Davi sabia, no fundo, que seus pais sempre preferiram Lara.
Sabia que, desde pequena, eu havia sofrido todo tipo de injustiça naquela casa.
Sabia o quanto eu ansiava por um companheiro que fosse firme e estivesse sempre ao meu lado.
Mas agora, tudo o que ele queria era ser um cavaleiro heróico, salvar a princesa envenenada — e apagar completamente a minha existência.
Essa cozinha... carregava meus sonhos, minhas esperanças, minhas pequenas alegrias.
Cada momento feliz ali ainda parecia vívido.
Agora, porém, ela se desfazia diante dos meus olhos, consumida pouco a pouco.
Em breve, não restaria mais nada dela — apenas um amplo closet no lugar.
Assim como a minha vida, lentamente tomada por Lara.
No canto da cozinha, restava um pequeno porta-retratos esquecido.
Davi o pegou discretamente, tirou minha foto e a guardou no bolso do paletó.
De volta ao hotel, o subchefe contou a Davi que eu não aparecia havia dias.
Os jantares encomendados vinham sendo preparados às pressas por cozinheiros contratados de última hora, e os clientes antigos estavam furiosos com a queda na qualidade.
Com a expressão fechada, Davi sacou o celular e tentou me ligar — sem sucesso. Meu número estava desligado.
Num rompante, ele perdeu o controle. Sem a menor cerimônia, virou a mesa do salão de banquetes no chão.
No fim do dia, ele me demitiu por faltas injustificadas — e, para espanto geral, nomeou Lara como nova chef de confeitaria... mesmo ela nunca tendo aprendido a cozinhar.
No quarto do hotel, Davi enfim não resistiu à sedução de Lara.
Os dois se enrolaram na cama, entregues ao desejo.
Foram noites intensas: na suíte, sobre a escrivaninha, até no depósito. Agiam como um casal em início de romance, incapazes de desgrudar.
Eu assistia a tudo em silêncio, com o estômago revirado.
Instintivamente, levei a mão ao meu ventre levemente saliente.
Quatro semanas de gravidez. Eu pretendia contar a Davi durante a cerimônia, fazer disso uma surpresa...
Agora, eu e o bebê estávamos jogados, esquecidos, no fundo úmido de uma mina de prata.
Dias depois, Davi pareceu se lembrar de mim.
Começou a me mandar mensagens, uma atrás da outra, perguntando onde eu estava.
Talvez o encanto da traição já estivesse se desfazendo.
As mensagens vinham com tom súplice, carregadas de culpa e arrependimento.
Mas eu estava morta. Ninguém responderia mais.
— Amor... no que está pensando?
Lara se aproximou e tocou seu ombro com delicadeza. A barriga dela também já começava a despontar.
Meio mês depois da minha morte... ela também engravidou.
O rosto corado, o brilho nos olhos — quem acreditaria que ela era alguém à beira da morte, envenenada com toxina de lobo?
Mas Davi parecia ter esquecido completamente o motivo pelo qual havia me deixado... para realizar aquela cerimônia com ela.
Ao ouvir a voz de Lara, ele se assustou como se tivesse sido pego em flagrante.
Guardou o celular às pressas e, tentando disfarçar o constrangimento, estendeu os braços para abraçá-la — mas, de repente, seus olhos se fixaram no anel que ela usava.
— Esse não é o anel favorito da Ayla? Por que está com você?
— Hã? É mesmo? Que coincidência! Eu o vi numa vitrine enquanto passeava... Achei bonito e comprei.
Davi franziu a testa.
Aquele era o anel que ele me deu quando estudávamos no Instituto de Lobisomens.
Não era caro, mas era nossa aliança de amor. Eu o guardava como um tesouro.
O olhar de Lara vacilou, e ela mudou de assunto apressadamente:
— Querido, hoje vamos comemorar a chegada do bebê! Mamãe e papai cozinharam pra gente... Estão nos esperando em casa!
Observei de longe os dois se afastando.
Instintivamente, toquei meu dedo anelar esquerdo.
Depois da minha morte, aquele anel foi levado... pelo lobo que me matou.
E agora, o mesmo anel aparecia na mão da minha irmã.
Coincidência?
Ou será... que a minha morte nunca foi um acidente?
— Davi, nossa Lara sempre foi frágil desde pequena...
Ela se arriscou engravidando, mesmo com o corpo debilitado. Você tem que cuidar bem dos dois!
— Você não pode decepcionar a Lara...
À mesa de jantar, meus pais falavam com os olhos marejados, encarando com ternura o rosto ligeiramente magro da filha querida.