Capítulo 2 
Com 20.000 metros quadrados, a Casa da Realeza era a propriedade mais luxuosa de toda Cansington e tinha tudo, jardim, piscina e até campo de golfe.

Thea se sentava no sofá macio da sala da mansão, olhando em volta e examinando a propriedade, incrédula. Parecia um palácio, mais do que qualquer coisa.

Quando Lex, seu avô, decidiu escolher um marido para ela, a jovem sabia que nenhum homem decente e com um futuro promissor concordaria em se casar com ela. Por isso, ela não sabia que tipo de pessoa seria seu marido e, sem perspectiva, imaginou que seria alguém ganancioso e preguiçoso que cobiçava a riqueza de sua família. Mas, estava errada, se seu pretendente a tinha levado para aquele paraíso, ele não era um homem qualquer.

Chegando com passos firmes, para não assustar a jovem que divagava, James se ajoelhou e levantou o véu dela.

― Não! ― Thea entrou em pânico e se esquivou.

Com cicatrizes cruzando seu rosto e corpo inteiro, ela era uma visão assustadora. E se assustasse seu novo marido? Eles ainda nem haviam sido devidamente apresentados!

Entretanto, James removeu o véu, de qualquer maneira.

Thea estava extremamente assustada e seu coração batia em um ritmo acelerado, tamanho era seu nervosismo. Ela se sentia envergonhada e não queria nada mais do que se esconder e desaparecer.

James ergueu o rosto dela, gentilmente, e viu um emaranhado chocante de cicatrizes. Com delicadeza, o homem passou os dedos sobre elas. Seu coração doía, sabendo que era tudo culpa dele. Se Thea não o tivesse salvado, não estaria nessa situação.

James tinha uma expressão terna no rosto, um olhar incomum para ele. Quase em lágrimas, disse:

― Oh, Thea, você sofreu demais. ―

A jovem não tinha coragem de olhar diretamente para James. Em vez disso, ela desviou os olhos para baixo e começou a mexer na barra de sua camisa.

Gentilmente, James disse:

― Confie em mim. Vou ajudá-la a se recuperar. ―

Thea entrou em pânico, novamente, ainda sem olhar para ele.

― Tragam as caixas! ― James se levantou, gritando o comando, e alguns segundos depois, as portas da mansão se abriram.

Homens de terno preto entraram, carregando caixas que continham medicamentos raros e equipamentos valiosos.

Em uma mesa de inox, James começou a trabalhar, mexendo nos itens e os misturando, até formar uma pomada.

Assim que terminou, se agachou ao lado de Thea. Ela ainda mantinha os olhos baixos e mexia na barra da camisa. James colocou as mãos cheias de cicatrizes entre as dele, mas ela se afastou e as escondeu atrás das costas. Olhando para o chão, ela perguntou baixinho:

― O que você está fazendo? ―

― Fique tranquila, Thea. Eu quero cuidar de você. Agora, por favor, tire suas roupas. ―

Chorando, sem entender o que acontecia e achando que era chegado o momento em que James mostraria sua verdadeira natureza e zombaria dela, Thea começou a se despir, dizendo, com agressividade:

― Sim, eu sei que sou feia e tenho cicatrizes em todos os lugares. Você está feliz, agora? ―

A jovem sabia que qualquer homem que seu avô escolhesse para se casar com ela iria zombar dela e humilhá-la. Thea havia se acostumado com isso, ao longo dos anos. Desde o incidente, ela era atormentada por pesadelos, chorava todos os dias e mal conseguia se lembrar de como era ser feliz.

Olhando para James, a jovem mordeu os lábios. Lágrimas se acumulavam em seus olhos e escorriam por suas bochechas.

James sentiu seu coração frio derreter, enquanto olhava para ela e, então, abraçou Thea, jurando, solenemente:

― Eu nunca vou te deixar de lado. Não importa sua aparência, você é minha esposa, agora e para sempre. ―

Thea estava atordoada. James não ia zombar dela? A jovem tinha sido pega tão desprevenida que não conseguiu formular uma resposta.

James a soltou e aplicou a pomada que tinha preparado, nas cicatrizes de Thea. Então, a envolveu com gaze inteiramente, até o rosto. Quando terminou, Thea parecia uma múmia.

James guiou Thea para que se sentasse com ele.

― Thea, confie em mim. Dez dias será o suficiente. Prometo que você será uma pessoa diferente, depois de dez dias. ―

― Sério? ― Thea finalmente conseguiu responder, embora não acreditasse muito.

― É claro. Eu nunca mentiria para você. ―

Mesmo que não pudesse ver o rosto de James, a jovem podia ouvir a voz magnética e gentil, o que aqueceu seu coração.

Em um piscar de olhos, dez dias se passaram e foram os dias mais felizes que Thea experimentou, desde o acidente que a desfigurou.

Ela ainda não sabia quem era seu marido, realmente, e ainda esperava alguma reviravolta, mas James cuidava dela com atenção e ficava com ela o tempo todo. Todas as noites, ele contava histórias e piadas, embalando-a para dormir e quando Thea acordava, suas mãos fortes estavam lá, segurando-a.

Nos últimos dez anos, ela havia esquecido o que era cuidado, sem falar no amor. Mas, agora, ela se sentia como se estivesse apaixonada.

Em frente ao espelho, Thea estava envolta em gaze branca, da cabeça aos pés, incluindo o rosto e não pôde deixar de se sentir nervosa. Por dez dias, o homem aplicou a pomada, religiosamente, e a mulher sentiu sua pele queimar.

James tinha garantido que, desde que fizessem o tratamento corretamente, ela seria capaz de recuperar sua aparência.

― Isso... isso está realmente acontecendo? ― Ela segurava um par de mãos fortes.

― Sim ― James removeu, lentamente, a gaze de seu rosto e corpo.

Thea tinha medo de abrir os olhos e perceber que tinha sido enganada, que seu corpo continuaria cheio de cicatrizes.

―Vá em frente, abra os olhos e veja ― James encorajou.

Só então, nua, na frente do espelho, Thea abriu os olhos.

A jovem ainda tinha os restos da pomada por todo o corpo e havia placas de pele solta, por toda parte, mas era óbvio que sua pele era lisa e imaculada. O reflexo exibia um rosto quase perfeito. Thea ficou chocada e seu queixo caiu.

Depois de alguns segundos, ela enxugou a pomada do rosto, tocando-a, incrédula.

― O que... ―

A mulher ficou embasbacada, além da crença. Como aquela pessoa no espelho, com pele lisa e imaculada, poderia ser ela se, dez anos atrás, tinha sofrido queimaduras e desfiguração?

Por mais avançada que fosse a medicina, suas cicatrizes estavam além de qualquer tratamento existente. Entretanto...

Desde a noite fatídica em que se queimou, Thea não tinha se olhado no espelho, nem uma vez. Agora, contemplando seu rosto perfeito, ela chorava lágrimas de alegria.

A jovem caiu nos braços de James e chorou, sentindo o peso da dor e do sofrimento dos últimos anos se dissipar.

O bondoso general e médico abraçou Thea, com força.

― Eu nunca mais vou deixar você se machucar ― ele prometeu.

No começo, Thea estava animada e muito feliz, então percebeu que estava completamente nua e sua exuberância se transformou em constrangimento.

Ela se livrou do abraço, desviando o olhar, impotente.

James apontou para o banheiro, dizendo:

― Preparei um pouco de água quente e roupas para você, mas não sei suas medidas, então separei modelos de tamanhos diferentes. Basta usar o que for adequado. ―

Timidamente, Thea correu para o banheiro.

James caminhou até o salão, sentando-se no sofá e acendendo um cigarro.

― General ― entrou um homem de cerca de 40 anos, vestindo um terno preto. Ele segurava uma pilha grossa de documentos, passando-a para James, com a cabeça baixa ― essa é toda a informação que temos sobre os Quatro Grandes. Tudo o que pudemos encontrar sobre as mortes dos Caden está aqui. Por favor, dê uma olhada. ―

James apontou para a mesa:

― Coloque ali. ―

― General, dê a ordem e nós cuidaremos deles. ―

James acenou com a mão e o homem parou de falar, imediatamente. Então, levantou a cabeça e olhou para o homem à sua frente, cuja cabeça ainda estava abaixada:

― Não me chame mais de General. A partir de agora, não haverá mais General Dragão. Investigar os Quatro Grandes foi a última vez que usei meu privilégio. Você não precisa ficar comigo. Leve os homens com você. Você é necessário na fronteira. ―

O homem caiu de joelhos:

― Mas, senhor, nós o seguiremos até os confins da terra. A fronteira nas Planícies do Sul é estável. O inimigo não vai invadir. General, não nos faça sair. Vamos ficar e ajudar. ―

James se levantou e puxou o homem, dizendo:

― Henry, este é um assunto pessoal. Eu mesmo cuidarei disso. Uma vez terminado, tudo o que quero é desfrutar de uma vida pacífica e tranquila, sem guerra e violência. Quero ficar com Thea e amá-la o melhor que puder. ―

― General... ―

― Saia. Leve os homens de volta para as Planícies do Sul! ― James rugiu.

Henry ajoelhou-se, novamente. Em voz alta, ele declarou:

― Tome cuidado, General. O Exército do Dragão Negro esperará seu retorno. ―

― Vá ― James sentou-se novamente e acenou com a mão. Só então, Henry se virou e saiu.

Depois de alguns instantes, Thea saiu do banho. Ela havia escolhido um vestido justo branco, que mostrava seu pescoço e braços lisos. No passado, a jovem nunca teria usado algo assim. Ela estava de bom humor, cantarolando baixinho. Tocando sua pele macia e sorrindo amplamente.

A jovem parou quando viu James fumando e mal-humorado, no sofá. Ela se aproximou e sentou-se ao lado dele. Seu rosto estava vermelho, mas ela não sabia se era porque tinha acabado de tomar banho ou porque era tímida.

― Hum... ― a jovem abriu a boca, sem saber o que dizer.

Mesmo tendo passado dez dias com James, tudo agora era diferente porque, antes, ela estava com os olhos vendados. Agora que ela estava realmente se encontrando com ele, estava um pouco tímida e não sabia o que dizer.

Puxado de seus pensamentos, James olhou para Thea, seus olhos brilhando:

― Querida, quando vamos tirar nossa certidão de casamento? ―

― O quê? ―

Thea estava atordoada, com a boca ligeiramente aberta. Ela parecia adorável, quando confusa.

James sorriu.

― Eu faço parte da família Callahan, agora. Sou seu marido, de acordo com as ordens de seu avô. Você está arrependida? Você não quer se casar comigo? ―

― Eu quero. ―

Uma vez que Thea concordava, não havia nada a dizer, exceto essas duas palavras.

James tinha mostrado tanto cuidado por ela, nos últimos dias, que tinha aberto caminho para o coração da jovem. Como ela poderia não se casar com um homem como ele?

Thea lançou um olhar furtivo para James. Ele era alto, forte e confiante. Apenas olhar para ele já a fazia corar e o coração bater mais rápido.

Uma hora depois. De mãos dadas, eles saíram do Cartório.

Thea olhou para a certidão em sua mão e finalmente se deu conta. Ela, que sempre havia fantasiado que teria uma história de amor, no futuro, estava oficialmente casada. No entanto, as coisas raramente aconteciam de acordo com o plano ou a imaginação. Seu avô havia arranjado seu destino de uma forma que, parecia não ter nada de bom para acontecer. Entretanto, James a levou para um palácio onde, em apenas dez dias, ela havia se recuperado e estava linda, mais uma vez.

Mesmo que ainda não soubesse exatamente quem era seu marido, o calor se espalhou por todo o seu corpo e ela segurou a mão de James, com força.
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