Capítulo Dois - Ana

Parte 3...

— Ok - ele pegou o café e provou um pouco — Dessa vez está mais encorpado. Prefiro assim. Parece que a cantina melhorou muito.

Eu tive vontade de rir. Ele nem imagina que compro na cafeteria aqui perto. Pelo menos acertei em algo.

— Precisa de alguma coisa agora?

— Não - abanou a mão — Pode sair.

Educado como sempre. Pelo menos posso voltar para minha mesa e me distrair com meu trabalho.

— Espere!

Merda! Pensei que iria conseguir me livrar por um tempinho. Parei e me virei devagar.

— Quero que você cancele meus compromissos para amanhã de manhã.

— Todos eles?

Ele me olha fazendo uma cara impaciente.

— Eu disse que cancele meus compromissos - levantou — Se eu não especifiquei, então são todos. Você tem problema de entendimento?

— Não, senhor - apertei a unha na palma da mão.

— Então faça o que eu disse e pronto, não fique me questionando - pegou o celular — Pode ir agora.

Fiz um gesto com a cabeça e saí, fechando a porta devagar. Agora posso respirar melhor. Meu Deus, tem dias que esse homem está impossível. Não sei o que foi que o mordeu, mas gostaria que não descontasse em cima de mim.

Voltei para minha mesa. Eu sei que já estou acostumada com essa mudança de humor dele, mas tem dias que fica pesado até pra mim. E hoje eu não estou me sentindo muito bem. Acordei com um pouco de dor de cabeça e minha perna está me incomodando também.

Vou esperar que ele saia da sala e depois vou até a salinha de café aqui no piso, para tomar um comprimido para dor. Estou evitando tomar sempre, mas tem certos dias que está me incomodando demais e se não tomar a dor demora mais para passar e isso me atrapalha muito.

Quando sair daqui, se estiver me sentindo melhor, vou passar no hospital para visitar a Acácia. Semana passada eu só estive lá três dias e gosto de ir mais vezes. Só que esses dias estou andando mais pesado, arrastando mais a perna e isso me cansa mais do que o normal.

Gosto muito de visitar Acácia, mas tem dias que parece que fico tão atarefada que quando me dou conta, as horas passaram e o dia está terminando.

Infelizmente, eu tenho que aceitar que não tenho como controlar tudo. Mas isso é algo que eu já aprendi há muito tempo, não foi de agora.

Na verdade, acho que comecei a aprender sobre isso quando ainda era pequena e passei por tanta coisa difícil e complicada de resolver. Com o tempo só fui aprendendo mais e começando a entender.

Eu gosto de conseguir lidar com tantas coisas, mas é muito cansativo, especialmente no lado emocional que fica muito abalado.

Acho que estou precisando dormir um pouco mais para recuperar as energias. Já tem três dias que não consigo dormir bem por causa da vizinhança. Acho que vou ter que tirar um dia de folga ou então pelo menos uma tarde, para começar a procurar outro lugar para morar, porque está muito difícil continuar morando no condomínio onde moro agora.

Quando me mudei para lá, há quase dois anos, não era assim, mas de um tempo para cá com os novos moradores, está ficando ruim de morar ali, mesmo que o aluguel seja baixo.

A porta se abre bruscamente e ele passa por mim sem nem me olhar, indo em direção à sala de contabilidade. Pela expressão encontrou algo que o aborreceu. Ainda bem que não sou eu quem vai ouvir agora. Já chega o que tenho que ouvir quase que toda semana.

Essa é a minha chance de tomar meu medicamento. Pego meu copinho plástico e minha cartela de remédio e sigo depressa para a sala de café. Minha perna dá uma fisgada pelo esforço, mas tenho que voltar para minha mesa antes que ele retorne para a sala.

— Oi, Ana - a secretária do setor de marketing está tomando um cafezinho — Tudo bem? Está com uma cara de cansada hoje.

— E estou mesmo, mas é normal. Estou caminhando muito de um lado para outro e ficar horas de pé não ajuda muito - encho meu copinho com água e tomo meu remédio.

— Está com dor?

— Um pouco - dou um pequeno sorriso — Mas já vai passar agora que tomei o remédio.

— Eu notei que essa semana você parecia mesmo cansada. Já foi a um médico?

— Já sim - menti com a cara lavada — Mas é minha perna mesmo, eu tenho que voltar a fazer a fisioterapia.

— Ah, sim - ela mexe a cabeça concordando — E tem um lugar pra isso? Se quiser eu te dou o endereço de uma clínica ótima. Meu irmão já fez fisioterapia lá quando teve o acidente. Eles são muito profissionais - fez uma careta — Só que é um pouco caro.

Deus me livre de ouvir a palavra caro junto com saúde. Já fico de cabelo branco quando ouço. Minha fisioterapia eu fiz tudo pago pelo estado e foram vinte sessões. Eu ainda teria que fazer mais trinta, como o médico indicou, mas acabei deixando de lado porque mudaram o local de atendimento e ficou muito longe para mim.

Aceitei o contato que ela me deu, escrevendo em um guardanapo o número. Dificilmente eu vá usar, mas agradeço a intenção de ajuda. Sei que ela tem uma ideia de que eu na verdade sou pobre, mas nunca me perguntou nada, ainda bem.

Não tenho vergonha disso, não é crime ser pobre, mas é que é chato ter que ficar explicando para as pessoas qual o meu problema e depois de um tempo, elas vão se afastando, acho que com receio de que eu vá me encostar nelas, ficar pedindo algo. Sei lá!

Eu prefiro não incomodar. Quando peço alguma coisa pra alguém, geralmente é porque tentei outra alternativa e não consegui. E mesmo assim, eu penso dez vezes antes de fazer isso porque cada pessoa tem seu jeito.

Já me ajudaram e depois me jogaram na cara de uma forma tão feia que eu fiquei sem ação. E outras vezes já fizeram piadinhas desnecessárias. Então, já que eu sou a que preciso, penso bem antes de falar com a pessoa.

É bom para ela e melhor ainda para mim, porque evita que eu me estresse ou fique triste. E também mantém a convivência agradável porque ninguém fica na obrigação de me aturar com meus problemas.

— Se você precisar de algo, pode falar comigo, certo? - ela sorri para mim de modo gentil.

— Obrigada, eu falo sim - sorrio de volta.

Tentarei evitar, a não ser que seja algo aqui do trabalho, aí tudo bem, mas de minha vida pessoal, prefiro continuar como está. As pessoas desconfiam, algumas devem comentar por trás quando eu passo, mas ninguém chega mesmo a me questionar nada.

E eu prefiro manter dessa forma. Tem dias que estou muito cansada com tanta coisa para fazer sozinha e até aceito uma ajudinha em determinados momentos, mas chegar a contar tudo o que se passa comigo e esperar pelo outro, aí eu não faço. Pode até ser orgulho, mas é melhor assim.

— Tenho que voltar para minha mesa agora - me despedi dela e voltei esperando que meu chefe tão bem humorado ainda não tenha retornado e encontrei com um dos advogados dele, Sandro, entrando na antesala — Oi, Sandro - ele abriu a porta para mim — Ele não está na sala, saiu para resolver algo e volta daqui a pouco - encolhi os ombros — Eu acho.

Sandro sorriu e sentou em uma das cadeiras em frente.

— Pela sua cara acho que meu amigo não está sendo muito paciente hoje.

— E ele já foi algum dia? - falei baixinho, com a mão de lado da boca e ele riu — Hoje parece que está a mil.

— É, eu esperava por isso mesmo - olhou em volta e pegou uma revista da mesinha — Posso esperar um pouco.

— Gostaria de beber algo? Um suco, café... Chá?

— Sim, obrigado - ele largou a revista — Prefiro um suco. Está quente hoje.

— Verdade - guardei meu copinho e minha cartela de comprimidos — Eu volto em um instante.

Saí de volta para a sala do cafezinho onde tem a mini cozinha para pegar um suco para ele. Sandro é muito educado comigo, sempre foi. Eu gosto de conversar com ele porque sempre me tratou com respeito e me parece que tem interesse genuíno em saber das pessoas, não é apenas comigo.

— Que diabo você está fazendo aqui novamente?

Eu me virei e quase esbarrei no bebedouro. Era ele.

— E-eu... Vim pegar um suco para o Sandro - expliquei.

— Sandro? - ele apertou um olho me avaliando — E você o chama pelo nome?

— S-sim... - fiquei nervosa — Ele me pediu que o chamasse assim desde o começo. Não quer que o chame pelo sobrenome.

Ele ajeitou a postura e apertou os lábios. Abanou a mão e saiu caminhando. Ainda bem. Respirei aliviada. Peguei a bandejinha e um copo e servi o suco com dois cubos de gelo e levei para Sandro.

Cheguei na sala e os dois estavam conversando. Meu chefe estava sentado em minha mesa. Sandro sorriu e me agradeceu pelo suco.

— Hum... Que bom - ergueu o copo — Está como eu gosto. Azedinho e bem gelado. Obrigado, Ana.

Vi o olhar diferente que meu chefe me deu, mas fingi que não vi e sorri, passando para trás de minha mesa. Ele levantou e abriu a porta do escritório, chamando Sandro para dentro e entrou.

— Pode deixar - Sandro disse baixinho para mim — Eu agora vou segurar um pouco do mau humor dele - piscou o olho e deixou o copo na bandeja e entrou, fechando a porta.

Bom, pelo menos enquanto ele estiver lá dentro eu posso fazer meu trabalho sem ficar tendo sobressalto toda vez que meu chefinho cheio de humor sair de sua sala.

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