◇ Dois

☆ Viena Santoro ☆

Saio do elevador com os passos firmes, deixando que a raiva preencha o corredor espelhado à minha frente. Cada reflexo meu me devolve a imagem de alguém que está prestes a cometer um crime - e acreditem, eu estou disposta a fazer isso.

Passo direto pela secretária que abaixa os olhos no segundo em que me vê.

Uma reação de alguém que sabe que está prestes a presenciar um assassinato ao vivo, dependendo do que sair da boca daquele desgraçado que ela chama de patrão.

Não espero ser anunciada.

Não peço licença.

Apenas sigo.

Empurro as portas pesadas de madeira com força e entro no escritório como quem invade território inimigo.

O escritório é uma extensão do próprio Hector - escuro, silencioso e excessivamente calculado.

As paredes em tons de grafite e carvão absorvem a luz. Os móveis são todos sob medida, com linhas retas e sóbrias, quase impessoais. Tudo nele grita poder contido, como se nada ali pudesse ser tocado sem permissão.

Ao fundo, uma parede inteira de vidro oferece uma vista privilegiada da cidade - que parece pequena diante da arrogância dele.

No canto, um bar discreto e uma varanda onde ele costuma desaparecer para fumar ou apenas fingir que sente algo.

Nada ali é acolhedor. Nem deve ser.

Hector Beaumont é o tipo de homem que nasceu dentro de uma herança com séculos de história. Um sobrenome tradicional, com raízes antigas na Europa, e que carrega mais influência do que muitos políticos. Herdeiro de um vasto imperio: negócios que vão de tecnologia a energia, do setor financeiro ao imobiliário, com braços em mais de quinze países.

É claro império esse construído pela família Beaumont a algumas décadas, vejam que ironia, seus avós fundaram tudo isso nos anos sessenta, assim como minha avó. Ambas as empresas trabalham juntas até hoje e minha avó é avó daquele idiota são boa amigas, mas é claro como nem tudo são flores. Nós nos odiamos desde a primeira vez que nos vimos, isso a quase quinze anos atrás. Bem, não dá primeira vez é claro, mas isso é história para outra hora.

Caminho até sua cadeira como quem ocupa território inimigo. Sento-me sem pedir licença, cruzando as pernas lentamente.

Estou com pressa.

Estou com raiva.

E a única coisa que me impede de quebrar essa sala inteira é o desejo ainda mais forte de descontar toda minha raiva naquele desgraçado.

Não demora muito para a porta da sala se abrir, e aquele imbecil entrar, afrouxando a gravata como se o ar ali dentro estivesse lhe faltando. Mal parece notar minha presença.

- Bom dia, querido - saúdo com uma doçura que beira o veneno. - Como se sente essa manhã?

A expressão estampada no rosto de Hector foi simplesmente impagável. Eu até ousaria rir, não fosse o fato de ainda estar decidida a arrancar suas bolas por essa palhaçada de contrato.

- Viena? - o espanto em sua voz é gritante. - O que está fazendo aqui?

- Vim ver como está meu amado esposo. Afinal, não é isso que uma boa esposa faz? - respondo, exibindo meu melhor sorriso de fachada.

Ele estreita os olhos, como se tentasse decifrar a situação, mas logo sua arrogância matinal ressurge com força total. Arranca a gravata, j**a-a em qualquer canto da sala e segue até o bar no canto, servindo-se de algo que não consigo identificar - e francamente, não me importo.

- Eu lhe ofereceria um gole, mas imagino que esteja tão bêbada quanto naquela noite. Caso contrário, não teria aparecido aqui desse jeito. - Ele dispara com sarcasmo transbordando. - Diga-me, Viena... como foi estar com um homem de verdade?

- Como você mesmo disse, eu estava bêbada o suficiente para não lembrar de nada. - rebato, estampando um sorriso mortal. - Tanto que nem sequer me recordo de ter me casado com você, seu filho de uma...

- Para alguém criada por alguém tão refinada quanto Eleanor, sua boca é nojenta, querida - ele diz, levando o copo aos lábios. - Mas, deixando esse detalhe de lado... sua boca também faz coisas maravilhosas. Preciso admitir. - Ele sorri com malícia, e eu reviro os olhos. - Agora me diga, que história é essa de casamento?

- Você deveria saber, seu desgraçado. Foi você quem me induziu a assinar esses malditos papéis. - digo, abrindo minha bolsa e jogando a pasta com os documentos sobre sua mesa. Continuo sentada em sua cadeira, pernas cruzadas, semblante sério, enquanto ele se aproxima. Seus olhos alternam entre o decote do meu vestido e o meu rosto.

Ele pega os papéis, folheando um a um. Pelas rugas surgindo em sua testa, percebo que está fingindo muito melhor do que eu me lembrava.

- Que merda é essa, Viena? - pergunta, com a voz e o semblante agora sérios.

- Diga-me você, querido. Não foi você quem me fez assinar essa porcaria? - cruzo os braços e o encaro. Se Hector Beaumont acha que vai me fazer de palhaça, está muito enganado.

- Aqui diz que estamos casados. Você tem noção da loucura que é isso? - ele pergunta, já andando de um lado para o outro como um leão enjaulado. - Eu não sei como você conseguiu isso, mas vai desfazer. Está ouvindo?

A irritação dele me faz gargalhar. Porque, sinceramente, esse neandertal acha mesmo que eu teria vindo até aqui se soubesse como desfazer essa merda sem cometer um homicídio?

- Ai, Hector... desse jeito você me magoa. É tão ruim assim estar casado comigo? - pergunto com falsa tristeza. - Mas, já que insiste... basta assinar esses papéis. São para a anulação do casamento. Você vai se ver livre de mim e é claro eu me livrarei de você.

Seus olhos se estreitam mais uma vez enquanto ele volta a analisar os papéis, examinando cada cláusula com precisão cirúrgica.

- Fique à vontade, querido - digo com um sorriso debochado. - Acredita que cancelei toda a minha agenda só para vir te fazer uma visitinha? Viu só como sou uma esposa dedicada?

- Alguém como você não seria uma boa esposa nem que tentasse, Viena - ele retruca, ácido.

Dou uma gargalhada diante do desprezo escorrendo da sua voz.

- Tem razão, meu bem - respondo, ainda rindo. - Então vamos acabar logo com isso. Assine essa porcaria e...

Ele me interrompe antes que eu conclua.

- Que merda de cláusula é essa?! - rosna, jogando os papéis sobre a mesa e se aproximando de mim de maneira perigosa, os olhos faiscando. - Acha que sou algum imbecil? Eu estaria MORTO antes de permitir que você colocasse as mãos em qualquer coisa que me pertence!

- Posso tornar isso realidade em dois tempos - disparo com sarcasmo, levantando uma sobrancelha. - E por que todo esse escândalo, se foi você mesmo quem enfiou essa cláusula maldita nesse contrato? Ou está achando que eu não sei que foi você quem me fez assinar essa merda quando eu estava bêbada, seu desgraçado?! - Minha voz se eleva, explodindo junto com o controle que tentei manter. - Você começou essa palhaçada, Hector. Agora vai terminar. Assina logo essa droga, ou então...

- Ou o quê? Vai me matar? - ele retruca, rindo, debochado, como se minhas palavras não passassem de teatro barato. - Eu não te induzi a porra nenhuma! Nem lembro dessa merda de contrato! E, honestamente, estou tão feliz com isso quanto você. Mas se acha que vai ser por minhas mãos que essa anulação vai ser assinada... está muito enganada, querida. - Ele finaliza em um tom mais baixo, sarcástico. - Seis meses, certo? Vamos ver quem vai ceder primeiro.

- Espero que esteja pronto para conhecer o inferno, Hector - sibilo em tom grave, ameaçador. - Porque eu vou me livrar desse contrato. Nem que pra isso eu tenha que te mandar pessoalmente pra lá.

- Vá em frente, querida. Mas espero que esteja ciente de que cada movimento seu terá retaliação. Quer declarar guerra? Ótimo. Finalmente encontrou um oponente à altura - ele diz com aquele sorriso nos lábios. Aquele maldito sorriso.

A guerra foi declarada.

E se Hector Beaumont quer ver o circo pegar fogo, serei eu a responsável por derramar a gasolina e acender o fósforo.

Pego minha bolsa e a pasta com aquele maldito contrato, saindo da sala como um furacão - ainda mais furiosa do que quando entrei. Porque desta vez, não estou apenas irritada.

Estou em guerra.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App