Mundo de ficçãoIniciar sessão
Mia
O ônibus mal parou e eu já desci com a sensação de que ia fazer a maior loucura da minha vida. O letreiro do restaurante brilhava na calçada como se me chamasse pelo nome. Era agora. Ou eu resolvia meu problema… ou terminaria dormindo na rua antes de perceber. Puxei a gola da minha blusa fina, tentando bloquear o vento gelado. Desde que perdi o emprego naquela manhã, a vida parecia estar se divertindo em me empurrar de um penhasco. Sem mãe, sem família, sem ninguém no mundo… e agora sem salário. “Vai falar com o agiota do bairro”, Jana disse, como se eu estivesse indo comprar pão, mas afinal eu não tinha outra opção, era uma humilhação ou a sarjeta, o não eu já tenho então bora de humilhação mesmo. Suspirei, peguei meu celular e mandei a mensagem: Eu: “Cheguei. Onde você está sentado?” A resposta apareceu quase imediatamente: Agiota: “Mesa sozinho. Paletó preto.” Ótimo. Simples. Menos humilhante do que implorar na porta dele. Eu estava prestes a responder quando a tela piscou… e apagou. — Não, não, não… — apertei os botões, virei o celular, pedi para todos os deuses existentes. Nada. Morto. Empurrei a porta do restaurante com o coração batendo forte. O ambiente era elegante demais para mim. Luzes quentes, taças brilhando, pessoas arrumadas. Eu, com minha blusa surrada e rosto cansado, parecia um borrão esquecido. Procurei alguém com um paletó preto. E então o vi. Sentado sozinho, exatamente como descrito. Mas… meu Deus. Ele era lindo. Ridiculamente lindo. Altura imponente, ombros largos, cabelo escuro arrumado de um jeito sofisticado demais para o bairro. O rosto era sério, forte, daqueles que prendem a atenção sem esforço. Os olhos… escuros, profundos, atentos. Meu peito apertou. É ele. Tinha que ser. Eu não tinha visto outro paletó preto para escolher. Caminhei até a mesa. Antes que meu medo vencesse, me sentei. Ele ergueu os olhos para mim, e eu fiquei um segundo sem ar. Mas eu precisava falar antes que perdesse a coragem. — Eu preciso muito da sua ajuda — comecei, a voz mais fraca do que eu queria. — Eu sei que isso deve parecer estranho, mas… eu estou desesperada. Perdi meu emprego hoje, não tenho família, não tenho pra onde ir. Eu pago tudo, juro, tudo que pedir, mas por favor… eu preciso do empréstimo pra não ser despejada. Ele ficou me olhando… primeiro surpreso, depois intrigado, e então… quase divertido. Não era a reação que eu esperava de um agiota. — Hm… — ele sustentou meu olhar, como se estivesse analisando cada palavra. — Só pra esclarecer uma coisa… eu não sou agiota. Meu cérebro travou. — O quê? Ele apoiou os cotovelos na mesa e se inclinou um pouco, os olhos fixos nos meus. — Desculpe desapontá-la — disse com um sorriso discreto, aquele tipo de sorriso que mexe com a respiração — mas definitivamente não sou agiota. Meu rosto queimou na hora. — Não… não… — eu cobri o rosto com as mãos. — Eu não acredito nisso. Eu sinto muito. Eu… eu estou constrangida de um jeito que você não faz ideia. Me levantei tão rápido que quase derrubei a cadeira. — Eu vou embora. Me desculpa por isso, eu… eu… Foi quando senti a mão dele no meu pulso. Ele não apertou, só tocou. Mas foi o suficiente para me paralisar. — Ei — sua voz ficou mais baixa, quase suave. — Calma. Você não precisa correr. Eu virei lentamente para ele. Elijah — embora eu ainda não soubesse seu nome — olhava para mim com uma mistura curiosa de paciência e… interesse genuíno. Era estranho. Quente. Intenso. — Eu não sou agiota — repetiu, com uma pontinha de riso nos lábios — mas… acho que quero ouvir essa história inteira. Se você não se importar em contar de novo… para a pessoa errada. Meu coração tropeçou. Ele estava… entrando na onda? — Por quê? — perguntei, sem conseguir esconder a confusão. — Por que um estranho se importaria? Ele soltou meu pulso devagar, como se não quisesse realmente soltar. — Porque você entrou aqui como se estivesse carregando o peso do mundo — respondeu calmamente. — E porque… — seu olhar percorreu meu rosto de um jeito que me fez engolir seco — eu não vejo pessoas tão sinceras assim todos os dias. Meu corpo inteiro ficou quente. Eu hesitei. Era loucura. Completamente. Mas, pela primeira vez em meses, alguém parecia… disposto a me ouvir. Voltei a sentar. Ele apoiou o queixo na mão, claramente interessado. — Então, Mia… — ele disse como se já soubesse meu nome — me conte. Do começo. Prometo não julgar. Olhei para ele, ainda tentando entender por que meu coração estava acelerado daquele jeito. Talvez porque eu tivesse acabado de entrar num problema maior do que o agiota. Ou talvez porque, pela primeira vez… eu tivesse encontrado alguém que realmente queria escutar.






