Capitulo 3

Toda a sua vida perseguiu uma utopia. Uma obra-prima que seria a sua maior criação.

Era jovem, mas ambicioso e cheio de vigor, depois de tudo o que tinha sofrido.

Não se enquadrava no mundo que o rodeava, o que provavelmente se deve à sua orfandade.

Crescer naquele horrível orfanato, e ser intimidado pelos seus colegas por parecer pálido e fraco, tinha-o tornado mais reservado.

Ele sabia que era diferente dos outros, sentia-o no seu íntimo.

Mas quando se tornou adolescente, deixou de se importar com isso. E tudo mudou.

Agora era alto e bem constituído, com olhos e cabelos negros e profundos, e depressa deixou de ser incomodado, o tempo suficiente para se dedicar aos seus próprios interesses e passatempos, começando pela química.

Depressa se apercebeu que também devia explorar as qualidades de líder nato que o desporto lhe despertava, e estudou também uma carreira no mundo dos negócios.

Sempre curioso, sempre à procura de mais.

Acima de tudo, ansiava pelo poder.

Da sua primeira infância não guarda qualquer recordação consciente. Apenas fragmentos nebulosos que se insinuavam nos seus sonhos.

Apenas um rosto materno nublado e uma sensação de separação dolorosa.

Gabriel Reyes era o nome com que tinha crescido, sem saber qual era o seu verdadeiro nome.

Engenheiro químico, desportista de risco e empresário em ascensão, procurava o impulso perfeito para realizar todas as suas ambições.

E esse impulso perfeito viria quando consultou os anúncios em busca de um emprego melhor do que o que tinha, numa empresa mais reconhecida.

Um emprego que o aproximasse das "grandes ligas" do mundo dos negócios.

Foi então que viu, a Moon Alchemy tinha uma vaga, e isso era perfeito para ele.

Gabriel vestiu o seu melhor fato, meteu-se no seu modesto carro e dirigiu-se ao edifício mais imponente do centro da cidade, onde teria uma entrevista decisiva.

Não estava habituado a ser subordinado de ninguém, por isso sempre foi independente.

Enquanto conduzia o carro, não podia deixar de recordar as suas tentativas de se enquadrar no sistema, e como lhe tinha sido difícil trabalhar nos últimos dez anos, devido ao seu carácter, que alguns empregadores descreviam como "difícil" a "insuportável".

Sorriu de forma sarcástica. Tinham sido todos chefes incompetentes que não mereciam dar-lhe uma única ordem.

Mas porque é que era tão difícil para ele controlar os seus impulsos? As múltiplas sessões de terapia com o seu psiquiatra não tinham conseguido grande coisa.

Desta vez, porém, o seu objetivo era claro: tinha uma oportunidade de conseguir mais do que a satisfação fútil das suas necessidades básicas.

Desta vez, ele tinha um plano.

Um plano que parecia desmoronar-se assim que ele entrou pela porta do escritório de Selena Wolf.

A mulher tinha chegado cedo, como de costume, embora a sua noite tivesse sido um pouco agitada. Isso costumava acontecer nessa altura do mês.

Assim que entrava na Alquimia da Lua, todos à sua volta pareciam ficar subitamente activos. Ela sorriu de lado.

Ao chegar ao seu apartamento, cumprimentou a jovem Carol, que estava ali de pé com os olhos esbugalhados ainda aterrorizados, e bufou baixinho de aborrecimento.

-Bom dia, Carol. Traz-me um café, preto... e duplo. E os currículos dos candidatos ao lugar de assistente. Quero começar já.

Ela respondeu com uma voz trémula:

-"É para já, Sra. Wolf, mas ....

Selena virou-se de repente.

-Mas...?

-Eu... esqueci-me de deixar claro que o lugar era para uma mulher... e...

A chefe cruzou os braços, quase a perder a paciência.

-¿Y?

-A... um homem também se candidatou ao lugar. Eu sei que preferes...

Ele olhou para ela

-De qualquer modo, também o vou entrevistar. É difícil encontrar pessoal qualificado hoje em dia, talvez ele seja competente. De qualquer modo... Ponha-o no fim da lista.

E entrou no seu gabinete sem acrescentar mais nada.

É verdade. Não gostava de ter assistentes masculinos porque as suas experiências não tinham sido boas no início da sua carreira empresarial. Tal como o Sr. Ford, no laboratório, mais do que uma vez, quando esses dias estavam a chegar, nessa fase lunar, as coisas... podiam ficar um pouco tensas.

Bebeu o seu café em silêncio e começou as entrevistas.

Até agora, das seis jovens, apenas uma parecia mais qualificada para o trabalho.

Marcou o nome dela com um marcador e perguntou a Carol:

-Sr. Reyes, entre agora.

Quando Gabriel atravessou a soleira da porta, sentiu o chão tremer debaixo dos seus pés. Desde que chegara a este lugar, cheio de aromas difusos de fragrâncias artificiais, havia um cheiro que se destacava em todo o lado, mas neste andar era particularmente intenso. Um perfume cítrico, com notas de flor de laranjeira e de madeira oriental... talvez de sândalo. Um aroma que quase o fazia sentir a boca a salivar de ansiedade.

Mas ali, diante da Sra. Wolf, foi como uma explosão que o atingiu na cara e ele teve de se agarrar ao puxador da porta para não correr e afundar-se naquele pescoço macio para inalar profundamente.

Não lhe era familiar, era irreal, e ele sabia de alguma forma que não era um perfume artificial.

Aquele cheiro era o da própria Selena.

Uma mulher que se contorcia ao vê-lo, e em cujos olhos ele pensava ver um brilho dourado que se desvanecia. Talvez estivesse a alucinar. As noites sem dormir, pensou ele, estavam a pregar-lhe partidas.

No entanto, ambos estavam suspeitosamente silenciosos.

"Não pode ser! É ele?"

"Acalma-te, Maia."

"Não o sentes? É ele!"

"Calado! Eu podia detectá-lo..."

"Acho que não... é ele, mas... parece humano... não é?..."

"Parece... mas depois daquela noite... ambos sabemos que há criaturas que não conhecemos..."

"Eu quero cheirá-lo de perto..."

"Impossível. Mantém a distância e não voltes a assustar. Acho que ele te viu..."

"Está bem. Eu não vou fazer nada... Tu só tens de o agarrar."

"Estás louco? Não o podemos ter por perto."

"Contrata-o. Ou eu saio... Não vou deixar que o afastes..."

"Veremos..."

Sente-se, Sr. Reyes. Eu serei direto.

Ele podia sentir o pulso dela acelerar à medida que ela se aproximava.

Ele era de apetites ardentes e desejos intensos, mas isto já estava a raiar o fantástico. Ele não conseguia parar de olhar para aqueles olhos hipnóticos, dilatando as narinas e sentindo como se uma besta desconhecida se estivesse a agitar dentro dele.

Ele estava prestes a arruinar o seu próprio plano, deitando tudo a perder só para... a sentir.

Engoliu, tentando recompor-se, ou arruinaria a sua oportunidade, mas parecia pior. O cheiro era tão poderoso que ele o saboreou na língua.

Se ele pudesse apenas... morder aqueles lábios...

Selena limpou a garganta.

-Seu currículo é impecável. Mas receio que não estejamos à procura de pessoal para a área do laboratório. Não temos vagas lá. Pode ter ficado confusa, mas eu só estou à procura de um assistente para tratar da minha agenda, seguir as minhas ordens, esse tipo de coisas. Tenho a sensação de que estava à espera de algo mais.

Após alguns segundos que, para Gabriel, pareceram minutos, ele conseguiu responder, recuperando os sentidos.

Sorriu-lhe, recostou-se no seu lugar e falou com uma calma que estava longe de sentir:

-Estou ciente dos requisitos do cargo, Sra. Wolf. É precisamente o que estou a procurar neste momento. Embora esteja a desenvolver os meus próprios projectos na área dos perfumes, e tenha formação em química, gostaria agora de aprender mais sobre o funcionamento de uma empresa deste tipo e, tendo em conta a sua formação, sei que não há melhor professora do que a senhora....

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