Capítulo 2 Entrevista

A habilidosa governanta de meia-idade abriu a porta para Dafne e pendurou seu casaco no cabide espelhado do corredor.

- O Sr. Hoffmann está esperando por você no estúdio -ela disse, com um sorriso de aprovação para o agradável penteado dos cabelos dela, que prendiam as madeixas em um coque baixo e alinhado na nuca, e o vestido simples de corte reto combinando com as sapatilhas pretas simples, da recém-chegada. - É a aquela porta à esquerda. – ela indicou.

Cruzando o amplo saguão opulento, acarpetado sobre pernas trêmulas, Dafne bateu e esperou.

- Entre.

Dafne engoliu em seco, e a palma de sua mão, úmida com a transpiração fría, escorregou na maçaneta, atrapalhando-a antes que conseguisse girá-la e se deparar com um estúdio forrado de livros.

Cézar Hoffmann estava sentado atrás de uma mesa polida, com uma esguia caneta de ouro na mão e um maço de papéis à frente. Ele havia tirado o paletó, e abriu o colarinho da camisa branca impecável, e também tinha afrouxado a gravata. As mangas da camisa estavam enroladas, expondo o braços musculosos, salpicados de pelos escuros. A entrada dela, Cézar se levantou e cruzou os braços na altura do peito largo e robusto, ficando parado, sem falar nem se mover, enquanto seus olhos a percorriam devagar.

De cabeça baixa, Dafne mordeu o lábio, concentrando sua atenção na dor que aquela ação estava causando, não podia se deixar abater. Cézar não devia mais atingi-la, ele não era mais nada para ele e tão pouco a reconheceria.

- Você está bem? – ele perguntou com aquela voz grave que provocou um verdadeiro pandemônio dentro dela. Quanto tempo fazia que não ouvia esse timbre, essa entonação...?

- Sim, senhor. Estou, obrigada.

- Talvez, deva se sentar.

Ela assentiu envergonhada com sua inaptidão social. Quando Dafne afundou no estofado de couro macio, agradecida, na cadeira diante da mesa, Cézar também se sentou e observou abertamente, parecendo um tanto irritado.

- Você está pálida. Esteve doente?

- Não. – ela respondeu pensando em formas de suavizar o seu nervosismo.

Ele não podia saber, que nesse momento fazia seu peito se contorcer dolorosamente, e seu estomago se revolver em uma terrível náusea.

- Teve muitas dispensas enquanto trabalhava para a família Garcia?

- O acordo era que eu teria um dia por semana e fins de semana alternados, se e quando eu quisesse.

Mas ela quase nunca aproveitava essas concessões. Afinal de contas, não tinha nada para preencher seus dias se não fosse com as meninas.

- Eu quis dizer, por doença ou coisa parecida.

- Nenhuma. Sou apta para a função e bem saudável.

Cézar a estudou daquele jeito superior, seu delicado rosto oval por um momento, depois meneou os ombros antes de dizer.

- Se você quer trabalhar para mim, precisamos nos conhecer. Desse modo, me fale o máximo que puder sobre você?

Antes que Dafne pudesse responder, ele acrescentou.

- Tem uma voz agradável, mas soa mais paulista do que uma sulista.

Dafne ficou tensa subitamente. Mais que coisa! Ela não tinha pensado no sotaque.

- Bem, você é paulista?

- Nasci no interior de São Paulo, mas morei a maior parte do tempo aqui no sul.

- Fale-me de seus pais.

Dafne encarou-o, surpresa, não esperava que ele fizesse tal pergunta.

- Meu pai, era gerente de um atacadista do ramo alimentício, e viajava bastante, ele veio a Porto Alegre a trabalho e conheceu minha mãe, que era uma professora, e foi morar com ela. Eles se casaram, e eu nasci dois anos depois, quando eles já haviam retornado para a estado de São Paulo. Moramos lá até meus quinze anos, quando nos mudamos de volta para Porto Alegre.

- É filha única?

- Sim. Não ter irmãos ou irmãs é um de meus desgostos.

- Teve uma infância feliz?

- Sim. Um pouco abastada, eu imagino, mas sempre me senti amada e bem-cuidada por meus pais.

- Seus pais ainda moram em Porto Alegre?

Dafne balançou a cabeça.

- Estavam fazendo um trabalho voluntário em um albergue de uma região bem precária, quando foram mortos por uma explosão de gás de cozinha.

- Há quanto tempo?

- Quando eu estava no último ano de faculdade.

- Posso te perguntar qual é a sua idade?

- Quase vinte e seis. - Dafne notou, pela expressão dele, que a tinha considerado muito mais velha. Bem, isso era comum. Depois de tudo o que passou, as vezes sentia que foram adicionados mais de vinte anos ao seu corpo esquálido.

- E há quanto tempo é babá?

- Desde que saí da faculdade. – Uma pontada alfinetou seu coração, de certa forma, ainda se sentia culpada por mentir, mas isso poderia evitar que ele se aprofundasse em mais perguntas nesse sentido.

Cézar Hoffmann estudou seu rosto, com aqueles olhos azuis que sempre a fizeram se sentir transparente, despida em sua presença. Aquele olhar sempre tiveram o poder de aquecer ou congelar. Agora, como se adivinhando que Dafne estava mentindo, só podiam ser descritos como glaciais.

Depois de um momento, Cézar mudou de assunto para então perguntar.

-Seu atual empregador exige que você use uniforme?

- Não.

- Tem alguma objeção em usar um? – aquela pergunta pareceu cortante. Como se ele estivesse a desafiando.

Não gostando da idéia, mas consciente de que poderia não ser inteligente confessar que a desagradava, Dafne suspirou resignada.

-Não, senhor.

- O que a fez decidir-se por ser uma babá?

-Eu gosto de crianças, sempre gostei na verdade. -Isso era verdade, ela não mentiria sobre algo que fazia parte dela.

Com voz firme e com um toque de cinismo ele sugeriu.

- Então talvez considere ser babá como um modo fácil de ganhar a vida?

Dafne queria gritar que isso não era de longe o seu proposito quando escolheu a profissão. Mas sabia que isso revelaria sua verdadeira identidade, e ela sabia como Cézar podia ser cruel quando se sentia enganado.

- Nunca pensei isso. E ser uma babá não é um modo fácil de ganhar a vida. Trata-se do trabalho que prefiro fazer.

- Que qualificações você tem, além de gostar de crianças? – ele perguntou com um tom mais agressivo.

- Fui aprovada em todos os cursos prescritos de cuidado e desenvolvimento, dieta e primeiros socorros infantis.

- Quais acha que são as duas coisas mais importantes na vida das crianças?

- Segurança e afeição.

Por um instante, Cézar pareceu dominado por alguma poderosa emoção. Depois, ela se foi, deixando seu rosto anguloso, frio e vazio de qualquer expressão.

- Você fuma?

Caroline piscou, confusa. Cézar fez aquela pergunta como uma acusação e ela se perguntou se não tinha se precipitado vindo direto para a toca do dragão.

-Não senhor. Não fumo e também não bebo.

- Mas, sem dúvida, há... digamos... um homem em sua vida. – o tom dele foi ficando mais profundo a cada palavra. Como se ele estivesse certo de sua resposta positiva.

- Não. – ela respondeu com sinceridade.

- Ora, vamos. – um sorriso frio cruzou sua expressão atraente. – Não deve começar, escondendo fatos que não vai conseguir sustentar depois.

- Não imaginei que fosse obrigada a ter um parceiro, Sr. Hoffmann.

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