Capítulo 1 – Correndo atrás do sonho
Eu estava atrasada e com a sensação de que tinha esquecido algo. No domingo, o ônibus demora mais a passar.
Sentia um misto de insegurança com ansiedade, e nada que eu fizesse melhorava essa sensação.
Faltavam duas horas para o início da prova, e meu medo era não chegar a tempo. Mas, felizmente, o motorista estava com pressa e dirigiu rápido.
Prestar vestibular em uma universidade federal para o curso de Gastronomia sempre foi o meu sonho. E, desde que meus doces começaram a ser vendidos em padarias e cafeterias, passei a confiar no meu potencial e na minha capacidade de ser uma profissional de sucesso e renomada.
Minha família sempre esteve ao meu lado, mesmo que de forma displicente e cheia de correrias do dia a dia. Eu sabia que podia contar com o apoio e incentivo deles. Crescer em um lar com pai, mãe, irmã e irmão sempre foi sinônimo de porto seguro. E hoje, nesse dia tão importante, me apeguei à trajetória e à confiança que construí.
Consegui chegar a tempo, procurei meu nome na lista e a identificação na carteira. Fiz a prova com tanta concentração que saí com dor de cabeça e nas costas.
Só me restava voltar para casa exausta, com dor, fome, e me jogar no sofá com aquele pacote de cookies e um copo de Coca.
Dormi oito horas seguidas e acordei com a sensação de ter feito o meu melhor. Agora é aguardar o resultado, que vai sair em trinta dias, e ocupar a mente para não ficar pensando nisso.
Tinha alguns compromissos ao longo do dia e ia aproveitar para visitar a Alê na distribuidora de doces.
Alê é aquela amiga de infância que trabalhou a vida toda na loja dos pais e foi fundamental na minha escolha de profissão e graduação. Ela surrupiava ingredientes para testarmos receitas juntas e sempre incentivava as minhas loucuras.
Saí levando minhas ecobags, certa de que voltaria com elas carregadas.
O primeiro compromisso foi com a loja de embalagens. Eu batia ponto semanalmente para repor os estoques e garantir as entregas para os meus clientes. A dona da loja era minha conhecida e deixava as embalagens que eu sempre uso separadas. Bastava ir ao caixa, pagar e levar.
O próximo compromisso era fechar um novo contrato com uma cafeteria. Visitei essa loja algumas vezes, mapeei o estilo dos doces e fiz uma entrega cortesia para a gerente conhecer o meu trabalho. Não deu outra: recebi uma proposta no mesmo dia.
Janete é o nome da gerente, uma mulher de meia-idade, séria e aparentemente focada. Trabalha na Café em Grãos desde a adolescência. Me contou que entrou como jovem aprendiz e tudo que sabe aprendeu lá. A cafeteria tem história: foi iniciada há alguns anos pelo pai do dono atual. Começou com uma loja pequena e se tornou uma franquia conhecida nacionalmente.
Ao chegar na loja, avistei Janete atrás do balcão, dando instruções e inspecionando algumas coisas. O cheiro delicioso de café era inebriante e tomava todo o ambiente. Só de sentir esse aroma, me sentia convidada a criar receitas com gosto e perfume de café.
Janete me recebeu bem, convidou para sentar e serviu o café que, segundo ela, é o melhor do mundo. Rapidamente falamos sobre o meu cardápio de doces, definimos os produtos que seriam fornecidos, a periodicidade e combinamos detalhes sobre pagamentos. No final, ela me convidou para conhecer o dono da marca, que estava trabalhando na cafeteria sede naquele dia.
De forma bem descontraída e despretensiosa, a segui pelo caminho. Quando ela abriu a porta do escritório, me arrependi imediatamente de ter escolhido aquela calça jeans comum, blusa de alça simples e tênis branco. Atrás da mesa, sentado e olhando para o notebook, estava o homem mais lindo, sexy e bem vestido que eu já tinha visto. Ele estava em sua pose “eu sou foda, eu sou lindo, eu sou o rei do café” — e isso quase me fez derreter e escorrer pelo ralo.
O deus grego se virou, sorriu e se levantou para me cumprimentar. Ele, além de tudo, era educado. Oh, Deus... onde eu vim parar? Me mantive focada nos últimos meses, tentando estudar, fazer dinheiro, e bastou conhecer o Rei do Café para esquecer até o meu endereço.
Janete nos apresentou, explicou quem eu era e mencionou um dos doces que eu tinha deixado no dia da degustação. Me parece que o deus grego provou os meus doces e comentou que adorou o brigadeiro de nozes com café. A propósito, o nome dele é Gabriel. Nome de homem jovem, lindo e cheiroso.
Conversa vai, conversa vem, ele me pediu para criar um doce exclusivo para ser vendido na Café em Grãos. Um pedido dele nem precisava ser feito duas vezes — saí de lá com a cabeça borbulhando de ideias.
Fui embora certa de que deveria me esforçar para tirar aquele colírio da cabeça e seguir focada nos meus objetivos. Um deus daqueles jamais me consideraria para qualquer coisa, seja um romance ou um lance.
Perto das 12h, minha barriga gritava de fome. Eu tinha combinado de me encontrar com a Alê na distribuidora para almoçarmos juntas, e às 12h em ponto eu estava lá. Alê deixou o irmão no caixa da loja e seguimos para o restaurante japonês, seria um almoço de meninas.
Chegamos, sentamos na chabudai e começamos a brincadeira de quem come mais. Chabudai são aquelas mesas baixas, japonesas, em que o grupo pode sentar e ficar mais à vontade. Nossa competição era sempre na zoeira e terminava quando as duas já não conseguiam nem respirar.
Aproveitei o momento descontraído para compartilhar sobre o vestibular e o Rei do Café que conheci hoje.
Alê era uma bela de uma safada e se interessou somente pelos detalhes do king. Foi logo criando fanfic sobre eu e o boy. Entrei na brincadeira e falamos até sobre o dia do meu casamento com ele. No dia a dia, eu era uma pessoa focada e cheia de objetivos, mas perto dos meus amigos voltava para a quinta série.