela anda fazendo ou dizendo por aí?"
O terror tomou conta de Jessica. Isabella sabia. De alguma forma, ela sabia ou suspeitava que Jessica era uma ameaça.
"Eu não estou mentindo!", Jessica conseguiu dizer, a voz fraca. "Por favor, Sr. Luigi, acredite em mim!"
"Acreditar em você?", Isabella riu, um som desprovido de humor. "Uma empregadinha invejosa que claramente tem algum tipo de fixação doentia por você, meu amor? Ou em mim, sua noiva, membro de uma das famílias mais respeitadas deste país?" Ela se virou para Luigi, a expressão agora de vítima ultrajada. "Luigi, isso é intolerável! Essa mulher está tentando criar intrigas entre nós! Ela está me difamando, difamando minha família! Você precisa tomar uma atitude! Precisa demiti-la imediatamente!"
Luigi olhou de Isabella, com o rosto contorcido em fúria calculada, para Jessica, pálida e trêmula, mas com uma súplica desesperada nos olhos. A cabeça dele latejava. As palavras de Jessica, embora inacreditáveis, tinham um tom de urgência, de verdade... Mas Isabella... A pressão da família, os negócios, a imagem pública...
"Eu... eu não sei o que pensar", ele disse, passando a mão pelos cabelos, claramente dividido e exausto.
"Não sabe o que pensar?", Isabella atacou. "É óbvio! Ela é uma mentirosa perigosa! Se não a demitir, Luigi, vou considerar isso um insulto pessoal. Talvez ela até tenha roubado algo! Quem sabe o que uma pessoa assim é capaz de fazer?" Isabella avançou sobre Jessica. "O que você andou bisbilhotando, sua insolente? Está escondendo alguma coisa?"
Jessica recuou, encurralada. Sua tentativa de ajudar havia se transformado em um pesadelo. Estava exposta, acusada, e o homem que tentara salvar parecia prestes a acreditar em sua algoz.
"Eu vou... investigar isso, Jessica", Luigi disse finalmente, a voz fria e distante, mas com uma sombra de dúvida nos olhos que não passou despercebida nem por Jessica nem por Isabella. "Mas se eu descobrir que você está mentindo, que isso é apenas uma tentativa de causar problemas... as consequências serão severas." Ele se virou para Isabella. "Vamos, querida. Nossos convidados chegarão em breve."
Ele ofereceu o braço a Isabella, que o aceitou com um sorriso triunfante, lançando um olhar venenoso para Jessica por cima do ombro de Luigi. Saíram do jardim de inverno, deixando Jessica sozinha, tremendo da cabeça aos pés, o gosto amargo da derrota e do medo em sua boca.
Ela quase fora exposta. Sua tentativa de alertar Luigi não só falhara, como a colocara na mira direta de Isabella. Agora, mais do que nunca, estava em perigo. E Luigi, apesar da ameaça, não a demitira de imediato. Aquela pequena hesitação, aquela sombra de dúvida nos olhos dele, era a única e minúscula fagulha de esperança à qual ela podia se agarrar. Mas era uma fagulha prestes a ser soprada pelo vendaval da fúria de Isabella Moretti.