— POV: Eduardo
—Está tudo pronto? —Sim, senhor. As rosas já estão na caminhonete, como o senhor pediu. —Ok. Obrigado. Pode sair, Sebastian. —Com licença, patrão. … —Querido… —Mãe, por favor, não venha com isso de novo. —Filho, pare com isso. Essa vingança não faz sentido; é ridícula. —Eu jurei: vou destruí-los, um por um. E é isso que vou fazer. —Essa vingança não é sua, meu amor. Quem deveria vingar… já não existe mais. —A partir do momento em que jurei no túmulo do meu pai, essa vingança passou a ser minha. —Ele não pediu que você fizesse isso, Eduardo. Seu pai queria que você fosse feliz, assim como ele foi. Apesar do que viveu na infância, ele conseguiu seguir adiante e ser feliz enquanto viveu. Esse ódio no seu coração vai destruí-lo, e me destruir também,pois eu não suporto vê-lo assim, desperdiçando a vida tramando vingança pelos cantos desta casa. —Vou ficar bem, dona Inês. Não se preocupe. Não faço isso só por meu pai, que desde criança sofreu demais, mas também por tudo que fizeram à nossa família. A senhora bem sabe. —Você não tem provas disso, querido. —Ainda não tenho. Mas um dia eu vou prová-lo. —Está bem. Não vou falar mais nisso. Só não me peça para ajudar, ouviu? Não compactuarei com isso. Eu amava seu pai, mas nunca seria capaz de machucar alguém por vingança… — ela disse com a voz embargada — Com licença, vou me retirar. Essa conversa atacou minha enxaqueca. Suspirei fundo e cruzei os braços enquanto minha mãe saia, desapontada por não ter me convencido. Fiquei sozinho com pensamentos agitados pela proximidade do que ocorreria naquela tarde. Meu primeiro passo seria dado hoje. Desde que minha família chegou a esta cidade não tivemos paz. Meu pai sofreu desde menino: perseguições, humilhações, abandono. Eu também tive que interromper os estudos; concluí o que pude em casa, com minha mãe, que foi professora no Brasil. Sofríamos, sobretudo, pela mão dos Wilhans — apelidos, risos cruéis, exclusão. Isolamo-nos para não sofrer mais. As histórias que meu pai contava eram revoltantes: lembro do avô assassinado em um “assalto” — assim disseram — e da avó que se suicidou dias depois. Meu pai, menino ainda, encontrou-a morta no quarto. Restaram apenas um tio e uma tia; ele lutou, batalhou e fez esta empresa crescer com pouco estudo e muitos sacrifícios. Conheceu minha mãe, casaram-se, e hoje eu lidero o negócio da família: uma das maiores empresas do país no ramo de plantas ornamentais, flores e decoração. Temos floriculturas e plantações espalhadas pelo mundo. Veio-se de outro país, com poucos tostões, em meio ao preconceito, e venceu. Mas vencemos juntos e hoje estou pronto para começar a destruir todos que nos pisaram um dia. … Desci as escadas da mansão e dirigi-me à caminhonete. Minha mãe ficou no jardim, suspirando, desviando o olhar e balançando a cabeça em negativo. —Vamos, Sebastian — eu disse; ele assentiu. Entramos e partimos. Chegamos à cidade um pouco atrasados; o festival já havia começado. Era exatamente o que eu queria: chegar quando toda a população estivesse reunida. Caminhamos lentamente pela rua principal e, sem perceber, parei perto de uma banca de flores próxima à entrada. Ali, vi uma jovem de cabelos castanhos soltos, com uma flor vermelha presa perto da orelha. Pele bronzeada, vestido tipo cigana rosa que deixava um ombro à mostra, sorriso doce e encantador. Um frio percorreu meu peito; um suspiro saiu sem que eu quisesse. Por um instante, Catarina — minha dor — cruzou minha mente: desde que ela se foi com nosso filho, eu não havia olhado para outra mulher. Mas essa moça me fez sentir algo que eu não sentia há muito tempo. Quando me aproximei, vi um homem junto a ela, abraçando sua cintura e beijando seu ombro nu. Algo estranho me tomou. Fechei os punhos, e Sebastian me cutucou: —Senhor, é por aqui. Já coloquei sua rosa na posição que me indicou. Ouvi dizer que é a mais linda de todas. O povo não cansa de perguntar de quem é. Um sorriso de escárnio brotou no meu rosto. —Perfeito — respondi. Sebastian trabalha comigo há poucos dias; veio da Inglaterra para me representar sem levantar suspeitas. Joaquim, meu homem de confiança, não gostou, mas já resolvemos. Avançamos para o festival. As pessoas nos observavam, sussurravam tentando decifrar quem éramos. Eu não dava atenção — só queria vencer e, de uma vez por todas, afundar os Wilhans. O patriarca dessa família vinha se envolvendo em dívidas, ao qual eu mesmo o ajudei a contrair algumas — e agora via-o perder terras e negócios. Comecei minha vingança por ele: maldito Joseph! Lembro-me de quando era menino e ele, quase adulto, me perseguia na escola. Ninguém nunca fez nada; os Wilhans eram a família mais poderosa da cidade. Hoje, porém, o jogo mudou. Verifiquei os jurados: o prefeito — amigo dos Wilhans — o delegado que veio há cinco anos, uma repórter da cidade vizinha, uma florista de Nova York e o radialista local. Observei tudo de longe até sentir alguém esbarrar em mim. Virei-me: era ela, abaixada juntando panfletos do chão. Ajudei-a a levantar; ela corou, assustada. Seus olhos eram castanhos e pareciam sorrir por si só; os lábios marcados num tom avermelhado. —Desculpe, senhor — ela murmurou, envergonhada. — Sou tão desastrada! A voz dela era rouca, delicada — um som que me tocou. Nossos olhares se cruzaram; senti uma vontade súbita de beijá-la. Percebi que ela também sentiu algo: uma conexão intensa. Quase que sem querer nos beijamos, foi quando Sebastian interrompeu, animado: —Senhor! O senhor venceu! Saí do transe. Ela, entristecida ao ouvir, sussurrou: —Com licença, preciso ir… — e saiu apressada, quase correndo. Dirigi-me ao palco. Ao passar em frente à mesa dos Wilhans, senti o olhar arrogante de Joseph. Notei que a moça que quase beijei depositou a mão no ombro dele. Um calafrio percorreu a minha espinha. Não podia acreditar: o homem que mais desprezo — Joseph Wilhans, parecia ter essa jovem ao seu lado. Tentei não deixar transparecer o abalo. —Seu nome não consta na lista, apenas sua numeração — disse o apresentador. —“Eduardo Ávilla González!!!” — anunciei em voz alta. Todos calaram e me observaram, surpresos. Joseph levantou-se apressado, seguido pela família. O apresentador, sem me conhecer, reagiu com naturalidade: —Sr. González, parabéns! Sua rosa ganhou quase por unanimidade. Como conseguiu esse tom? —Um bom mágico não revela seus segredos — respondi, com um meio sorriso. — Mas dou uma pista: ela foi manipulada. A pigmentação veio de outra flor; foi geneticamente modificada. Estudei por um ano, fiz muitos testes e consegui o resultado. —Ficou maravilhosa! Parabéns, senhor. Aqui está seu cheque simbólico de cinquenta mil dólares. Saí do festival com a sensação de dever cumprido. O primeiro passo da minha vingança fora dado. Porém, um aperto no peito me lembrou da consequência: aquela moça — ligada aos Wilhans — sofreria pelo que sua família fez. Não posso parar. Não vou desistir. —Vamos, senhor? — perguntou Sebastian. Olhei em volta, buscando vê-la mais uma vez, mas a barraca onde a vira já estava fechada. Provavelmente ela fora consolar a família pela derrota. Suspirei, com a determinação renovada: preciso seguir. Não vou parar enquanto não os destruir. …