O Coração do Lobo e a Alma Humana
O Coração do Lobo e a Alma Humana
Por: Ana Beatriz
O Sussurro da Floresta

A poeira dourada da tarde dançava nos feixes de luz que entravam pelas grandes janelas da biblioteca. Lívia sorriu, passando a mão pela lombada envelhecida de um tomo sobre lendas folclóricas. A biblioteca de Havenwood era o seu santuário, um lugar onde a imaginação florescia e o mundo exterior se dissolvia em sussurros de páginas viradas. Fora dali, a pequena cidade de montanha seguia sua rotina pacata, alheia aos segredos que as árvores guardavam.

Lívia sentia uma atração inexplicável pela floresta. Desde criança, ela ouvia o chamado, um sussurro que parecia vindo das entranhas da mata. Era uma melodia antiga, misteriosa, que a embalava e a convidava a se perder no verde profundo. Era esse mesmo chamado que a fazia se sentir tão viva. Contudo, ela mantinha essa paixão escondida. Seu namorado, Daniel, o filho do prefeito e futuro herdeiro de uma grande madeireira, via a floresta como uma mera fonte de lucro. Para ele, as árvores eram apenas recursos a serem derrubados, e a "conexão mística" que Lívia sentia não passava de uma fantasia infantil.

Naquele dia, Daniel estava especialmente irritadiço. Ele a esperava do lado de fora da biblioteca, o celular na mão, com a testa franzida em desaprovação. "Lívia, já estamos atrasados para o jantar com meu pai. Você precisa parar de se perder nesses livros de contos de fadas," ele disse, sem sequer olhar para as páginas que ela segurava.

Lívia fechou o livro com um suspiro suave. "Eles não são contos de fadas, Daniel. São lendas da nossa região. E você sabe que eu amo meu trabalho."

"Ainda assim," ele retrucou, "uma mulher do seu calibre deveria estar se preparando para o futuro, não sonhando com o passado." O comentário picou, mas Lívia já estava acostumada. Ela sabia que ele a amava à sua maneira, mas o amor de Daniel vinha com condições e expectativas. Ele queria transformá-la na esposa perfeita, a futura primeira-dama de Havenwood, e seus hobbies não se encaixavam nesse quadro.

O jantar foi um teste de paciência. A voz de seu sogro, o prefeito de Havenwood, dominava a mesa. Eles discutiam a expansão da empresa madeireira de sua família. Lívia tentou argumentar sobre o impacto ambiental, mas suas palavras foram ignoradas, como sempre.

"As árvores são um recurso renovável, Lívia. E a exploração é vital para a economia da cidade. Temos que pensar no progresso," o prefeito disse, sorrindo condescendentemente. Daniel concordou com ele, enquanto Lívia se sentia cada vez mais desconectada daquela vida que ela pensava ser a sua.

Mais tarde, em casa, ela se deitou e tentou esquecer a conversa, mas o peso daquela noite pairava sobre ela. Foi quando ela ouviu. Um uivo. Não era o som agudo e distante que os cães às vezes faziam, era um uivo profundo e melancólico, que vinha da floresta. Parecia cheio de uma tristeza antiga e de uma força selvagem que a arrepiou e, ao mesmo tempo, a atraiu.

A curiosidade, mais forte do que o medo, a empurrou para fora da cama e para a janela. Ela viu a floresta, escura e misteriosa sob a luz pálida da lua. O uivo se repetiu, desta vez mais perto, mais urgente. Sem pensar duas vezes, Lívia vestiu um casaco e abriu a porta dos fundos. Ela precisava ir até lá, precisava descobrir a origem daquele som.

A floresta a acolheu com seu ar fresco e terroso, e a cada passo, Lívia se sentia mais em casa. Era como se as árvores a chamassem, sussurrando seu nome com o vento. Ela se aprofundou na mata, seguindo o som. O uivo se tornou mais claro, mais forte, e ela percebeu que não era um som de tristeza, mas de procura. Era um chamado.

Ela chegou a uma pequena clareira, iluminada pela lua cheia. E lá, em pé no centro, estava um lobo. Não era um lobo qualquer. Era um lobo enorme, de pelagem escura como a noite, com olhos de um âmbar intenso que brilhavam à luz da lua. Ele a olhou, e naquele momento, o mundo parou. Lívia sentiu uma pontada no coração, uma sensação de reconhecimento profundo. Ela não sentiu medo, mas sim uma familiaridade inexplicável. Era como se ela o conhecesse por toda a sua vida. O lobo se aproximou lentamente, parando a poucos metros dela. Ele se sentou e a fitou, sua presença poderosa, mas não ameaçadora.

Eles ficaram ali, sob a luz da lua, perdidos naqueles olhos âmbar, enquanto o uivo se dissolvia na noite. Lívia tinha a certeza de que sua vida, como ela a conhecia, tinha acabado de mudar para sempre. O sussurro da floresta tinha finalmente se revelado, e ela mal podia esperar para descobrir o que viria a seguir.

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