5

KIEZA JONES

O casamento terminou há poucas horas, mas o brilho das luzes ainda parece grudado nas minhas retinas.

A casa está um caos, malas abertas, vestidos pendurados nas cadeiras, copos esquecidos sobre o balcão da cozinha.

Rue tenta, sem sucesso, fechar a mala pela quinta vez. Kai revisa passaportes e documentos, repetindo o processo com a mesma ansiedade de um pai de primeira viagem.

— Amor, o carregador do laptop...

— Tá na bolsa preta. — Ele responde automaticamente, sem nem olhar.

Sento-me no sofá, abraçada a uma almofada, observando o casal em sua dança de despedida.

Rue ri, Kai sorri, e eu... bem, eu apenas tento não pensar no vazio que eu vou sentir quando eles partirem.

— Ainda dá tempo de desistir. — murmuro.

Rue j**a uma meia em mim. — Engraçadinha.

— Só digo verdades.

Kai se aproxima, apoia o braço sobre o encosto do sofá e bagunça meu cabelo como se eu ainda tivesse doze anos.

— Não dá pra trocar de irmã agora, né?

— Tarde demais. — respondo. — O prazo expirou quando você começou a roncar alto.

Ele ri, mas há ternura no olhar. O tipo de ternura que vem antes de um “adeus”.

Nossa, não vou entrar nesse drama porque é só um mês fora e depois estarão de volta, embora para viver a vida de casados.

•••

O aeroporto está quase vazio, iluminado por aquelas luzes brancas que fazem todo mundo parecer cansado.

São duas da manhã, e eu estou com um café frio na mão, tentando não bocejar.

Rue e Kai falam baixinho, grudados como sempre. É bonito do ponto de vista de irmã ou de amiga. E meio irritante do ponto de vista de amiga e irmã.

Quando o embarque é anunciado, Rue e Kai recebem abraços das meninas, Ashley e Nicolle, e por fim ela me abraça forte.

— Cuida de ti, tá bem? E tenta não brigar com ele.

— Com quem?

Ela apenas sorri. — Você vai ver.

Kai é o próximo a me abraçar.

— Promete que vai se comportar?

— Não. — respondo.

Ele ri, beija o topo da minha cabeça. — Te amo, pirralha.

— Eu sei.

Eles se afastam em direção à porta de embarque, de mãos dadas. Eu fico ali parada, abraçando as meninas, sentindo o nó no peito apertar, até ouvir uma voz atrás de mim.

— Pronta? — Uma voz pergunta.

Viro-me e encaro Roman Mikhailov. Ainda vestido formal, no entanto só sem o casaco, com mangas da camisa branca e lisa arregaçadas, a expressão de quem preferia estar em qualquer outro lugar do planeta.

— O que está fazendo aqui? — pergunto, franzindo o cenho.

— Fazendo o que me pediram. — Responde simplesmente.

Antes que eu possa questionar, Kai reaparece, um sorriso malicioso nos lábios.

— Na verdade, ele está. — Kai passa o braço pelos meus ombros. — Conheça seu novo vizinho, irmãzinha.

Meus olhos pulam entre os dois. Roman parece entediado; Kai parece se divertir demais.

— Não. — começo totalmente incrédula. — Não, não, não, não, não.

— Sim, sim, sim, sim, sim. — Kai canta, satisfeito como a porra de um sádico.

Cruzo os braços.

— Eu não preciso de uma babá. Tenho vinte e dois anos. — Retruco.

— Quem falou em babá? — Kai dá de ombros. — Ele vai cuidar da casa pra mim. Daí quando voltarmos, ainda vamos decidir o que fazer com o espaço, então faz sentido.

— Besteira. — retruco. — Você quer que ele fique de olho em mim.

— Isso é um bônus. — diz ele, com aquele olhar de irmão mais velho que me dá nos nervos. — Não faz mal ter alguém em quem confiar, especialmente com essa coisa toda com o Matt.

Estremeço. O nome dele ainda é uma ferida malfechada.

Matt, o ex que jurava fidelidade enquanto trocava mensagens com metade das garotas do meu trabalho na Pastelaria. Desde que o peguei, ele tem me infernizado com ligações, mensagens e aparições “coincidentais”.

Kai acha que ele pode perder o controle, mas sinceramente? O único crime que o Matt cometeria seria manchar a própria camisa de seda e seu dinheiro de família tradicional.

— Eu me viro sozinha. — tiro o braço de Kai do meu ombro. — Ligue pra empresa de mudanças e cancele. — olho pra Roman. Certeza que terá uma agência cuidando da sua mudança. — Você não precisa se mudar pra cá.

— Relaxa. Kendall Square fica a vinte minutos de carro. — responde ele, sem sequer erguer os olhos do telefone.

— Pra registro — Ashley, uma das minhas melhores amigas, surge do nada, com um sorriso travesso —, eu sou totalmente a favor de ele se mudar pro lado.

Traidora.

— Você desce para o ginásio sem camisa, Roman? — ela provoca. — Se não, recomendo fortemente.

Kai e Roman franzem a testa ao mesmo tempo.

— Você. — Kai aponta pra Ashley. — Não apronta nada enquanto eu estiver fora.

— É fofo como você acha que tem alguma palavra na minha vida. — ela rebate. — Está esquecendo que a função de colocar Kieza em apuros, é de Rue.

— Não me importo com a tua vida. — Ele geme birrento — Não fala da minha esposa dentro dos teus esquemas idiotas.

— Notícia: você também não manda na vida dela. Ela é dona de si. — Ashley sorri. E Nicolle murmura “já começaram, aff”.

— Ela é minha irmã.

— E minha melhor amiga. — Ashley puxa Rue — E eu lembro muito bem quando Rue, a sua querida esposa, quase a prendeu…

— Ashley, isso foi há três anos! — Rue exclama.

— Gente! — pressiono os dedos na têmpora. — Parem. Kai, para de tentar controlar minha vida. Ash, para de provocar.

Kai cruza os braços. — Como teu irmão mais velho, é meu trabalho te proteger e nomear alguém pra me substituir quando eu não estiver aqui.

Conheço aquele olhar. Ele não vai ceder.

Suspiro. — Presumo que o Roman seja o substituto?

Roman levanta o olhar, frio e direto.

— Eu não sou substituto de nada. Não faça nada estúpido e ficaremos bem. — declara.

Gemo, cobrindo o rosto com as mãos, enquanto Rue finalmente arrasta Kai e os dois partem.

— Este vai ser um longo ano. — murmuro.

O caminho de volta é silencioso. Não acredito que as meninas se recusaram a ir comigo e agora tenho que ficar a sós com minha nova babá.

As luzes da cidade dançam nas janelas do carro, e o som do motor é o único ruído constante.

Roman dirige com uma calma irritante, o tipo de calma que grita “não me importo”.

Quando chegamos, ele desliga o carro.

— Antes que diga qualquer coisa — começo —, você não precisa fingir que vai morar aqui por obrigação. Pode voltar pra Cambridge, pra tua caverna ou o que for.

— Eu não finjo, Kieza. — diz, sem me olhar. — A partir de hoje, fico aqui.

— Aqui mesmo?

— No apartamento ao lado. Meus pertences chegam amanhã. Agência de mudanças vai cuidar. Sabia!

Engulo em seco. — Você tá mesmo levando isso a sério, né?

— Eu sempre levo.

Saio do carro, sentindo o ar frio da madrugada, embora estivéssemos no estacionamento. Roman sobe comigo e me acompanha até ao corredor.

Paramos diante das portas dos nossos apartamentos, o meu à esquerda, o dele à direita.

Ele fala antes que eu consiga abrir a minha.

— Tranca as portas à noite.

— E você tranca a boca, pode ser?

Um meio sorriso surge em seus lábios. — Boa noite, Kieza.

— Boa sorte, Roman. Vai precisar.

Entro e fecho a porta.

O silêncio é quase físico. Mas do outro lado da parede, ouço passos, malas sendo abertas, móveis sendo arrastados.

Roman está mesmo ali.

A dois metros de mim.

Instalado. Firme. Inconvenientemente próximo.

Encosto a testa na porta e suspiro.

O coração ainda está batendo rápido, como se tivesse corrido uma maratona.

— Parabéns, Kieza. Agora você tem um vizinho, um vigia e uma dor de cabeça. Tudo num pacote só.

Mas no fundo…

No fundo, há algo reconfortante naquela presença.

Algo que me faz sentir menos sozinha, e isso é o que mais me assusta.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
capítulo anteriorcapítulo siguiente
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP