BENTO
Querida, eu rio quando afunda
Um pilar que eu tenho orgulho
Mal posso falar pelo meu pensamento
O que você fará comigo esta noite?
Dinner & Diatribes - Hozier
Saindo do salão de festa, eu olho para o homem alto, negro, com tranças na cabeça e vestido com roupas bem informais, na sua jaqueta jeans e suas botas pesadas, na entrada do salão. Ele pisca para mim, confirmando que o que pedi estava feito. Sorrio de volta e entro no corredor da faculdade. Nos corredores, olho em volta procurando a menina alta e toda de rosa. Vejo quando ela sai do banheiro, passando as mãos no cabelo, arrumando qualquer cacho que possa ter saído do lugar.
— Prefiro eles soltos e rebeldes — digo, encostado nos armários. A luz meio fraca dos corredores faz Sol forçar os olhos. Lembro que ela usava óculos às vezes, nas fotos que eu via nas redes sociais, sorrindo com Sam do lado. Por que ali estava sem? Mais uma ordem de Marina?
— Ah, é você? O que quer? Vai me matar aqui escondido de todos? — Ela cruza os braços na defensiva. Sempre foi fácil lê-la.
— Eu nunca escondo as coisas que faço, Sol, essa é você.
Provoco e Sol passa a língua pelos lábios para depois morder o inferior, suspirar como se cansada e parar naquele biquinho que fazia sempre que algo a descontenta. Quase rio. Fazia muito tempo desde a última vez que vi isso e ainda era igual. Ela podia querer mostrar que mudou, mas do meu ponto de vista era a mesma. Ela estava diferente por fora, mas por dentro, não.
— Vai se foder, Bento.
Ela passa por mim como se eu fosse um objeto indesejado, e em um momento de descontrole, a seguro pelo braço e a coloco contra a parede. Chego bem perto, encostando nela, corpo com corpo, olhando os olhos negros como a noite. Ela me olha de igual para igual, sem fugir, sem desviar, queixo erguido. Essa, sim, é ela. Ela nem arregala os olhos quando vê que não a solto.
Tenta me empurrar com as mãos em meu peito. Ela é forte, admito, mas precisaria de duas ou três dela para ter alguma chance contra mim. Desistindo, ela desvia o olhar.
— O que você quer?
— De você, por enquanto, nada. Você está no fim das minhas prioridades, eu tenho uma lista — falo perto da boca dela, olhando para os lábios roxos e carnudos que ela morde nervosa. Não consigo evitar pensar que o rosa ainda não combina com a pele preta. Ela ficava ótima de roxo.
Para de pensar nisso, porra!
— Por que voltou? Ninguém te quer aqui!
Ela fala e volta a me olhar. Ficamos assim por alguns segundos. Ela desce os olhos para minha boca, e ali, sei que ganhei mais uma batalha, e ela também sabe que perdeu mais uma, porque na hora que percebe o que fez, fecha os olhos, espreme os lábios com raiva e vira a cabeça, segurando o ar nos pulmões.
Seguro o riso. Ela me empurra, e eu deixo, saindo um pouco de perto.
— A burca ficou ótima, tampou tudo que deveria, todas as gordurinhas a mais, elas aumentaram né? — provoco. — Nem Marina pode te controlar. — Solto uma risada. — Bom saber que aí ainda b**e um coração que ama batata frita.
Num acesso de raiva, Sol me dá um tapa estalado, forte e seco. Eu a olho sem acreditar e ela sorri por meio segundo, até eu a segurar pelos ombro e a encostar contra a parede do corredor, a encarando sem deixar que desvie os olhos negros dos meus. Ela precisava saber que as coisas mudaram, que ela não significava mais nada para mim. Não sou a mesma pessoa, mas ela, por outro lado, não mudou nada, sei exatamente quem ela é.
Pressiono meu corpo contra o dela, sentindo que é uma faca de dois gumes, mas sempre me controlei mais que ela em relação a isso.
— Vai me agredir? — pergunta, cheia de marra, mas a desmonto quando passo minha língua por cima de sua boca e sinto sua respiração ficar superficial, sei exatamente como bagunçar Sol.
Sua pele fica quente contra a minha, seu olhar escorrendo até minha boca, sua resistência acaba, ela sabe que caiu, sabe que ganhei a batalha.
— Uau, parece uma cadela no cio. — Não posso evitar rir. — Estava me esperando, baby?
— Nos seus sonhos, filho da puta! — Sol explode e empurra meu corpo, afastando-me.
— Assim está melhor, essa parece mais você, Girassol. — Uso o apelido que usava antes e não escondo um sorriso.
— Isso não vai ficar assim, Bento.
— Você promete? Preciso que você realmente tente, porque odeio ficar entediado.
— Veio destruir o que sobrou?
— Vim cumprir minha promessa. Eu disse que voltaria e acabaria com todos vocês. Um por um.
— Vai me bater e me matar, Bento? É esse o plano, cometer crimes? Mais crimes?
— Cada um de vocês vai ter o que merece na hora que merece. Você vai ficar por último, Girassol, porque a parte que cabe a você quero aproveitar lentamente.
— Seus pais vão dar um jeito em você.
Gargalho com a afirmação dela e a olho sem acreditar na merda que ela virou. Ela obedece e escolhe constantemente aqueles malditos, vendida do caralho.
— Você é uma vadia, igualzinha à sua mãe, não é?
Sol parece acionar um botão, que a faz ficar sombria. Ela escurece mais os olhos e me olha com ódio. Ótimo, era isso que eu queria. Já provei que ainda a atraio, que ela ainda me deseja, agora vou provar o ódio, e por último, a cereja do bolo será o amor. Vou usar esses três elementos para saborear as lágrimas dela. Desejo, ódio e amor.
— Se é o que você quer, se quer essa merda, então vamos lá, Bento. Eu tenho muito mais motivos para querer vingança e sua cabeça numa bandeja, então… tenta a sorte, pode vir. Definitivamente, não sou mais a mesma.
— Estou contando com isso. — Eu me viro para sair e falo sobre os ombros. — Fala para o seu namoradinho que depois do carro ridículo dele, ele é o próximo na lista. Ou talvez a mamãe, veremos. — Saio sem a resposta dela.
Depois de alguns minutos bebendo no bar, Alfredo se senta ao meu lado.
— Olha lá.
Ele fala vendo meus pais, Samuel e Sol saírem juntos, apressados. Outros alunos, professores e convidados vão atrás. Sorrio e Fred me espelha.
— Você não fez nenhum erro ortográfico, não é, Alfredo? — pergunto, e ele me olha de lado.
— Isso é preconceito, doutor, eu escrevo muito bem, terminei o médio na última vez que me tirou da cadeia. E por favor, só Fred, não fode.
É, tirei, e valeu a pena. Depois de alguns minutos, eu e ele caminhamos em silêncio indo para o meu carro, sem ninguém perceber a presença de Fred, tamanha comoção em volta do carro de Sami. Meu irmãozinho tem um fodido BMW 320i, ele só pode querer compensar alguma coisa, não é possível.
Meus pais falando no celular, tentando resolver a bagunça, enquanto a Sol está tentando acalmar o Sam, e ele surtando. A loira, Sarah, tentando se encaixar na bagunça, tentando ser necessária. Eu quase não a notei antes.
No carro automático que papai deu, todo destruído depois de Fred acabar com ele, estava escrito com tinta vermelha:
“Talarico morre cedo”.
Eu quis rir, a linguagem do meu amigo era precisa e objetiva e fez o efeito que eu queria. A brincadeira está só começando.