3 BENTO

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BENTO

Eu, que não fumo, queria um cigarro

Eu que não amo você

Envelheci dez anos ou mais

Nesse último mês

Eu Que Não Amo Você - Engenheiros do Hawaii

Na estrada, em alta velocidade, dirigindo meu Opala SS, estava em meu lugar favorito; eu não pensava em nada, só na adrenalina. Era bom para acalmar a mente. Meus planos estavam fervilhando dentro de mim e finalmente, depois de cinco anos, conseguiria colocá-los em prática. Levou tempo, mas a perfeição leva tempo. Eu saí daquela cidade há cinco anos; eu tinha vinte e três anos e ela dezoito. Tudo era proibido e gostoso demais, e eu caí feito um idiota, quase me ferrei. Na verdade, me ferrei inteiro. Todos me odiavam, literalmente todos naquela cidade pequena de merda me odiavam, mas todos em Magnólia amam ou fingem amar, a família perfeita do juiz e da promotora, Carlos e Marina Villas Carvalho, e seus filhos igualmente perfeitos, Samuel e Sol. 

Chegando próximo à faculdade, um dia sonhei em me formar naquele buraco de lugar, mas não pude porque fui expulso da cidade, ganhei de cara um presente. Antes de estacionar, vi Samuel, meu irmão mais novo, e Sol de mãos dadas entrando no local. Que cena maravilhosa de se ver: o irmão traidor que cobiçou e roubou minha namorada, e minha ex-namorada, a traidorazinha de merda que se vendeu por dinheiro, luxo e sobrenome. 

Foi por isso que voltei, para me vingar de todos eles. A lista era grande: papai, mamãe e filhinhos, todos da família Villas Carvalho, teriam seu momento agora que estou de volta.

Afonso, pai de Sol, um dia me disse que o lutador tem que impor respeito e não medo, mas o que aprendi, foi o medo. Só Afonso me ensinou respeito, era meu único amigo, e eu o matei. Então, acho que seria melhor o medo do que o respeito. E é isso que pretendo fazer, trazer tanto medo para a vidinha perfeita deles que vão me implorar por misericórdia.

Ser advogado da área penal ajudou muito em vários aspectos da minha vida. Aprendi tanta coisa, tenho tantos favores a cobrar que nem se eu quisesse precisava sujar as mãos, mas eu quero. 

Quando entrei na sala e meu irmão me viu, foi cômico. Quis rir, mas segurei. Ele estava chocado, em pânico, como se o medo tomasse conta dele lentamente. Ah, irmãozinho, fácil demais. Eu me apresento, e ele faz menção de sair, provavelmente atrás de sua namoradinha, mas se senta ao ver ela e a loira, Sarah, entrando pela porta.

Nossos olhares se cruzam por um instante, e ela percebe que do lado de cá não está a mesma pessoa. Já eu percebo que do lado de lá nada mudou, embora as roupas e os cabelos tenham a marca registrada de Marina, ainda é ela. Quando vi Sol fugir, quis rir de novo, mas segurei. Não era hora ainda. Ganhei apenas uma batalha; o que  quero é a guerra. E ela começa hoje.

Mais tarde, naquele dia de merda, que não correu como eu esperava, precisava sentir mais do medo deles, então me preparei para a festa dos acadêmicos. 

Antes de sair do meu apartamento, que aluguei meses antes, olhei meu reflexo no espelho. Eu nunca fui um cara vaidoso, mas passei a ser quando percebi que esse era um poder a mais em qualquer luta. E contra ela era um ótimo poder. Ainda é.

Pude ver na sala, naquele instante, ela me analisar, medir, querendo ver o que mudou, o que faltava, o que melhorou. Não sei se ela notou as várias tatuagens que fiz por fora para esconder as marcas dela dentro de mim, porque escondo bem no trabalho, mas hoje à noite vamos verificar mais um ponto. 

Antes de sair, pego meu celular e vejo uma mensagem de P**e, um dos muitos caras que fazem serviços para mim.

P**e: O que você pediu está feito, achei coisas realmente interessantes.

 No meu ramo, se você quer pelo menos competir, tem que ter uma lista grande de contatos e de favores a serem cobrados, e é muito importante ter um hacker de confiança ou pelo menos que te deva.

 Quando cheguei na faculdade, o lugar gritava riqueza e hipocrisia. “Juntos pela justiça” é o lema escrito acima do nome da faculdade, “Centro Universitário de Magnólia”.

Ah! Aqueles riquinhos fodidos não estavam nem aí para a justiça; nunca precisaram dela. Eu sei que isso parece estranho vindo de mim, o filho do juiz e da promotora, mas nunca achei isso normal. Nunca achei que estava tudo bem, termos tanto e tantas pessoas não terem nada. Eu era diferente deles. Eu era o garoto esquisito que não combinava com a família. Era emancipado aos 16, formado no colégio aos 18 e começado a faculdade aos 19, eu sumia por meses e voltava. Eles não acreditavam que eu seria alguém na vida e me mandaram embora com prazer aos vinte e três quando me formei. E eu fui com ainda mais prazer.

Ali, naquele salão, estavam as pessoas mais influentes do estado. Magnólia é um polo de agronegócio. Pude ver uma rodinha se formar ao redor de Marina e Carlos, bajulando os doadores da faculdade. E então vejo ela.

Sol chega com Samuel nos calcanhares, vestindo um vestido rosinha claro. Porra, ela odeia essa cor, ou odiava. Fica esquisito nela, mas ela parece achar ótimo agora. Apesar de ser comprido demais, com mangas, e o cabelo preso demais, puxado, ela ainda parece ela. 

Ela tem mais corpo nos lugares certos, mas continua acima do peso, o que para mim nunca foi um problema. Aposto que Marina inferniza ela com isso, como a mãe dela fazia. Ela está mais mulher, com mais curvas. O sorriso ainda é o mesmo, largo para todos, sincero. Ou, pelo menos, ela finge ser.

Sol olha em volta como se procurasse algo, e eu sei o que ela procura. Ela me encontra, e ao me achar, abre a boca de leve e desvia o olhar rapidamente. Meu irmão finge não me ver, está evitando o confronto, covarde. Já meus pais tentam ao máximo fingir que não estou ali. Eu não os avisei que voltaria e não vou até eles. Vou deixar eles morrerem de medo com o que posso fazer. É bom que tenham mesmo!

Até que o diretor Honório sobe ao palco e me anuncia como novo professor.

 — É uma honra ter um dos maiores advogados deste país, agora professor, na nossa casa, voltando ao lar, Bento Villas Carvalho!

Ele diz no microfone, e eu aceno do bar ao canto do salão. 

Todos se viraram para me olhar, alguns rostos mais velhos da cidade levam alguns segundos para me reconhecer e começar os cochichos. Os alunos antes pareciam não ter ligado nome à pessoa, mas agora todos falam sem pudor de mim e de minha família.

Minha mãe me olha como se visse algo indesejado, já meu pai me olha com um olhar cansado, como se já estivesse desistindo. Sorrio para eles. Honório era um homem poderoso; conseguiu o cargo por política, mas homens poderosos têm podres, todos, sem exceção, e não foi difícil achar os dele. P**e disse que foi até fácil demais.

Ele sai do palco e vai direto aos meus pais. Marina fala algo discretamente, e ele nega com a cabeça. Perfeito, ele cumpriu o acordo. Nosso acordo era claro: eu exigi um cargo e, em troca, meu silêncio sobre as coisas que descobri sobre ele, seu caixa dois e sua amante de dezessete anos. 

O homem meio careca passa a mão no rosto, sorri nervoso e pede desculpas a meus pais antes de se afastar. Sorrio de novo para eles, que percebem ter dedo meu ali e se entreolham. Marina me lança um olhar assassino. Ela realmente achou que depois de cinco anos eu não subiria o nível do jogo?

A noite segue sufocante. Vez ou outra, nossos olhos se encontram como se fugissem e acabassem no mesmo lugar. Sami tenta pegar as mãos de Sol umas dez vezes, eu conto. Dez inconvenientes vezes. O cara é grudento! Inseguro! Aquilo estava entediante demais. Preciso tirar logo a prova dos nove. Pego o celular e ligo para meu contato mais recorrente. Na verdade, hoje em dia, um dos meus dois únicos contatos de emergência, que antes era ocupado pelo do juiz e da promotora.

Já matou quantos?”

 Fred fala no seu tom de tédio, igual ao meu.

— Ainda não, está cedo, mas vamos começar hoje, todos nós.

Já?”

— Eu conheço eles, apenas siga o plano. 

Ok, chefe. Até mais”.

 Desligo a ligação e algo chama minha atenção, fazendo a raiva ferver em mim.

Marina fala no palco e vejo Carlos ao lado dela, Sami subindo com Sol de mãos dadas. Eles param próximos ao casal estrela, segurando sua cintura como se fosse dono dela. Mal sabe ele que ser o namoradinho seguro e ameno não faz dele dono dela, não mesmo, e eu provaria isso. Enquanto Marina segue no discurso hipócrita, os olhos de Sol, tímida como sempre em situações assim, procuraram um ponto na plateia, encontrando os meus, e ali ficamos nos analisando finalmente depois de cinco anos.

Seus olhos vão direto para meus braços, onde arregacei as mangas da camisa, e ela vê as tatuagens, que também saem pela gola da camisa. Numa festa, eu não esconderia elas. Ela percebe que olhou demais e desvia o olhar. Eu sorrio, confirmando o que queria, mas quero mais.

 Após o discurso, eles descem do palco, e vejo Sol sair por uma porta lateral do salão de festas, que dá acesso à faculdade, depois de falar com Marina como se pedisse permissão. Porra, ela tinha sido domada de vez. Claro, ela é igual a eles. Estava no lugar certo.

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