Mundo ficciónIniciar sesiónKIEZA JONES
O casamento terminou há poucas horas, mas o brilho das luzes ainda parece grudado nas minhas retinas. A casa está um caos, malas abertas, vestidos pendurados nas cadeiras, copos esquecidos sobre o balcão da cozinha. Rue tenta, sem sucesso, fechar a mala pela quinta vez. Kai revisa passaportes e documentos, repetindo o processo com a mesma ansiedade de um pai de primeira viagem. — Amor, o carregador do laptop... — Tá na bolsa preta. — Ele responde automaticamente, sem nem olhar. Sento-me no sofá, abraçada a uma almofada, observando o casal em sua dança de despedida. Rue ri, Kai sorri, e eu... bem, eu apenas tento não pensar no vazio que eu vou sentir quando eles partirem. — Ainda dá tempo de desistir. — murmuro. Rue j**a uma meia em mim. — Engraçadinha. — Só digo verdades. Kai se aproxima, apoia o braço sobre o encosto do sofá e bagunça meu cabelo como se eu ainda tivesse doze anos. — Não dá pra trocar de irmã agora, né? — Tarde demais. — respondo. — O prazo expirou quando você começou a roncar alto. Ele ri, mas há ternura no olhar. O tipo de ternura que vem antes de um “adeus”. Nossa, não vou entrar nesse drama porque é só um mês fora e depois estarão de volta, embora para viver a vida de casados. ••• O aeroporto está quase vazio, iluminado por aquelas luzes brancas que fazem todo mundo parecer cansado. São duas da manhã, e eu estou com um café frio na mão, tentando não bocejar. Rue e Kai falam baixinho, grudados como sempre. É bonito do ponto de vista de irmã ou de amiga. E meio irritante do ponto de vista de amiga e irmã. Quando o embarque é anunciado, Rue e Kai recebem abraços das meninas, Ashley e Nicolle, e por fim ela me abraça forte. — Cuida de ti, tá bem? E tenta não brigar com ele. — Com quem? Ela apenas sorri. — Você vai ver. Kai é o próximo a me abraçar. — Promete que vai se comportar? — Não. — respondo. Ele ri, beija o topo da minha cabeça. — Te amo, pirralha. — Eu sei. Eles se afastam em direção à porta de embarque, de mãos dadas. Eu fico ali parada, abraçando as meninas, sentindo o nó no peito apertar, até ouvir uma voz atrás de mim. — Pronta? — Uma voz pergunta. Viro-me e encaro Roman Mikhailov. Ainda vestido formal, no entanto só sem o casaco, com mangas da camisa branca e lisa arregaçadas, a expressão de quem preferia estar em qualquer outro lugar do planeta. — O que está fazendo aqui? — pergunto, franzindo o cenho. — Fazendo o que me pediram. — Responde simplesmente. Antes que eu possa questionar, Kai reaparece, um sorriso malicioso nos lábios. — Na verdade, ele está. — Kai passa o braço pelos meus ombros. — Conheça seu novo vizinho, irmãzinha. Meus olhos pulam entre os dois. Roman parece entediado; Kai parece se divertir demais. — Não. — começo totalmente incrédula. — Não, não, não, não, não. — Sim, sim, sim, sim, sim. — Kai canta, satisfeito como a porra de um sádico. Cruzo os braços. — Eu não preciso de uma babá. Tenho vinte e dois anos. — Retruco. — Quem falou em babá? — Kai dá de ombros. — Ele vai cuidar da casa pra mim. Daí quando voltarmos, ainda vamos decidir o que fazer com o espaço, então faz sentido. — Besteira. — retruco. — Você quer que ele fique de olho em mim. — Isso é um bônus. — diz ele, com aquele olhar de irmão mais velho que me dá nos nervos. — Não faz mal ter alguém em quem confiar, especialmente com essa coisa toda com o Matt. Estremeço. O nome dele ainda é uma ferida malfechada. Matt, o ex que jurava fidelidade enquanto trocava mensagens com metade das garotas do meu trabalho na Pastelaria. Desde que o peguei, ele tem me infernizado com ligações, mensagens e aparições “coincidentais”. Kai acha que ele pode perder o controle, mas sinceramente? O único crime que o Matt cometeria seria manchar a própria camisa de seda e seu dinheiro de família tradicional. — Eu me viro sozinha. — tiro o braço de Kai do meu ombro. — Ligue pra empresa de mudanças e cancele. — olho pra Roman. Certeza que terá uma agência cuidando da sua mudança. — Você não precisa se mudar pra cá. — Relaxa. Kendall Square fica a vinte minutos de carro. — responde ele, sem sequer erguer os olhos do telefone. — Pra registro — Ashley, uma das minhas melhores amigas, surge do nada, com um sorriso travesso —, eu sou totalmente a favor de ele se mudar pro lado. Traidora. — Você desce para o ginásio sem camisa, Roman? — ela provoca. — Se não, recomendo fortemente. Kai e Roman franzem a testa ao mesmo tempo. — Você. — Kai aponta pra Ashley. — Não apronta nada enquanto eu estiver fora. — É fofo como você acha que tem alguma palavra na minha vida. — ela rebate. — Está esquecendo que a função de colocar Kieza em apuros, é de Rue. — Não me importo com a tua vida. — Ele geme birrento — Não fala da minha esposa dentro dos teus esquemas idiotas. — Notícia: você também não manda na vida dela. Ela é dona de si. — Ashley sorri. E Nicolle murmura “já começaram, aff”. — Ela é minha irmã. — E minha melhor amiga. — Ashley puxa Rue — E eu lembro muito bem quando Rue, a sua querida esposa, quase a prendeu… — Ashley, isso foi há três anos! — Rue exclama. — Gente! — pressiono os dedos na têmpora. — Parem. Kai, para de tentar controlar minha vida. Ash, para de provocar. Kai cruza os braços. — Como teu irmão mais velho, é meu trabalho te proteger e nomear alguém pra me substituir quando eu não estiver aqui. Conheço aquele olhar. Ele não vai ceder. Suspiro. — Presumo que o Roman seja o substituto? Roman levanta o olhar, frio e direto. — Eu não sou substituto de nada. Não faça nada estúpido e ficaremos bem. — declara. Gemo, cobrindo o rosto com as mãos, enquanto Rue finalmente arrasta Kai e os dois partem. — Este vai ser um longo ano. — murmuro. O caminho de volta é silencioso. Não acredito que as meninas se recusaram a ir comigo e agora tenho que ficar a sós com minha nova babá. As luzes da cidade dançam nas janelas do carro, e o som do motor é o único ruído constante. Roman dirige com uma calma irritante, o tipo de calma que grita “não me importo”. Quando chegamos, ele desliga o carro. — Antes que diga qualquer coisa — começo —, você não precisa fingir que vai morar aqui por obrigação. Pode voltar pra Cambridge, pra tua caverna ou o que for. — Eu não finjo, Kieza. — diz, sem me olhar. — A partir de hoje, fico aqui. — Aqui mesmo? — No apartamento ao lado. Meus pertences chegam amanhã. Agência de mudanças vai cuidar. Sabia! Engulo em seco. — Você tá mesmo levando isso a sério, né? — Eu sempre levo. Saio do carro, sentindo o ar frio da madrugada, embora estivéssemos no estacionamento. Roman sobe comigo e me acompanha até ao corredor. Paramos diante das portas dos nossos apartamentos, o meu à esquerda, o dele à direita. Ele fala antes que eu consiga abrir a minha. — Tranca as portas à noite. — E você tranca a boca, pode ser? Um meio sorriso surge em seus lábios. — Boa noite, Kieza. — Boa sorte, Roman. Vai precisar. Entro e fecho a porta. O silêncio é quase físico. Mas do outro lado da parede, ouço passos, malas sendo abertas, móveis sendo arrastados. Roman está mesmo ali. A dois metros de mim. Instalado. Firme. Inconvenientemente próximo. Encosto a testa na porta e suspiro. O coração ainda está batendo rápido, como se tivesse corrido uma maratona. — Parabéns, Kieza. Agora você tem um vizinho, um vigia e uma dor de cabeça. Tudo num pacote só. Mas no fundo… No fundo, há algo reconfortante naquela presença. Algo que me faz sentir menos sozinha, e isso é o que mais me assusta.






