Naquela noite, depois que todos na mansão haviam adormecido, o mordomo se dirigiu para a casa de fogo.
Seus ombros estavam curvados pela preocupação, uma lanterna trêmula em sua mão envelhecida.
Antes mesmo de chegar ao prédio de pedra, ele já podia sentir o fedor insuportável.
— Deusa Lua, tenha piedade. — Ele sussurrou, os olhos umedecendo-se.
Quanto mais se aproximava, mais forte o odor se tornava. Fluidos desconhecidos começavam a vazar por debaixo da porta, já atraindo moscas e larvas.
Uma terrível sensação de presságio se formou em sua mente.
Eu estava diante dele, embora ele não pudesse me ver, minha forma espectral bloqueando seu caminho.
— Volte agora, Edward. — Eu disse, embora minha voz não pudesse alcançar seus ouvidos. — Não olhe. É realmente repulsivo. Se você ver, nunca conseguirá dormir bem. Salve-se dessa lembrança.
O mordomo era um bom homem. Ele já havia tentado defender minha causa, mas sua posição era muito baixa, e ele precisava desse emprego bem remunerado demais para ser de qualquer real ajuda.
Talvez meu aviso invisível tenha surtido efeito. O mordomo recuou alguns passos, depois se virou e saiu sem olhar para trás.
Na manhã seguinte, meu pai estava de excelente humor. Após o café da manhã, ele tirou de um armário uma caixa de presente elegantemente embrulhada.
Quando Amber não estava olhando, ele colocou a caixa à frente dela.
— Amber, feliz aniversário. Dá uma olhada no seu presente.
O rosto de Amber se iluminou com surpresa, seus olhos azuis arregalando-se.
— Obrigada, pai! Você se lembrou!
Ela rasgou o embrulho com entusiasmo e encontrou dentro um estojo preto e elegante. Ao abri-lo, revelou uma pistola nova, prateada com incrustações douradas e suas iniciais gravadas na empunhadura.
Muito mais cara e muito mais mortal do que a arma que ele havia tirado de mim para dar a ela, aquela que causou tantos problemas.
— A arma da Scarlett já era velha de qualquer forma. Heranças não são para você. — Disse meu pai, estufando o peito com orgulho. — Eu mandei fazer essa especialmente. Balas de prata para lobisomens, munição padrão para treino, e até algumas balas incendiárias para emergências.
Amber levantou a arma reverentemente, testando seu peso nas mãos. Seu sorriso se tornou predatório enquanto ela mirava em um alvo imaginário do outro lado da sala.
— Eu adorei! Está perfeita.
O mordomo se aproximou naquele momento, parecendo suprimir algo enquanto falava:
— Senhor, não está na hora de liberar a Srta. Scarlett da casa de fogo?
Meu pai franziu a testa, visivelmente irritado:
— Edward, hoje você está mais falante do que o normal.
— Senhor, hoje é o décimo dia. A casa de fogo está tão quente que nenhuma pessoa poderia suportar por tanto tempo.
O cheiro de ontem levou o mordomo a adivinhar a verdade. Ele devia estar atormentado por dentro, sabendo que a apenas algumas centenas de metros dali, estava um cadáver em decomposição. Imagine como esse conhecimento devia ser nauseante.
— Sim, pai. — Amber interveio. — Scarlett já deve ter refletido sobre seus erros. Por favor, deixe-a sair.
Ao ouvir as palavras de Amber, a expressão de meu pai suavizou imediatamente.
— Muito bem, se é isso que você quer.
Ele se virou novamente para Edward, seu tom indiferente:
— Quando ela sair, avise-a de que cancelei os cartões dela. Agora ela vai ter que arrumar um trabalho e ganhar seu próprio dinheiro. Não tenho espaço nessa casa para uma filha tão cruel.
Que risada. Verdadeiramente ridículo.
Tudo o que ele possuía agora, a mansão, a posição na matilha, o império dos negócios, vinha das conexões familiares e da herança de minha mãe.
Além da sua identidade como pai, ele não passava de um homem ingrato que se casou com uma mulher de posição, para depois trair a memória dela antes mesmo de seu corpo esfriar.
Agora ele tinha acrescentado mais uma identidade: assassino.
Dado o comando, o mordomo imediatamente levou vários empregados até a casa de fogo.
Depois de fermentar durante a noite, o fedor de morte estava ainda mais forte, tornando a área inteira insuportável.
Todos se cobriram com as mãos no nariz. Alguns até começaram a vomitar no próprio local.
— Que cheiro é esse? É horrível!
— Alguém morreu aí dentro?
Meu pai e Elise, com Amber entre eles, caminharam atrás do grupo. Até eles torceram o nariz com o fedor. Mas ao ver as reações indelicadas dos empregados, o senso de superioridade de meu pai falou mais alto.
— Que barulho é esse? É assim que vocês se comportam?
— Deve ser o cheiro da Scarlett. Nesse calor, trancada por dez dias. Claro que está fedendo! Depois que tirarem ela de lá, mandem limpar esse lugar completamente. Não suporto olhar para isso.
— Abram logo essa porta! Tirem ela de lá agora, ou todos vocês serão demitidos!
Meu pai deu ordens em tom áspero, e os empregados não tiveram escolha a não ser se aproximar, lutando contra a náusea. Um deles destrancou a pesada porta e a empurrou para abrir.
No centro do chão carbonizado, não estava uma forma humana, mas os restos retorcidos e chamuscados de uma loba, a minha loba, enrolada em uma posição defensiva.