Hoje era para ser o dia do meu acasalamento.
O dia em que Cain Blackfang me marcaria como sua Luna, na frente de toda a Alcateia Véu de Cinzas. Treinamos juntos desde filhotes. Todos diziam que éramos o par perfeito. Futuros Alfa e Luna. Equilibrados. Previsíveis. Seguros.
Alisei a frente do meu manto pela centésima vez e olhei mais uma vez para a entrada.
Ainda ninguém.
Nenhuma alma apareceu — nem meus pais, nem meu irmão Dax, nem mesmo Cain.
Só eu, em pé sozinha no silêncio.
Peguei o celular e verifiquei pela quinta vez. Nenhuma nova mensagem. Meu polegar pairou sobre o nome de Cain antes de ligar novamente.
Chamou duas vezes e foi para a caixa postal.
Fiquei olhando para a tela, sem saber se ria ou se jogava o celular contra a parede de pedra.
Então, um aviso da alcateia surgiu na tela:
[BEM-VINDA DE VOLTA, ERIS DARKTHORNE]
Um vídeo começou a rodar automaticamente.
Lá estavam eles — minha família. Todos. Reunidos nos portões de chegada da crista norte, onde os aeronavios aterrissam. Meu pai sorria, minha mãe chorava, e Dax ergueu Eris num abraço giratório. Até Cain estava lá, de pé logo atrás dela.
O cabelo dourado de Eris reluzia sob as lanternas. Seu braço enlaçado firmemente no de Cain, como se sempre tivesse pertencido ali.
E sempre pertenceu.
Meu peito queimava.
Um momento depois, meu celular vibrou novamente. Desta vez era Cain.
— Para de drama, Vera. — Ele disse, com a voz seca, como se eu tivesse ligado para reclamar do tempo. — A gente faz a cerimônia depois. A Eris acabou de voltar do treinamento de Alfa na Academia Acônito …
A linha caiu.
Fiquei olhando para a tela, com as garras prestes a sair.
Ao meu redor, o salão cerimonial permanecia em silêncio, preenchido apenas pelo leve som das pétalas de flor-da-lua caindo no chão.
Olhei para o manto no qual passei horas costurando fios de prata. Agora ele se espalhava ao meu redor como pelo largado, como algo que eu não merecia vestir.
Tirei-o dos ombros e o deixei ali.
A Alcateia Véu da Tempestade fervilhava de barulho quando voltei.
Alguém assava carne na grelha dos fundos. O perfume de Eris se espalhava pelos corredores — rosa e folha-doce, forte o suficiente para apagar todos os outros cheiros. Risadas ecoavam do salão principal. Uma celebração, alta e inconsequente.
Ninguém percebeu quando entrei pela porta da cozinha.
Fui direto para o meu quarto, sentei-me à beira da cama e encarei a lista que tinha escrito no meu diário. Uma lista simples. Todas as vezes que fui esquecida. Ignorada. Deixada de lado.
Adicionei mais uma entrada no final:
Cerimônia de acasalamento — ninguém veio.
Uma batida forte soou na porta.
Ela rangeu ao se abrir, e Dax entrou como se fosse dono do lugar, suas botas pesadas no chão.
— Aí está você. — Ele me olhou de cima a baixo, observando o manto de pele agora dobrado sobre a escrivaninha e a carta pela metade endereçada ao Conselho. — Eris quer seu bolo de carne. Bem apimentado — ela disse que sentiu falta do jeito que você faz.
Fiquei encarando ele, com as mãos repousando no colo.
— Você perdeu minha cerimônia de acasalamento.
Dax piscou e depois deu de ombros, como se não fosse nada.
— É só um ritual. Você e o Cain podem fazer na próxima lua, ou na seguinte. A Eris voltou, Vera. A gente não a via há um ano.
Ele pegou meu diário da escrivaninha e folheou sem pedir.
— Você ainda escreve essas coisas? — Os olhos dele pousaram na página mais recente. No topo, em letras grandes:
AVISO FINAL.
Ele riu com desdém.
— O que isso quer dizer? Vai fugir? Virar uma renegada?
Jogou o diário de volta na cama.
— Só faz o bolo de carne, Vera.
Levantei devagar e passei por ele em direção à cozinha. Minhas mãos ardiam quando peguei a carne no compartimento frio. O novo sabonete que tinham trazido para eu usar — da marca preferida de Eris — deixara manchas vermelhas na minha pele.
Dax se encostou na parede atrás de mim, observando de perto demais.
— Por que você tá tão quieta? — Perguntou. — Tá planejando envenenar ela ou algo assim?
Antes que eu pudesse responder, a voz dela ecoou do salão principal:
— Daxee! As castanhas!
Ele revirou os olhos e resmungou “Tô indo”, antes de sair sem olhar para trás.
Lavei as mãos em água fria, observando o vermelho desaparecer até virar rosa-claro. Meus olhos se voltaram para o balcão.
Ali estava o bolo cerimonial que eu havia encomendado. Ainda intacto.
Os anéis de união repousavam ao lado, selados na caixa de veludo.
Eu não chorei.
Só fiquei ali por um longo tempo, encarando todas as coisas que deveriam importar.
Minha loba esteve em silêncio o dia inteiro, mas agora sua voz cortava nítida dentro da minha mente.
Vespa, minha loba, rosnou baixo dentro do peito.
— Eles fizeram a escolha deles. — Ela disse. — Nós faremos a nossa.
Olhei para a janela. Além dela, as árvores escuras da floresta do norte balançavam suavemente com o vento noturno.
Eris estava de volta. Ela tinha tudo.
E eu?
Cansei de esperar.